Apesar da opressão às mulheres, Irã é membro de comissão da ONU sobre empoderamento da mulher e igualdade de gênero
Especialista aponta a “hipocrisia” das Nações Unidas em ter Irã como membro da comissão quando o país ameaça continuamente os direitos humanos e protestos se espalham pelo país após morte de jovem detida pela polícia da moral iraniana.
Uma onda de protestos anti-governo têm tomado conta do Irã após a morte de Mahsa Amini, uma jovem curda de 22 anos que faleceu no dia 16 após ter sido detida pela polícia da moralidade por não usar o hijab (véu islâmico) da forma correta, de acordo com os rígidos códigos de vestimenta da República Islâmica impostos às mulheres iranianas. De acordo com a ONG Iran Human Rights (IHR), ao menos 133 pessoas morreram no Irã por conta da repressão às manifestações que despontaram durante todo o país depois do ocorrido.
Em manifestações de solidariedade a Amini, algumas mulheres queimaram seus véus e cortaram os cabelos em sinal de protesto. Além das iranianas, as manifestações têm ganhado força local e internacionalmente, incluindo o respaldo de homens e figuras iranianas importantes: um exemplo é o apoio de Reza Palevi, filho do último xá do Irã, que foi derrubado pela Revolução Islâmica em 1979, ano em que mulheres perderam seus direitos por conta da ascensão dos conservadores ao poder. Também foram organizadas manifestações em mais de 150 cidades ao redor do mundo, incluindo Istambul, Beirute e Paris.
Apesar do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, ter alertado que não aceitará que o “caos” continue, as movimentações continuam acontecendo e as autoridades iranianas continuam as reprimindo. Hoje (3), as forças de segurança iranianas entraram em confronto com estudantes em uma importante universidade em Teerã, segundo publicações em redes sociais e também a mídia estatal. Um dos vídeos mostrou forças de segurança disparando gás lacrimogêneo para expulsar os alunos do campus, e vários outros publicados na conta do Twitter 1500tasvir, administrada por ativistas, mostram a mobilização dos estudantes nas últimas 24 horas.
A onda de protestos se espalhou pelas 31 províncias do Irã, com a participação de todas as camadas da sociedade, incluindo minorias étnicas e religiosas. Apesar de toda mobilização, as mulheres continuam sendo oprimidas regularmente nos últimos dias. É o caso de Donya Rad, que foi presa pelas forças de segurança iranianas depois que uma foto dela e de outra mulher comendo em um restaurante de Teerã sem o hijab ter viralizado nas redes sociais. Rad foi encaminhada para a prisão de Evin, em Teerã, onde apenas dissidentes políticos e prisioneiros administrados pelo Ministério de Inteligência do Irã são encarcerados.
Para o cientista político especialista em Oriente Médio e presidente executivo da StandWithUs Brasil, André Lajst, os protestos são importantes para chamar atenção para a opressão de mulheres e minorias no Irã e que uma pressão internacional deve continuar acontecendo, apesar de dificilmente resultar em mudanças imediatas. O especialista ainda chama atenção para o fato de que, em março de 2022, a República Islâmica do Irã iniciou seu mandato de quatro anos como novo membro da Comissão das Nações Unidas sobre o Status da Mulher (CSW), “o principal órgão intergovernamental global dedicado a promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres”. Para ele, “essa é uma grande hipocrisia das Nações Unidas, já que os estados membros dessa comissão são responsáveis por promover os direitos das mulheres em todo o mundo e moldar padrões globais sobre as questões de equidade e oferecimento de oportunidades, por exemplo – coisas que claramente o Irã não pode oferecer, já que seu modus operandi é a opressão por meio da chamada polícia da moral e o ataque aos direitos humanos”.
A autoridade máxima do Irã, o líder supremo aiatolá Ali Khamenei, se manifestou sobre os protestos dizendo, sem provas, que “esses tumultos e essa insegurança foram um projeto dos Estados Unidos e do falso regime sionista ocupante [Israel] e daqueles que são pagos por eles, e alguns iranianos traidores no exterior que os ajudaram”. O líder também disse que as agitações foram uma tentativa de impedir o progresso do Irã “ao poder em grande escala”, ou seja, seu desenvolvimento nuclear, que estaria progredindo apesar das duras sanções dos EUA impostas desde 2018, quando Washington abandonou unilateralmente o acordo nuclear de 2015 do Irã com as potências mundiais.
Sobre a acusação do aiatolá, Lajst ressalta: “é fácil simplesmente tentar culpar, sem fundamentos, seus inimigos externos, e ignorar seus problemas internos. Será que Khamenei acha que resolverá o problema dessa forma, mesmo com grande parte da população protestando contra seu regime?”.