Um acordo de paciência: o caminho de 25 anos entre Mercosul e União Europeia

João Alfredo Lopes Nyegray*

Após mais de duas décadas em processo de negociação, finalmente foi firmado o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Trata-se de um pacto comercial abrangente, que visa à redução ou eliminação de barreiras tarifárias e não tarifárias entre os dois blocos, criando um dos maiores mercados integrados do mundo. O acordo se configura como um marco geopolítico e econômico, com potencial para incrementar fluxos comerciais, atrair investimentos, harmonizar padrões regulatórios e fortalecer as cadeias produtivas ao longo do Atlântico.

As negociações formais tiveram início em 1999 e se estenderam até o anúncio de um acordo político em 2019, resultando em um lapso temporal superior a vinte anos. Vários fatores explicam essa longa duração das deliberações. O primeiro deles é que a União Europeia historicamente mantém políticas agrícolas fortemente protegidas pela Política Agrícola Comum (PAC). Países-membros com setores rurais sensíveis, como França, Irlanda e Áustria, resistiram à abertura de seus mercados a produtos agrícolas do Mercosul, especialmente carne bovina, açúcar e etanol. Esses entraves resultaram em inúmeras rodadas de negociação, busca por cotas e garantias de proteção tarifária, além da exigência de padrões sanitários mais rigorosos.

O segundo fator que explica a demora nas negociações é que tanto o Mercosul quanto a UE são blocos formados por diversos países com interesses econômicos e políticos heterogêneos. No Mercosul, há disparidades econômico-estruturais entre o Brasil, a economia mais robusta, e países menores. Na UE, o consenso entre 27 Estados-membros, com políticas comerciais e industriais distintas, complicou a definição de posições comuns e atrasou os acordos.

Por fim, nas fases finais das negociações, aspectos socioambientais ganharam destaque. Preocupações com o desmatamento na Amazônia, a necessidade de conformidade com o Acordo de Paris sobre o clima e pressões da opinião pública europeia por padrões ambientais mais elevados dificultaram a conclusão. A UE exigiu compromissos ambientais mais rigorosos, enquanto países do Mercosul, notadamente o Brasil, relutaram diante do que consideravam condicionantes excessivas.

O acordo estabelece reduções tarifárias para produtos industrializados e agrícolas. Do lado europeu, haverá uma abertura substancial do mercado para bens manufaturados do bloco, como máquinas, equipamentos, produtos químicos e farmacêuticos. Em contrapartida, o Mercosul terá melhores condições de acesso para seus produtos agrícolas, como carnes, grãos e frutas.

Além disso, o acordo prevê questões sobre serviços, propriedade intelectual, regras de origem, facilitação de comércio, compras governamentais e compromissos relativos a normas ambientais e trabalhistas. Destaca-se também o estabelecimento de cotas tarifárias para produtos sensíveis, evitando a liberalização irrestrita de setores delicados.

O Mercosul e a UE, juntos, abrangem cerca de 780 milhões de consumidores — a UE com aproximadamente 450 milhões e o Mercosul com cerca de 270 milhões. O Produto Interno Bruto (PIB) combinado é expressivo, somando-se o PIB da UE (mais de 15 trilhões de euros) ao do Mercosul (mais de 2,5 trilhões de euros), representando uma parcela robusta do PIB global.

A União Europeia estima que suas exportações para o Mercosul poderão crescer substancialmente. Segundo projeções da Comissão Europeia, o acordo pode gerar uma economia de até 4 bilhões de euros em tarifas para exportadores europeus. Para o Mercosul, a redução de barreiras no mercado da UE permitirá maior competitividade em setores-chave do agronegócio, aumentando receitas de exportação e estimulando investimentos na melhoria da produtividade.

Embora seja difícil quantificar precisamente os efeitos de longo prazo, estudos econométricos e simulações indicam potenciais incrementos no PIB e na geração de empregos em ambos os blocos, desde que as reformas e ajustes necessários sejam implementados. Uma maior integração tende a dinamizar as cadeias produtivas, promovendo uma especialização produtiva mais eficiente, a incorporação de novas tecnologias e o aumento da competitividade empresarial. No entanto, o acordo não entrará em vigor imediatamente, pois precisa ser aprovado pelos parlamentos dos países-membros dos blocos. A questão que se coloca, frente a esse novo cenário que se seguirá é: como o Brasil, que vem perdendo competitividade e que vem se desindustrializando ao longo das últimas décadas, se preparará para essa nova fase de concorrência?

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

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