O que significa maior ambição climática? O balanço dos anúncios da Cúpula de Líderes Climáticos

Por Rebeca Lima, Diretora Executiva CDP América Latina, Gustavo Souza, Gerente Sênior de Políticas Públicas do CDP América Latina & Miriam Garcia, Analista Sênior de Políticas Públicas do CDP América Latina

 

Os Estados Unidos fazem um retorno com grande destaque à diplomacia climática ao organizarem a Cúpula de Líderes nesta última semana. A administração Biden-Harris cumpriu a promessa de campanha de reintegrar o país ao Acordo de Paris e mostrou maior ambição ao almejar a neutralidade carbono em 2050, incluindo a redução pela metade de suas emissões até 2030.

O Acordo de Paris, adotado em 2015 como um instrumento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, em sua sigla em inglês), possui como um dos objetivos manter o aumento da temperatura bem abaixo de 2°C e com os esforços para 1.5°C em comparação aos níveis pré-industriais.

A busca pelo 1.5° C ganhou mais relevância com a publicação de um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, em sua sigla em inglês) em 2018 . As duas principais mensagens do documento elaborado por cientistas do mundo inteiro são: (1) os riscos futuros relacionados ao clima serão maiores se o aquecimento global exceder 1.5°C e (2) a meta de 1.5°C só poderá ser atingida com a redução global de aproximadamente 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e a neutralidade de carbono em 2050.

Com isso, fica claro que a ciência indica a necessidade de maior ambição climática para evitar impactos duradouros e irreversíveis, como as perdas nos ecossistemas, eventos climáticos extremos, consequências para a saúde humana, entre outros. O movimento em busca da neutralidade de carbono ganhou força com o lançamento da campanha Race to Zero, em 2020, liderada pelas presidências da Conferência das Partes (COP) 25 e 26, respectivamente Chile e Reino Unido, com foco em empresas, cidades, estados e investidores que declaram a busca pela neutralidade de carbono em 2050.

Ao analisar os compromissos assumidos pelos países nos últimos meses, constataram-se mais de 110 anúncios de neutralidade de carbono com importantes representantes, como dos países-membros da União Europeia, do Japão e da China, com um anúncio de atingir a meta antes de 2060.

O relatório-síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, em sua sigla em inglês) , publicado em fevereiro de 2021 pela UNFCCC, analisa as NDCs novas e/ou atualizadas de 75 países, os quais correspondem a 40% das Partes e 30% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). O relatório conclui que os Estados fracassaram em relação aos compromissos de mitigação ambiciosos e à redução de emissões necessária para limitar o aquecimento global a 1.5º. Novo relatório será publicado após a COP-26 e irá comparar os níveis de emissão total resultantes da implementação de todas NDCs, com diferentes cenários de mitigação e indicadores avaliados pelo IPCC.

Diante desse cenário, a Cúpula de Líderes Climáticos transformou-se em momento-chave para expandir a aliança de países pela ambição de 1.5 e foi palco do anúncio de uma importante iniciativa com o setor privado. A iniciativa Leaf (sigla em inglês para Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance) reúne governos – EUA, Reino Unido e Noruega – e representantes do setor privado que mobilizaram US$ 1 bilhão para pagamento por resultados em proteção de florestas de iniciativas de países ou governos subnacionais.

No caso do Brasil, o tema de ambição climática não integra a pauta da agenda nacional tampouco da diplomacia. A NDC submetida pelo governo Bolsonaro, em dezembro do ano passado, não foi bem recebida pela comunidade internacional, pela falta de ambição nos compromissos e por alguns retrocessos em relação ao primeiro documento, de 2015.

Dessa forma, o anúncio do governo brasileiro pela neutralidade de carbono em 2050, na última quinta-feira, pode ser interpretado como o potencial tíquete para entrada do clube de países com maior ambição climática, embora precise ser analisado em conjunto com as evidências de uma agenda ambiental doméstica que sofre com o enfraquecimento do arcabouço legal e de seus instrumentos necessários à garantia da implementação da legislação ambiental e da Política Nacional de Mudança Climática (PNMC).

Não basta assumir metas distantes sem demonstrar os compromissos com ações climáticas de redução de emissões desde já, incluindo o fortalecimento do arcabouço legal e dos instrumentos econômicos. Há urgência para implementar medidas capazes de nos colocar em uma trajetória rumo ao 1.5°C, como redução do desmatamento, transição energética, conservação da biodiversidade, entre outras. Essas medidas devem ser prioridade do governo nacional e já fazem parte da agenda de outros atores, como os governos subnacionais, empresas e investidores.

O CDP busca promover uma economia próspera, que funcione para as pessoas e para o planeta a longo prazo. Para fazer isso, incentiva que investidores, empresas, cidades e estados realizem ações urgentes para redução de emissões e se comprometam com iniciativas climáticas ambiciosas, como as campanhas Race to Zero e Business Ambition for 1.5°C.

Reforçamos a importância dos atores não estatais e governos subnacionais no enfrentamento da crise climática e, por esse motivo, o CDP é membro fundador da Aliança pela Ação Climática Brasil (ACA Brasil), plataforma multistakeholder que busca a ambição das ações climáticas de seus signatários, entre eles cidades, estados, empresas, investidores e organizações da sociedade civil, para a retomada do protagonismo brasileiro nas negociações climáticas.

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