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O legado do ódio

Daniel Medeiros

A campanha eleitoral foi a ponta do iceberg no abalo que ocorreu no complexo e frágil edifício das relações de amizade e relações familiares. Pode-se dizer que as eleições trouxeram à tona toda a superficialidade dessas relações que sobreviviam por inércia e por indiferença. Uma indiferença que era suportada, principalmente, porque ficava reclusa, no interior da casa ou do pequeno grupo, sem ganhar visibilidade e, com isso, produzir efeitos de constrangimento e vergonha. Algo como deixarmos nossos corpos expelirem seus sons desagradáveis e pouco urbanos. A natureza é bruta e amoral. Mas só ela. Nós não. Por isso, construímos regras de sobrevivência e de convivência coletiva, para domar nossa natureza narcísica. A consciência é o esforço de levar as nossas atitudes para o campo mais amplo da compreensão da existência dos outros. Daí termos criado termos como “desculpe-me” ,ou “sinto muito”, ou ainda “por favor”, entre outros. Porque vivemos no tenso limite entre o que nosso corpo faz e nossas emoções exigem e nossa racionalidade civilizada controla e impede. Graças a isso, chegamos, mal e porcamente, até aqui.

No entanto, nos últimos anos, essa capa de civilidade foi sendo rachada, esgarçada, carcomida, e pedaços da nossa natureza infantil, imatura, foram sendo expostas. E, como era de se esperar, muitos sentiram o prazer dessa exposição tanto tempo contida. Afinal, convenhamos: como é bom gritar, xingar, defender causas porque eu quero, acreditar no que eu quero, sem qualquer compromisso com consequências ou explicações. A ideia de Poder vem daí. O de afirmar a minha verdade sem qualquer impedimento. Por isso, a História precisou, ao longo do tempo, domesticar o Poder, submetê-lo ao Bem Comum, à versão contida do Desejo, à versão Pública do Querer.

O que temos diante de nossos olhos é um desfile de espíritos desinflados dos apelos do Superego, livres e soltos em sua contradição sem culpa, em seus paradoxos sem correção, em suas violências prazerosas e compensadoras. Uma violência que se expressa nos xingamentos com a boca cheia, nas ameaças sem temor de punição, nas agressões cada vez mais intensas contra todos os que podem lembrá-los do absurdo de suas posições, daí suas vítimas preferidas serem os jornalistas, os artistas, os intelectuais. É o êxtase da ignorância!

E vimos que essas explosões ocorreram ao nosso lado, entre amigos e familiares. Como nos filmes de terror, quando a contaminação alienígena não escolhe vítimas, surpreendemo-nos com aquele amigo tão cordato, com aquele parente tão tímido, com aquele colega de trabalho tão profissional e atencioso, eclodindo do casulo de sua civilidade forçada e tornando-se um arauto das teses mais absurdas, contraditórias e impossíveis, com a força e a veemência de uma fórmula matemática.

Diante desse fenômeno que nos cerca e aflige, entristece-nos, como que murchamos. Amizades se calam, almoços de domingo, saídas, passeios, encontros festivos minguam ou implodem em discussões tão intensas quanto inúteis. Quase como se fossem outros, desconhecidos que há vinte, trinta anos convivemos sem maiores percalços. Mas que agora…

O mais grave é que essa metamorfose parece não ter fim, a energia liberada deve alimentar ódios e silêncios por muito tempo. Afinal, como reparar o que foi dito e feito com tanta raiva, com tanto espírito vingativo, com tanta vontade de machucar, de ferir, de calar? Será que nós deveríamos esquecer, acomodar, aceitar e salvar o que sobrou desse gigantesco naufrágio?

Creio que sim. Mas não sei como. Penso que ainda virá esse tempo “da delicadeza”, como lembrou o poeta. No entanto, as águas precisam estar mais calmas, para evitar que, na tentativa de um abraço, não nos afoguemos todos de uma vez.

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