COP 15: o que a sociedade civil espera e como busca influenciar as discussões

Organizações buscam incidir nas negociações da COP da Biodiversidade, que avançaram pouco até aqui, e apontam os principais entraves que precisam ser solucionados

Assim como aconteceu na COP do Clima, a sociedade civil organizada acompanha de perto as negociações na 15ª Conferência das Partes (COP 15) da Biodiversidade, que acontece em Montreal, no Canadá, até 19 de dezembro. Diferentes entidades estão levando suas demandas e buscando influenciar os debates para que a COP 15 resulte de fato em um novo acordo mundial ambicioso, que salve a biodiversidade em declínio no planeta.

Organizações brasileiras também fazem parte desse grupo e buscam incidir nas decisões da COP, que reúne quase 200 países signatários da Convenção da Diversidade Biológica. Elas consideram que as negociações avançaram pouco até aqui e apontam os principais entraves que precisam ser solucionados.

 

Em busca de mais ambição no acordo mundial

Um dos resultados mais desejados para esta COP é que dela saia um novo Marco Global da Biodiversidade pós-2020, com metas que orientem ações até 2030, para preservar e proteger a natureza e os serviços essenciais que ela presta.

“A sociedade vem aumentando sua percepção de que, assim como as mudanças climáticas, a agenda da biodiversidade é crucial para nossa sobrevivência e bem-estar. Temos o desafio de materializar essas preocupações em ações concretas no nível das negociações internacionais, como é o caso da COP 15 na definição do Marco Global da Biodiversidade, e nos desdobramentos que envolvem as políticas públicas a serem adotadas pelos governos e na atuação da sociedade civil”, afirma Eduardo Ditt, diretor-executivo do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).

“De forma geral, trabalhamos para que o acordo seja robusto e ambicioso. As negociações ainda não sinalizam isso. Tivemos pouquíssimos avanços em relação ao texto, que está com muitos colchetes, o que significa que não houve concordância sobre esses trechos. As decisões da Convenção da Biodiversidade são por consenso, não por voto, o que torna fechar o acordo um pouco mais difícil”, explica Michel Santos, gerente de políticas públicas do WWF-Brasil.

Uma das principais e mais comentadas metas do acordo é a que determina que 30% das áreas terrestres e marítimas do planeta sejam conservadas. Por ser uma meta para 2030, ela foi apelidada de “30 por 30”.

“A grande questão é determinar como será feita a conta desses 30%”, afirma Thais Ferraz, diretora do Instituto Arapyaú. “Como essa porcentagem será distribuída? Há um impasse sobre se ela deve ser calculada por país ou globalmente. Além disso, não se trata apenas de preservar o que ‘restou’ de natureza, mas de recuperar ecossistemas mais degradados, como é o caso da Mata Atlântica, para citar um exemplo brasileiro.”

Oceano precisa de acordos especiais

Nas negociações do Marco Global da Biodiversidade, as áreas marinhas, que abrigam uma rica biodiversidade, fonte de renda e alimentos para muitas populações, são objeto de discussão por envolver diferentes jurisdições e pela importância de se entender a conexão entre os diferentes ecossistemas, como costeiros e de alto-mar.

“Nosso grande objetivo é  garantir que as áreas costeiras, marinhas e oceânicas tenham espaço e tempo para se recuperar e garantir a segurança alimentar da população que depende do oceano. Para isso é necessário que a Convenção da Diversidade Biológica conecte acordos globalmente, porque o oceano é um só. Seria importante que essa e outras particularidades do oceano fossem levadas em consideração”, explica Marina Corrêa, membra da Secretaria Executiva da Liga das Mulheres pelo Oceano

Outra demanda, segundo Corrêa, é a criação de áreas marinhas protegidas, sendo necessário pensar na conectividade entre elas, na representatividade de habitats e em como aprimorar a gestão dessas áreas, envolvendo atores locais.

 

Direitos dos povos originários e comunidades tradicionais

Organizações e lideranças que representam os povos originários e tradicionais também participam da COP 15 da Biodiversidade. Entre as demandas estão “a defesa dos nossos territórios, dos bens e recursos naturais e da morada dos nossos guias espirituais, além de buscar sensibilizar sobre o respeito aos nossos segredos e sagrados”, afirma Cristiane Julião, do povo Pankararu, que faz parte da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e é cofundadora da Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Ela destaca, porém, que uma das principais demandas é construir um espaço de escuta e diálogo, para que os povos originários e tradicionais possam fazer incidência. “Esta COP ainda é um reflexo do que tem sido a apropriação internacional de saberes e fazeres de povos e comunidades tradicionais e indígenas. Quando você percebe a ausência simbólica de povos indígenas em espaços como este, de decisão, em que se discute biodiversidade, agregação de valores aos nossos saberes, patrimônio genético, repartição de benefícios, você está vendo um reflexo do sistema de tutela, controle e exploração que persiste”, afirma.

Antônia Cariongo, liderança quilombola e defensora dos direitos humanos, destaca que espera ver, nesta conferência, os direitos dos povos originários e tradicionais respeitados, “com garantia do direito ao território, reconhecimento e contribuição na conservação da biodiversidade e a repartição justa e equitativa”, entre outros pleitos. “Até aqui, vejo pouco avanço nas negociações, e tenho ressalva quanto às posições de alguns países que querem a retirada no texto do acordo de expressões que fazem menção à garantia de direitos dos povos tradicionais”, avalia.

 

Financiamento para conservar

Os recursos financeiros necessários para se alcançar a meta dos “30 por 30” ou qualquer outra do Marco Global da Biodiversidade estão entre os principais impasses da COP 15. Há demandas por mecanismos para que os países desenvolvidos – que são os que já não possuem tanta biodiversidade, mas que mais se beneficiaram e detêm tecnologias para fazer uso do conhecimento oriundo de plantas e animais – direcionem recursos para os países em desenvolvimento, que são os mais ricos em biodiversidade e precisam de financiamento para ações de conservação.

“As definições da COP 15 vão direcionar como os países devem atuar em relação ao acesso à conservação, uso sustentável dos recursos da biodiversidade e repartição dos benefícios. Nesse sentido, é fundamental garantir os recursos necessários para os países em desenvolvimento implementarem ações que garantam o cumprimento das metas de enfrentamento à perda da biodiversidade. E, para isso acontecer, é imprescindível um compromisso dos governos, com destinação de recursos públicos, de forma a efetivar essa implementação”, diz Karen Oliveira, diretora para Políticas Públicas e Relações Governamentais da TNC Brasil.

“Defendemos o financiamento de todas as fontes – empresas, instituições financeiras e governos, inclusive o brasileiro. Em especial, países ricos que não têm natureza deveriam apoiar financeiramente os países em desenvolvimento que a possuem”, também afirma Michel Santos, do WWF-Brasil.

 

Repartição de benefícios do sequenciamento genético

Outro grande impasse nas negociações da COP é a questão de como repartir os benefícios obtidos com o desenvolvimento de produtos, como medicamentos ou alimentos, a partir do conhecimento adquirido de plantas e animais.

As tecnologias atuais permitem fazer o sequenciamento digital genético das espécies e depositar as informações, conhecidas como Sequenciamento Digital de Genes, ou DSI, na sigla em inglês, em grandes bancos de dados digitais. O acesso a esses bancos é livre, mas normalmente são as grandes empresas farmacêuticas e alimentícias, de países desenvolvidos, que desenvolvem as tecnologias para transformar esse conhecimento em produtos econômicos. Porém, as plantas e animais usados nessas atividades econômicas estão localizadas principalmente em países em desenvolvimento.

Assim, de acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), os benefícios da exploração econômica dessas informações devem ser repartidos entre o usuário desses recursos e o país, povo ou comunidade tradicional que vive no território onde o ativo biológico é encontrado, mas a questão é como fazer isso.

“Se, a partir do entendimento da genética de uma planta ou animal, surgem novos medicamentos, alimentos e matérias-primas, como distribuir os recursos entre quem desenvolveu a tecnologia para essa transformação e os locais, povos e países de onde aquela espécie se origina? Essa é uma discussão que permeia a Convenção da Diversidade Biológica da ONU e que precisa ser resolvida”, explica Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú e cofundador da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia.

Monitoramento de resultados

O monitoramento dos resultados das ações para cumprir com as metas apresentadas no Marco Global da Biodiversidade é, na opinião de Waack, mais um nó que precisa ser desatado nesta COP.

“A definição de indicadores para avaliar se um país está avançando no cumprimento de uma meta é um grande desafio, pois não há uma métrica para medir a biodiversidade como existe nas emissões de gases de efeito estufa, que usa como base o carbono equivalente”, afirma. Esse desafio traz outro, que é o de entender que mecanismos legais ou regulatórios seriam necessários para garantir o cumprimento dessas metas de uma forma mensurável.

 

Sobre a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia   

 

É uma rede com mais de 500 líderes criada em 2020 como um espaço democrático de debate para que diversas iniciativas que atuam em prol da região pudessem se encontrar, dialogar e ampliar o impacto de suas ações. Apartidária e plural, a iniciativa reúne representantes dos setores público e privado, academia, sociedade civil e imprensa, que se juntaram para buscar propostas e projetos para a floresta e as pessoas que vivem na região. Saiba mais em: concertacaoamazonia.com.br

 

Sobre o Instituto Arapyaú

O Arapyaú é uma instituição privada, apartidária e sem fins lucrativos, fundada em 2008 com o objetivo de promover o diálogo e a atuação em redes para a construção coletiva de soluções sustentáveis.

Por meio da articulação e mobilização de diferentes atores, buscamos um modelo de desenvolvimento sustentável em dois territórios principais, a Amazônia e o sul da Bahia, duas potências em biodiversidade. Saiba mais em: https://arapyau.org.br/

 

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