A morte não tem nada de hilário

A morte não tem nada de hilário

(Chagas Cunha)
Dizem os morredores de plantão que a melhor maneira de se evadir deste mundo é pela via do coração. Para estes depreciadores da vida, seria uma morte ideal (vai pra lá, anjo torto!). “Afinal”, argumentam, “a dor é rápida e a canseira da vítima e dos familiares é curta”. Que o digam os amantes inveterados que levam a vida inteira a excitar o músculo cardíaco para, enfim, se esbarrarem exaustos, no “de repente mais que de repente”. Opiniões à parte, a verdade é que a velha morte – seja qual for sua forma – sempre inquieta os vivos, sobretudo os mais próximos do viajante póstumo. Ninguém escapa à sentença da desgraçada. Uns vão por bem; outros, por mal. Mas todos, sem exceção, tarde ou cedo, “pegamos o beco”.
Nosso estimado músico e colega de boemia, Sergio Hilário partiu desse modo ao fim da farra, segundo nos consta, logo que cessaram os tambores mominos. Foi de repente. Não houve uma despedida triunfal, como bem seriam de seu justo merecimento, pelas alegrias e pela amizade proporcionadas aos seus. Nem um abraço, um aperto de mão, um olhar terno, uma palavra amiga que antecedesse a inesperada partida. Do alto de seu leito solitário, escafedeu carregado pelos anjos.
Passar desta para a melhor já tem custado muitas reflexões, mal e bem humoradas. Para o renomado cronista baiano Ubaldo Ribeiro, que também morreu do coração, a passagem só tem um problema – é se a catraca enganchar. Segundo o saudoso finado, é como se você fosse passar na roleta do ônibus com destino ao “sei lá no que vai ser”. Se a catraca engasgar, meu amigo, o vexame é cruel. E para uma boa vida, nada mais justo que uma boa morte. Não é o que rezam?
Mas voltemos ao nosso Sérgio Hilário que, a propósito do próprio sobrenome, também gostava das coisas hilárias da vida. Reparem que sempre que nos reuníamos à mesa de Baco e tínhamos a presença do humorista Zeca Estrada, Sérgio pedia a este que nos contasse piadas. Só então, depois de boas gargalhadas e de algumas bicadas ardentes, pegava fôlego, desatrelava os dedos, afinando o violão para iniciar o show e só terminar na hora que Deus quisesse. Era músico nato que exercia modestamente o ofício, ainda que não obtivesse a devida compensação financeira, a exemplo de tantos artistas abnegados que sobrevivem da arte. O bar Dona Chica foi um dos palcos de frequentes entreveros musicais, onde reunia amigos, artistas e admiradores de sua boa música. Em especial, os integrantes da Banda Nan-nam-nam, que agora reclamam a vaga deixada.
A má notícia nos pegou a todos, ainda de ressaca. Ninguém acreditou. Parecia piada de mau gosto. “Mas como? Tão novo (mal acabara de cruzar a casa dos 50), tão saudável, tão moderado (pegava leve)”!? Era o que todos perguntávamos e perguntamos ainda. Partiu em meio às cinzas que dão início à Quaresma, período que antecede a Páscoa e que, para os cristãos, é uma época de reclusão espiritual propícia à purificação. Constam de sua experiência musical, relevantes serviços prestados à Igreja de São Benedito, tomando parte na banda que anima as missas daquela paróquia.
E não adianta vir com choramelos. Pois sabemos que a vida aqui é breve, mas continua. Cá, ficamos nós, desejando que nosso amigo Sérgio Hilário esteja em bom lugar.
“Agora, vai-te, alma boa, segue teu caminho. Lança mão de tua harpa e engrossa o coro dos anjos no Céu”.

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