A Maçonaria aspira a República Brasileira – A Revolução de 1817 que chega ao Ceará com o nome de Confederação do Equador

A pernambucana Bárbara de Alencar e cinco filhos lideram o movimento – A criação do Diário do Governo do Ceará dirigido pelo Padre Mororó –Tristão Gonçalves, a alma da

Revolução–Patriotas que tombaram pelos ideais da República – Padre José Martiniano criador da primeira Loja Maçônica no Ceará – O Ceará é República por uma semana 

 

Por Zelito Magalhães  

 

As primeiras  manifestações do Movimento

Os primeiros movimentos de manifestação ideológica a insurgir-se contra o Império de D. João VI culminaram com a chamada “Revolução Pernambucana de 1817”, cujo grito dado pelo espirituoso Domingos Martins a 6 de março, ecoou nos Estados vizinhos de Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Tratava-se de um movimento revolucionário de caráter separatista e republicano que também ficou conhecido como Revolução dos Padres.Desencadeada com o propósito  de transformar  a “qualquer custo” o sistema político em ordem social, a  Revolução teve como escopo a insatisfação do povo em face dos gastos excessivos com banquetes na Corte, além de outras despesas astronômicas pagas com o dinheiro público. Tudo aquilo constituía a revolta de quantos enfrentavam e sofriam com os problemas locais da seca ocorrida em 1816.

A Revolução conta a triste história de ilustres homens  que sonhavam, em pleno Império, com uma República e por isso pagaram com o sacrifício da própria vida. A República que só viria depois de oitenta anos, com o regime da República que despontou em 1889, à frente o maçom Deodoro da Fonseca. A Revolução teve a duração de apenas 75 dias.

José Martiniano Pereira de Alencar

O Seminário de Olinda

Instalado no ano de 1800, sob a égide de D. Azeredo Coutinho, o Seminário pregaria o iluminismo, caminhando pari passu ao lado daretórica e da Teologia.  Dentre os lentes do Seminário, sobressaiam-se o Frei Joaquim do Amor Divino  Caneca e os padres Roma e João Ribeiro Pessoa, tendo como vanguardeiros Miguem Joaquim de Almeida Castro (Frei Miguelino) Mons. Francisco Muniz Tavares e Luiz de Melo Mendonça.  À instituição religiosa recorreram rapazes das mais diversas localizações, dentre essas, o Ceará.Diga-se que todos eles, como maçons, moviam-se sob a inspiração da Arte Real do Grande Arquiteto do Universo

 

Manuel Pães de Andrade presidiu a Confederação do Equador em Pernambuco

Inácio Loiola – Padre Mororó

Nascido em Sobral, mais precisamente na povoação do Riacho dos Guimarães (Groaíras) a 24 de julho de 1778, Inácio Loiola de Albuquerque Melo foi um daqueles que aceitaram a tonsura religiosa. O agnome Mororó viria durante o movimento da Confederação do Equador em que o sacerdote se envolveria, veremos em capítulo adiante.Matriculado na dita instituição, Loiola foi ordenado  em novembro de 1802. Regressando ao Ceará, celebra a primeira missa um mês após, ou seja, a 8 de dezembro.

 

Bárbara de Alencar

A Confederação do Equadorno Ceará

O movimento eclodiu em 1824 sob a inspiração do então presidente de Pernambuco, Manuel de Carvalho Paes de Andrade, quando um plano de solidariedade foi firmado, alastrando-se entre as Províncias do Nordeste com a denominação de  Confederação  do Equador.  Dentre os planos, estava o projeto

de criação da “Tipografia  Nacional” , o que oportunizou o Ceará instalar uma oficina de  artes gráficas. A Câmara de Quixeramobim, sob a influência do Padre Mororó, se reuniu em grande sessão a 9 de janeiro de 1824 e declarando que, pela traição cometida, ficavam decaídos do Trono o Imperador e seus descendentes, deliberou que se curasse dos meios de se substituir a forma de Governo, convidando as demais Câmaras da Província para cooperarem na organização de uma República. A 1º de abril de 1824, circulou o primeiro número do Diário do Governo do Ceará, a maior importância histórica no governo do Presidente Pedro da Costa Barros.O Padre Mororó  fora nomeado Redator da folha por ser “pessoa de instrução e conhecimentos”. Durante alguns meses de circulação, veio à descoberta que a folha não passava de um órgão da propaganda republicana. Seu redator teve a prisão decretada ao lado de outros “celerados”.

Parece que Mororó já receava o insucesso da rebelião contra o Príncipe, quando Tristão Gonçalves o foi arrancar do seu retiro em Quixeramobim. Ximenes, seu sobrinho e comensal, refere assim a sua viagem à Capital: “Tristão mandou chamar meu tio para secretário. Ele respondeu-lhe que houvesse de desculpá-lo pois era um padre baldo de conhecimentos que fazia sua subsistência de capelanias pelo sertão, onde estava familiarizado, e por conseguinte incapaz de exercer um emprego que demandava tanta ciência, principalmente em tempo em que tantas dificuldades se tinham a vencer. Esta resposta, ou para melhor dizer, esta desculpa de meu tio não quadrou a Tristão, que persistiu em seus chamados, até o ponto de o ameaçar com prisão, se continuasse em sua desobediência”

Pernambuco, como centro irradiador dos acontecimentos libertários,proporcionou ao Ceará, como já se viu, essa condição. A Câmara da Vilade Campo Maior de Quixeramobim, na memorável sessão do dia 9 de janeiro de 1824, proclamou a primeira República do Brasil. Comandada pelo groairense Padre Mororó, que, além de liderar o movimento, foi o subscritor da Ata, determinando que esta fosse enviada a outras Vilas para conseguir adesões, como de fato sucedeu, destacando-se Câmaras do Icó, Aracati e São Bernardo das Éguas Russas. Aderindo de imediato à causa, reproduziu o efeito esperado para  fortalecimento das justas pretensões, espalhando-se por todas as Províncias do Norte Nordeste.

O Padre Mororó era formalmente acusado, após a conclusão do processo a que foi submetido, de três crimes: “1) de ter proclamado a República em Quixeramobim, 2) de ter servido de secretário do Presidente da República no Ceará, Tenente-Coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe; 3) finalmente, de ter sido o redator do Diário do Governo do Ceará,  órgão dos republicanos”.

Os conhecimentos ilustrados do valoroso filho de Sobral também o tangiam para a arte da versificação. Foi um autêntico partidário do Arcadismo. João Alfredo de Souza Montenegro, titular da Universidade Federal do Ceará, assim traça o perfil do religioso: “A Ode que o Pe. Mororó dedicou ao Ouvidor Carvalho, por ocasião de sua prisão em 18l7, acasala o sestro louvaminheiro ao emprego da mitologia, acentuando-se os sinais clássicos”. Eis a referida Ode, obedecendo a ortografia da época:

Da mordás Calumnia os echos estrondosos

Voando sobre as azas dos Turfões

Retumbão nas opacas grutas, onde

Impera vil orgulho.

No lar medonho da fogosa inveja

C’os olhos cor de sangue ella empolga

A inocente rola pura

Q’impavida ri.

 

A proterva canalha dos insultos

Ousados ministros da tartaria fúria

A Victima cercando ao bojo lança

De amarela suspeita.

 

No imenso vacuo, pesaroso escuro

Da deshonra, tenta abysmal-o logo

Mas elle surge d’entre spetros efeitos

Com semblante sereno.

 

Sulfureo lume de asuladas chamas

Lhe amarellecem o rosto, as mãos denigrem

O peito rasgão, as entranhas roem

Mas não perde a Coragem.

 

Qual ingente rochedo que batido

Da medonha furia de Neptuno iroso

Immovel fica, nem ao menos sente

Seu furor insano.

 

Assim ingenua Virtude, assim te assomas

Com fronte magestosa, assim despresas

A tormenta, que assanha, e que levanta

Invejosa Calumnia.

 

Assim estavel Carvalho, assim triumphão

Dos rijos louros, dos furacões furiosos

Que teus ramos embatem, mas não estalão

Ao impacto violento.

 

A Confederação entra no Ceará pelo Crato

José Martiniano Pereira de Alencar tornou-se personagem da maior importância da história política do Ceará. Nascido em Barbalha, no Ceará, então distrito de Crato (Ce)  a 16 de outubro de 1794, era o primogênito de mais cinco irmãos – João Gonçalves, Carlos José, Tristão Gonçalves, Bárbara Auta e Joaquim de São José. Eram filhos do negociante português José Gonçalves dos Santos e da pernambucana de Exu, Bárbara Pereira de Alencar. Martiniano  foi enviado para estudar no Seminário de Olinda (PE). Ainda como sub-diácono, foi escolhido como emissário das forças revolucionárias de 1817. Entrou para a História no dia 3 de maio daquele ano, quando no patamar da igreja matriz do Crato, proclamou a República na região odo Cariri (CE). Poucos dias depois foi preso com a mãe e mais e mais os irmãos Tristão Gonçalves e Carlos José dos Santos, além de outros revoltosos. Encaminhado à prisão em Fortaleza de Nª. senhora da Assunção e depois mandado para os cárceres do Recife e Salvador, foi posto em liberdade no correr do ano de 1821. Primeiro suplente de deputado à Constituinte Portuguesa (1822),  assumiu a cadeira de representante do Ceará, por motivo do titular José Ignácio Gomes Parente ter adoecido.

Encabeçaria a imensa lista de revoltosos o diácono José Martiniano Pereira de Alencar (que seria mais tarde o pai do romancista e autor da obra “Iracema”). Alencar regressou ao Crato em 29 de abril e a 3 de maio, apoiado pela mãe Bárbara de Alencar e os irmãos Carlos Antonio dos Santos (padre) e Tristão Gonçalves, leu no adro da Igreja Matriz a mensagem que trouxera do Recife:  a Independência Pernambucana. José Martiniano foi senador do Império nos períodos de abril de 1932 a março de 1860. Quando cumpria o mandato em 1834, veio ao Ceará em companhia do padre Diogo Feijó e instalou a Loja maçônica União e Beneficência, que funcionou no centro de Fortaleza.

 

Quem era Bárbara de Alencar

Bárbara Pereira de Alencar nasceu na Fazenda  Caiçara,  província de Senhor Bom Jesus dos Aflitos de Exu  (Pernambuco) em 11 de fevereiro de 1760. Adolescente, se mudou para a Vila do Crato, casando-se com o comerciante português José Gonçalves dos Santos. Teve os seguintes filhos: José Martiniano Pereira de Alencar, Tristão Gonçalves e Carlos José dos Santos. Impulsionada pelos ideais republicanos, participou com os filhos e o irmão, Leonel Pereira de Alencar, da Revolução de 1817 em sua terra e do levante que chegou ao Ceará em 1824 com a denominação deConfederação do Equador.Presa por ordem do Comandante das Armas do Ceará,  Conrado Jacob Niemeyer, foi  conduzida a um presídio subterrâneo do Forte de Nossa Senhora da Assunção (hoje o quartel da 10ª Região Militar do Exército Brasileiro, em Fortaleza. Permanecendo presa  por três anos, fugiu da perseguição política, homiziou-se na cidade piauiense de Fronteiras, vindo a falecer no dia 18 de agosto de 1832. Os restos mortais encontram-se na Capela de Nossa Senhora do Rosário, no distrito de Tianguá. Pela Lei 13.056, de 22 de dezembro de 2014, Bárbara teve seu nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. A Fundação Demócrito Rocha produziu uma série de documentários sobre ilustres cearenses e Bárbara de Alencar encontra-se entre os homenageados.

 

A alma da Confederação do Equador

Tristão Gonçalves Pereira de Alencar era o segundo filho de Bárbara de Alencar. Nascido no Crato a 17 de setembro de 1789, participou do movimento republicano dePernambuco (1817) que chegou ao Ceará com a denominação de Confederação do Equador. Entrando pela cidade doCrato, os revolucionários lutaram com as forças do governo sob o comando do Capitão-Mor José Pereira Filgueiras. Foi aclamado pelos rebeldes republicanos como Presidente do Ceará. Em Aracati, no lugarejo Santa Rosa, enfrentou um grupo armado que tinha à frente o rancoroso proprietário rural José Leão da Cunha Pereira. No conflito,  foi trucidado pelo capanga Vanceslau  Alves de Almeida em 31 de outubro de 1824. Seus restos ficaram ali abandonados até que a mão piedosa de um amigo lhes deu sepultura. Tristão Gonçalves era casado com Ana Porcina Ferreira de Lima, de cujo consórcio ocorrido em 1810, tiveram nove filhos. Após a morte do marido, a viúva passou a chamar-se Ana Triste.

 

Patriotas que tombaram pelos ideais da República 

O Governo Imperial exigia da Comissão Militar exigia que fossem supliciados inicialmente os cinco chefes do movimento e que neste número estava o Padre Mororó. O seu nome havia sido enviado por Pedro José da Costa Barros (Governador) através de ofício de 24 de dezembro de 1824, que dizia: “Recomendo a V. Exa. Esse malvado padre Gonçalo Inácio Albuquerque Mororó, o redator das célebres folhas do Ceará que tão descaradamente se afoitou sempre a insultar a sagrada pessoa de S.M. o Imperador, aleivosamente, em seus péssimos escritor. Este demônio foi o autor da República de Quixeramobim, e da sua abominável e execrada ata”

A relação dos fuzilados no antigo Largo da Pólvora– Praça dos Mártires (hoje Passeio Público), em Fortaleza:

Em 30 de abril de 1825:Padre Mororó e João de Andrade Pessoa(Anta)

Em 7 de maio de 1825: Francisco Miguel Pereira, escrivão (Ibiapina)

Em 16 de maio de 1825: Luiz Inácio de Azevedo (Azevedo Bolão);

Em 28 de maio de 1825: Feliciano José da Silva (Carapinima)

– Bárbara de Alencar foi presa em 24 de janeiro de 1818, torturada numa das celas da Fortaleza de Nª Senhora da Assunção (Largo da Pólvora);

– Tristão Gonçalves Pereira de Alencar foi trucidado em Aracati, a 31 de outubro de 1824, à margem do rio Jaguaribe.

 

Padre José Martiniano, o criador da

primeira Loja Maçônica no Ceará

José Martiniano Pereira de Alencar foi o primeiro filho da pernambucana Bárbara de Alencar e do português José Gonçalves. Nasceu no sítio Lambedor, em Barbalha, então distrito do Crato a 16 de 0utubro de 1794. Ingressou no Seminário de Olinda, que tinha como diretor Dom Azeredo Coutinho. Ainda como diácono, tomou parte da Revolução Pernambucana deflagrada a 6 de março de 1817, ao lado de outro clérigos. Regressado ao Crato em 29 de abril, apoiado pela mãe e os irmãos Carlos José dos Santos e Tristão Gonçalves, a 3 de maio leu no adro da Igreja Matriz  mensagem que trouxera do Recife ditada pelo líder do revoltoso, Domingos Martins – a independência da República pernambucana que repercutiria no Norte-Nordeste. O capitão-mor José Pereira Filgueiras, à frente de forças suficientes, invade o Crato, hasteia novamente a bandeira da monarquia e prende os republicanos que lá se achavam, inclusive José Martiniano, seus irmãos Tristão Gonçalves e Carlos José, no total de 21 pessoas.

Senador do Império – O levantamento dos pronunciamentos do senador José Martiniano no Senado do Império, foi realizado com apoio das atas de suas sessões

Que foram recebidas da Subsecretaria de Arquivo do Senado Federal e da consulta direta aos volumes dos Anais encontrados nos acervos da Biblioteca Nacional e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em sessão do Senado de 5 de julho de julho de 1833, posicionou-se a favor da contratação de moços para a prática de navegação na Província do Ceará e da criação de prático da barra do rio Jaguaribe (Aracati). José Martiniano foi senador do Império quase 28 anos (10/04/1832- 15/03/1860; já em 1850 se dizia velho, doente e cansado, o que explica o pouco brilho do último decênio do seu período senatorial.

Loja Maçônica – Quando cumpria mais um mandato de Senador do Império, em começos de 1834, o padre José Martiniano Pereira de Alencar veio ao Ceará em companhia do padre Diogo Feijó e de outros pedreiros livres e fundou a Loja União e Beneficência, “à associou todos os padres e o pessoal mais seleto da capital e funcionou sem mistérios nem reservas” (Historiador Paulino Nogueira Borges da Fonseca (1842-1918) in Revista do Instituto Histórico do Ceará – p. 143) A Loja instalou-se num sobradinho do maçom Manuel Caetano de Gouveia que ficava na Rua Boa Vista, hoje Floriano Peixoto. O Senador Alencar foi seu primeiro Venerável. “O dia 24 de Junho é festival para a mor parte dos habitantes do velho e novo mundo e para a Maçonaria é um dos mais faustosos nos seus anais, que o soleniza ou com atos de regozijo ou de beneficência” (trecho de matéria publicada no jornal “Cearense Jacaúna”, também de propriedade de Manuel Caetano de Gouveia, em edição de 2 de julho. O padre Carlos Augusto Peixoto de Alencar escreveu comovente página cronológica sobre o primo e amigo, que o “Comercial” publicou em edição de 6 de abril de 1860. Encerra Peixoto com estas palavras: “Não morreu no cume da grandeza e do poder, mas deixou um nome de que se orgulharão os seus parentes, e que não deslustra a sua Pátria. Seu último suspiro foi acompanhado de um sentimento de amor e caridade para com a terra onde viu pela primeira vez a luz (…)”

 

 

 

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