Wilemara Barros apresenta solo Preta Rainha

Espetáculo marca o início das comemorações 5 décadas de carreira da artista

 

Comemorando em abril 59 anos de idade, a bailarina e professora de balé clássico Wilemara Barros apresenta o solo autobiográfico Preta Rainha, que gira em torno da sua trajetória de 50 anos no universo da dança. O espetáculo terá duas apresentações gratuitas: dia 27 de abril, às 19h, no Centro Cultural Bom Jardim; e dia 28 de abril, às 19h30, no palco principal do Theatro José de Alencar.

“Seguir na cena com quase 60 anos de idade e 50 de carreira é uma dádiva. Os anos me trouxeram maturidade artística e crescimento como ser humano. Atravessei o tempo e gerações tendo meu corpo como discurso político. O palco é um lugar sagrado, a dança é o ar que eu respiro. Sigo até o fim, com as dores e as delícias que a maturidade e a arte trazem”, celebra Wilemara.

Em Preta Rainha, Wilemara Barros visita as suas memórias afetivas, tomando para si o legado cultural e ancestral vindo de sua família: a dança, o canto, a percussão, a crença, o corpo e a voz. Wila, como é carinhosamente conhecida na cena local e nacional, faz emergir a poética e a política, criando uma obra antirracista reflexiva e potente que celebra as cinco décadas de dedicação à dança.

“Na maior parte da minha infância e adolescência não tive consciência das minhas raízes e é, a partir dessas vivências, que o trabalho Preta Rainha faz um mergulho na minha ancestralidade, onde volto ao passado para caminhar no presente. Revisito crenças, culturas e afirmo meu discurso antirracista, acreditando que o lugar de fala é meu, mas a ação é de todos”, afirma Wilemara.

Experiências marcantes e essa busca pelo contato com a ancestralidade são pontos chave no espetáculo. Através de sua trajetória de vida, ela busca criar outras narrativas para que o público seja tocado pela sua obra. A artista propõe um mergulho em si mesma, resgatando a sua criança tantas vezes deslocada de tempo e lugar.

“No palco, apenas a presença desta mulher negra e de sua força, que fala (e escuta), toca, canta (e silencia), faz o público sentir raiva e amar… E como dança! Wilemara Barros é acompanhada em cena com a percussão do bailarino/músico/ator Jhon Morais”, afirma Fauller, coreógrafo e fundador da Cia. Dita, realizadora do projeto.

 

50 anos de balé

Wila foi levada para o universo do balé clássico aos 10 anos de idade por dona Maria Neide, sua mãe, quando foi selecionada, dentre outras 400 crianças, em audição realizada na Escola de Balé Clássico e Dança Neoclássica do SESI da Barra do Ceará. A partir dos ensinamentos do professor Dennis Gray (Maïtre do Theatro Municipal do Rio de Janeiro), se viu transitar da infância para a adolescência dentro dessa escola.

Quando criança, Wilemara Barros tinha o biótipo padrão de uma bailarina clássica: tronco pequeno e pernas longas e finas. Porém, as mudanças trazidas pela adolescência fizeram com que ela começasse a ser rechaçada em sala de aula, incluindo comparações com as Mulatas de Sargentelli.

Em sua carreira, Wila ministrou aulas para renomadas companhias de dança, como a de Deborah Colker, e para o Projeto Corpo Cidadão, desenvolvido pelo Grupo Corpo, além de possuir vasta experiência em escolas de balé de Fortaleza, Quixadá, Sobral, Juazeiro do Norte e em diversas capitais brasileiras, tendo experiência como professora residente dos cursos do Colégio de Dança do Ceará e Curso Técnico em Dança do Ceará.

Os 50 anos de carreira consolidaram Wila como uma das mais importantes bailarinas brasileiras de sua geração e em uma mestra da técnica clássica. No entanto, Wila sempre se esquivou de dançar qualquer peça que lhe solicitasse a estética do balé, tamanha foi a ferida deixada dentro de si quando criança. A partir do encontro com Fauller e das realizações conjuntas na Cia Dita, Wila passou a quebrar suas resistências e reconhecer a solidez de sua formação acadêmica.

Desde então, tem estado em espetáculos e peças teatrais usando sapatilhas de pontas ou desafiando-se em estruturas coreográficas que exigem uma técnica apurada do balé clássico. Dentre estas realizações, destacam-se os espetáculos “Óbvio”, onde Wila sola nas sapatilhas de ponta, imprimindo rigor técnico a esta composição; “Mulata”, aula-espetáculo na qual ela corajosamente desnuda a sua trajetória em cena; e “A Morte do Cisne”, remontagem fiel da Cia. Dita para a emblemática composição de Fokine, apresentada na abertura da Bienal Internacional de Dança do Ceará, em 2017.

 

Onde estão os Negros?

Preta Rainha integra o projeto Onde Estão os Negros?, que dá continuidade às pesquisas de Wila sobre ancestralidade, negritude, corpo e localização social. Esse materializa questões para a reflexão da sociedade, por meio das quais Wila rememora as passagens do tempo desde sua infância, analisando a trajetória de uma mulher negra, com formação e uma vida longe da violência doméstica e da hiper sexualização, ainda tão comuns às meninas negras das periferias das cidades brasileiras.

Nesses 50 anos de balé, Wilemara Barros firma o seu lugar no cenário da dança brasileira como uma artista negra-nordestina-periférica. Suas pesquisas e experiências foram fundamentais para que desse especial atenção às questões ligadas à sua negritude, pertencimento, empoderamento e lugar de fala, chegando à pergunta central do projeto Onde Estão os Negros?.

“Onde estão os negros? Quais espaços estes corpos ocupam? Estes corpos negros ocupam bancadas de avaliações em audições de arte ou ministrando cursos? Passeiam em shoppings, visitando livrarias, museus, cafés e teatros? Ocupam lugares acadêmicos, intelectuais ou empresariais? Estão em reconhecidos lugares de poder? A partir destas questões, percebi que minha própria existência nestes espaços é a materialização do contraponto, é enfrentamento”, reflete. “Ocupar estes lugares como uma artista e tratar destas questões em cena é de suma importância para mim”, conclui.

“Onde Estão os Negros?” é um olhar para si mesma, um reconhecimento de seu pertencimento ao mundo, um acerto de contas com tudo o que lhe foi negado. É a própria construção de um lugar possível antes pouco imaginado. O território de uma mulher que construiu o seu percurso carregando pedras para sedimentar passo a passo o caminho trilhado por quem veio em seguida, e que tem uma linda história de luta da cena da dança brasileira”, complementa Fauller.

O projeto marca os 20 anos da Cia Dita e é realizado com o apoio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), por meio do edital XII Ceará de Incentivo às Artes, e produção da Casa das POC – Produções Criativas. A proposta, em geral, é dar continuidade aos diálogos e pensamentos acerca do corpo negro e suas possibilidades na dança, através de possíveis dispositivos interraciais e suas estratégias de empoderamento, contribuindo com a visibilidade dos corpos negros e sua luta por inclusão social.

 

Serviço:

Solo Preta Rainha

Centro Cultural Bom Jardim: 27 de abril de 2023, às 19h

Theatro José de Alencar: 28 de abril de 2023, às 19h30

Classificação indicativa: 10 anos

Censura: livre

Duração: 40min

Gratuito. Distribuição de ingressos 1h antes

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