Setor leiteiro deve sofrer menos com pandemia de Covid-19
Quando a pecuária de leite no Brasil ensaiava uma ligeira recuperação, surgiu o novo coronavírus e tudo mudou de repente. As perspectivas para o setor, segundo o pesquisador da Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora, MG) Glauco Carvalho, não são muito diferentes do resto da economia: “é difícil prever o que irá acontecer, pois não sabemos nem quanto tempo deve durar esse contexto, mas a expectativa é de retração”.
Os analistas não acreditam que a crise terminará tão de repente quanto surgiu. “Deve ocorrer um longo período de desconforto, com as pessoas evitando aglomerações e a retomada será lenta”, diz Carvalho, que acredita em “fissuras” no comércio global, com Estados Unidos e China aumentando a polarização e cada país olhando para os próprios problemas domésticos. “Não sairemos desta crise sem sequelas”, declara.
O setor leiteiro já vinha sofrendo desde 2013 com o cenário econômico ruim. A produção brasileira andou praticamente de lado nos últimos anos e 2020 iniciou com baixo crescimento devido à seca na Região Sul do País, com a piora na rentabilidade dos produtores. “Começamos agora a entressafra, que prometia melhores ganhos aos produtores, mas toda a cadeia produtiva terá de se ajustar ao novo cenário”, avalia Carvalho. Ainda segundo o pesquisador, é provável que tenhamos um recuo na produção, o que ajuda a estabelecer um piso nos preços do leite.
Mudanças nos hábitos de consumo de alimentos
Entre os consumidores, o efeito imediato da crise, desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia, foi de correria às padarias e supermercados. É o que Carvalho chama de “efeito pânico”, com as pessoas comprando produtos estocáveis, como o leite UHT e leite em pó. Os preços desses produtos tiveram um aumento, mas, na medida em que a população percebeu que o abastecimento não seria comprometido, as compras voltaram ao normal, com os preços se estabilizando e, posteriormente, recuando. A pandemia teve como consequência uma radical mudança nos hábitos do consumidor, atingindo em cheio os food services (restaurantes, pizzarias, lanchonetes, food trucks). Segundo o analista da Embrapa Gado de Leite Denis Teixeira, os produtos que mais perderam com isso foram os queijos e outros lácteos refrigerados
O que preocupa os economistas é uma terceira onda: a queda no poder aquisitivo da população, que tem efeito direto no consumo de produtos com maior valor agregado (queijos, iogurtes, leite fermentado). Mas, para Teixeira, dados históricos mostram que quando a renda cai, o consumo de produtos lácteos cai em menor proporção. “A maioria dos produtos lácteos é inelástico à renda”, explica o analista.
Ainda assim, na visão de Carvalho, “a terceira onda” pode ser muito prejudicial ao setor e terá como consequência uma reorganização da cadeia, com a redução do número de produtores e laticínios maiores absorvendo os menores. “Haverá uma maior concentração”, explica, “produtores podem sair do mercado, com os mais estabilizados ocupando o espaço deixado, o que já vem ocorrendo de forma natural nas últimas décadas, mas que deve se intensificar”. No entanto, o pesquisador aposta na mudança de hábitos do consumidor como uma das consequências da pandemia. “Estamos verificando que as pessoas estão mudando o estilo de vida, consumindo alimentos mais saudáveis e investindo mais na saúde. É a crise nos ensinando”, observa.
Impactos mundiais
No entender dos especialistas, o mercado global também passará por sensíveis mudanças e grandes exportadores como Austrália, Nova Zelândia e Uruguai podem sofrer importantes impactos com o recuo do comércio. Existem riscos de revés na globalização e na abertura de mercados, com a economia mundial encolhendo. Analistas internacionais apontam uma queda de 3% do PIB mundial e no Brasil, já se fala em um tombo de até 5%. “Nunca tivemos uma queda tão grande”, frisa Carvalho. “Nossa pior queda foi de 3,5% do PIB, na crise do segundo governo da Dilma; mas a crise atual é diferente e os mecanismos tradicionais de política econômica têm efeito limitado. A duração da pandemia e do isolamento social vai nortear o real impacto econômico.”
A vantagem do Brasil, neste momento, é que o País tem uma população grande e disponibilidade de insumos produtivos. Outro ponto importante é que, na pandemia, a indústria de alimentos sofre menos, já que não pode haver uma paralisação (lockdown) da produção agrícola (as pessoas precisam se alimentar).
Corte de custos e recuperação lenta
Houve também uma redução no preço de alguns insumos da cadeia do leite como o milho e o farelo de soja, embora ainda sigam com valores historicamente altos. Por fim, o recado final dos especialistas aos produtores é que eles cortem custos. “Sempre há gorduras para cortar”, ressalta Carvalho. A pecuária de leite tem como característica uma recuperação lenta. O rebanho que for reduzido hoje para se adaptar à nova realidade de mercado pode demorar até quatro anos para ser recomposto. “Planejamento, organização e cuidados com a própria saúde”, é o que recomenda o cientista.
Assista aqui a entrevista virtual do pesquisador Glauco Carvalho que analisa os impactos da pandemia na cadeia do leite
Centro de Inteligência do Leite da Embrapa renova plataforma e se revitaliza em tempos de pandemia
“Em tempos de pandemia e incertezas, a informação é uma ferramenta importante para os agentes econômicos”, frisa Carvalho. Pensando nisso, o Centro de Inteligência do Leite (CILeite) foi revitalizado e está com layout moderno e mais interativo. Trata-se de uma plataforma econômica do setor desenvolvida por pesquisadores e analistas da Embrapa Gado de Leite.
Segundo o analista da Embrapa Denis Teixeira, o site traz novas ferramentas de apresentação de dados na forma de infográficos e permite a publicação de podcasts e vídeos. “O banco de dados disponível ao público também foi totalmente atualizado, consolidando em um só espaço diversas estatísticas da cadeia produtiva do leite, como preço, produção, consumo, rebanho e produtividade; com informações atuais, além de série histórica”, diz o analista.
Informes semanais durante a pandemia
Durante a pandemia do novo coronavírus, o CILeite publicará informes semanais, com dados atualizados dos impactos da pandemia no mercado do leite, por meio do acompanhamento das variações de preços de indicadores nacionais e internacionais de interesse da cadeia. Além disso, pesquisas de comportamento do consumidor durante a pandemia da Covid-19 e monitoramento de ações do setor lácteo no contexto internacional estão sendo divulgadas no site. O CILeite traz ainda um boletim mensal (Nota de Conjuntura), mostrando a conjuntura de mercado do agronegócio, analisada pelos especialistas da Embrapa, em linguagem objetiva, para atualização e auxílio na tomada de decisão dos agentes da cadeia.
Outra publicação periódica apresenta o Índice de Custo de Produção de Leite (ICPLeite/Embrapa) calculado mensalmente pela Embrapa, e que mostra o comportamento do custo total da atividade leiteira e também de grupos que compõem o custo, como concentrado, volumoso, mão de obra, entre outros.
Uma ferramenta também disponível é a Simula, que compara os efeitos e a evolução dos indicadores zootécnicos específicos sobre a renda do produtor de leite para verificar o impacto da introdução de tecnologias na propriedade. O site traz também uma relação das principais áreas temáticas e expertises relacionadas aos projetos realizados ou em execução pela equipe do Centro de Inteligência do Leite.
O acesso à plataforma é gratuito pelo endereço cileite.com.br. Ao fim da página principal do site, o interessado pode se cadastrar para receber, também gratuitamente, todos os informes e boletins do Centro de Inteligência do Leite por e-mail.