Rogaciano Leite. De onde veio, por onde andou, aonde chegou
Vida e trajetória do menestrel que virou cearense – Fugindo de um “amor frustrado” – Os primeiros versos – Amizade com Cego Aderaldo – O I Congresso de Cantadores – Canudo em Filosofia – Prêmios de Reportagem – Livro Carne e Alma.
Acervo: Família Leite
Texto: Zelito Magalhães
Se vivo fosse, o poeta e jornalista Rogaciano Leite estaria completando um século de existência.
Nascido no Sítio Cacimba Nova, Município de São José do Egito-PE no ano de 1920. Em 1943, resolveu deixar sua terra, fugindo para a capital do Ceará. Chamava-se Nilda a causadora do “amor frustrado”, como o próprio poeta classificava. O poema “Com tua imagem na memória” que compôs em 1946, bem reflete os seus sentimentos. Começo com este quarteto:
Meu quarto está gelado de Saudade!
As cortinas imóveis… sobre tudo
Desce a tristeza… Meu canário mudo
Já não vê quando chega a claridade!
O primeiro soneto do poeta teria sido “Flamboyant” que compôs aos quinze anos, quando se encontrava enfermo em Cacimba Nova (São José do Egito, ano de 1935). Fecha a composição com o terceto:
Meu pobre flamboyant! Que desenganos!
Morrestes agora, com duzentos anos
E eu vou morrer, talvez… com vinte-e-dois!
“Tu vais, avezinha? Vais?”
(Depois de ler Marília de Dirceu) foi composto em Sertânia (PE) no ano de 1944. Dedicado a Nilda, na 5ª estrofe, o poeta invoca a amante:
Escuta, avezinha santa
Da Nilda tudo o que encanta
O coração dos mortais:
Cabelo grande, castanho
Uns olhos desse tamanho…
Como dois sóis tropicais!
Vai levar-lhe esta cartinha…
Tu vais, avezinha? Vais?…
“Eulália” , escrito a bordo do vapor “Rio-Mar”, na Amazônia, em janeiro de 1948, reflete o “amor frustrado” de que fala o autor. O poema foi uma das principais peças declamadas nos salões de cultura de Fortaleza, entre os anos cinquenta/sessenta. Tendo conhecido em 1946 a estudante do Liceu do Ceará, Maria José Cavalcante, apaixonado, dedicou-lhe maviosos versos, como estes, sob as iniciais MC: “Oh minha garça loira do Ocidente/Sereia do Adriático, italiana/Musa de Rafael e de Chopin!”. Rogaciano casou com sua amada no ano de 1954, tendo nascido da união: Rogaciano Filho, Anita Garibaldi, Roberto Lincoln, Helena Roraima, Rosana Cristina e Ricardo Wagner.
“Acorda, Castro Alves!”
Rogaciano Leite nutria enorme simpatia pela poética do baiano. Luís Campos sabia disso. Foi quando lembrando-se da data centenária – 14 de março, saiu à procura do amigo, indo encontrá-lo na Praça do Ferreira. Ao vê-lo sentado, possivelmente já tendo entornado algumas doses de uísque, bradou: “Acorda, Castro Alves!
O poema foi escrito, ali mesmo, de um fôlego, naquela tarde de 14 de março de 1947. Com uma apreciação de Jorge Amado, Luiz Campos, que então ocupava cargo na direção do vespertino Gazeta de Notícias, publicou na íntegra o trabalho que se compunha de trinta estrofes decassílabas.
O clima da II Guerra
O Brasil ainda respirava, em 1945, os últimos momentos da guerra, quando uma leva de “pracinhas” da terra marcharam para o “front”. O poeta compôs o emocionante poema “Os Expedicionários Cearenses”, que foi publicado em jornais e revistas da terra.
Ainda relacionado com a guerra, escreveu “Os Mortos de Pistoia’’, lembrando em melancólicos versos os jovens brasileiros que eram venerados sob o solo da Itália: “Naquele Calvário novo/ Qual Cristo, revive um povo/ Da Pátria que faz heróis…” Outras de suas poesias de maior relevo foram compostas em Fortaleza, como: “Ceará selvagem” (1944) “Os Trabalhadores” (1947); “Visões do Crepúsculo” (1945) ; “Solar da Fraternidade” – À Casa de Juvenal Galeno (1945) “Delírio sinfônico” (1946); “Saudade” (1947). Compôs maviosos versos à certa jovem, sob as iniciais M.C. Um desses dizia: “Ó minha garça loira do Ocidente/ Sereia do Adriático, italiana/ Musa de Rafael e de Chopin!”. Sua musa era aluna do Liceu do Ceará, chamava-se Maria José Ramos Cavalcante. Casou-se com ela em 1954, de cuja união nasceram os filhos: Rogaciano Filho, Anita Garibaldi, Roberto Lincoln, Helena Roraima, Rosana Cristina e Ricardo Wagner.
Cabelos Cor de Prata
Página musical das mais bem urdidas não faltaria no currículo poético de seu fabuloso filho das plagas pernambucanas. Com ele que, certo dia, chegou ao conhecimento que o seresteiro Silvio Cardas iria dar uma audição em certa casa de espetáculo do Recife. Após a apresentação, o cantor dirigiu-se ao Restaurante Maxime’s tomar seu uísque. Informado do itinerário, Rogaciano chegou até ele. Apresentando-se, disse dos versos que tinha composto para uma página musical a ser interpretada por cantor do nível de Silvio Caldas.
Pedindo um papel ao garçom, escreveu a composição e entregou ao mesmo. Beberam juntos até certas horas, quando os dois tomaram seus destinos.
Na manhã seguinte – segundo contou Rogaciano – telefonou para o Silvio, querendo ver a composição, alegando que tinha bebido e que queria ver se a letra estava correta. “ – Meu amigo, você não vai mexer numa vírgula…
Até já estou fazendo o arranjo musical.
No ano seguinte, era o disco lançado em selo da Continental:
Meus cabelos cor de prata
São beijos de serenatas
Que a lua mandou pra mim…
Amizade com Cego Aderaldo
Quando Rogaciano Leite chegou a Fortaleza, em1944/45, entre as primeiras amizades que conquistou, estava o Cego Aderaldo.
No ano de 1947, o poeta pernambucano organizaria no Teatro José de Alencar o I Congresso de Cantadores cuja apresentação se deu no dia 31 de maio, prestigiado pelo então governador do Estado, o Desembargador Faustino de Albuquerque, professores, jornalistas, representantes de entidades literárias e de outros amantes do improviso. Além de Rogaciano, participaram do festival os seguintes cantadores: Cego Aderaldo, Siqueira de Amorim, Domingos Fonseca, Vicente Granjeiro, José Batista, Cego Zuquinha, Silva Rufino e muitos outros. Sagraram-se campeões Cego Aderaldo e Otacílio Batista. O cantador Zé Maria registrou a vitória com estes versos:
Num congresso que houve em Fortaleza
Aderaldo cantou e foi feliz
Duelou com Otacílio Batista
Quem ouviu aplaudiu pedindo bis
Foi o cego por todos aplaudido
Seu talento venceu, não foi vencido
E com isso tornou-se conhecido
O maior cantador do meu país.
Como conheci Rogaciano
Pelos idos dos anos 60, eu trabalhava no O Povo, quando vi Rogaciano Leite, que se fazia acompanhar do Cego Aderaldo e o Mário Brito, filho adotivo do menestrel (aliás, um dos 27 filhos) que era seu guia. Tinham os três ido conversar com o Dr. Paulo Sarasate, que era um dos diretores de redação. Conhecia os dois visitantes apenas à distância; Rogaciano já de algum tempo.
O livro Eu Sou o Cego Aderaldo havia saído pela gráfica da UFC (1957) escrito pelo jornalista Eduardo Campos, com orelhas de Paulo Sarasate. O motivo dos três terem ido à redação do jornal era para falar com o referido diretor sobre o lapso por ele cometido. Estribado em informações citadas na obra “Os Cantadores”, de Leonardo Mota, que Aderaldo teria cegado aos 18 anos, “como maquinista de trem num desastre ferroviário. Até hoje, incautos guardam como verdadeiro o lapso cometido por Leonardo.
Nova edição do livro do Cego
O autor deste texto já trabalhava com o Rogaciano na Gazeta de Notícias quando o Mário, guia de Aderaldo, propôs-lhe escrever uma segunda edição do livro. Depois de vários dias de conversa com o Cego, foi que este veio a saber da verdade: A cegueira tinha ocorrido quando este trabalhava em uma máquina de descaroçar algodão em Quixadá. Tendo sede, foi a uma moringa; quando bebia a água, sentiu os olhos arderem. “Ainda vi as gotas de sangue a pingarem em minha mão…” – comentou Aderaldo.
Diga-se que a 2ª edição do referido livro chegou a ser concluída e entregue à UFC, por intermédio do escritor e membro da F. S. Nascimento. Obedecendo a uma fila de espera, o Mário, impaciente, procurou outros meios para vê-lo publicado. Vindo este também a falecer, os originais ficaram no poder de D. Nair, a viúva. Daí em diante, não se soube mais do paradeiro dos originais da citada obra que muito contribuiria com a história do Patriarca dos Cantadores do Ceará.
Rogaciano e a doença do Cego
Cego Aderaldo sofria de diabetes, quando a doença se agravava cada vez mais. Um dia Rogaciano Leite convidou o colega Zelito Magalhães a ir com ele ao gabinete do general Humberto Ellery, então governador do Estado. Expondo o problema ao chefe do Executivo, disse que Aderaldo precisava de um leito hospitalar. A autoridade mandou um secretário telefonar para Santa Casa de Misericórdia. Recebendo a informação que o hospital não dispunha de nenhum leito, Rogaciano protestou: – General, Aderaldo ao lado do Padre Cícero e Lampião, constituem a trilogia do Folclore do Sertão. Vamos deixá-lo morrer à mingua?
Dito isto, os jornalistas foram diretos para a casa do Cego, que morava com o filho Mário e a esposa Nair, no bairro Henrique Jorge. Passando ao repentista a desagradável notícia, este, com a voz um tanto embargada, improvisou:
Disseram que o general
Era bom, pensei que fosse
Peço um leito de hospital
Porém, o homem negou-se
Não mandou nem um soldado
Para trazer um pão doce.
Noite das Violas
Aderaldo Ferreira de Araújo faleceu no dia 29 de junho de 1967. Tendo os cantadores de violas prestado-lhe significativa homenagem durante o seu sepultamento no cemitério São João Batista. Com o intuito de relembrar o 30º dia de desaparecimento do Patriarca dos Cantadores Nordestinos, Zelito Magalhães sugeriu a Rogaciano Leite a promoção de um encontro com os poetas repentistas na Casa de Juvenal Galeno. Tinha ele bom relacionamento que vinha de Henrique Galeno para a sua sobrinha Cândida Maria Santiago Galeno, então presidente da Ala Feminina. Com a sua aquiescência, marcou-se o dia 31 de julho para o encontro. Rogaciano encarregou-se de convidar os colegas de viola.
Na noite aprazada, o recinto da Casa de Juvenal Galeno tornou-se pequeno para abrigar os convivas – amantes da viola e do improviso. Identificamos: Benoni Conrado, Vicente Granjeiro, Antonio Ferreira, Raimundo Adriano, Pedro Cesário, Alberto Porfírio, Moisés de Brito, João Firmino, César Nildo, Raimundo Cassiano, César Driano Monteiro, João Dão de Lima, entre outros Abrindo os trabalhos, disse Rogaciano Leite que aquela noite era bastante significativa para repentistas e a intelectualidade cearense, que ali reuniam- se em lembrança dos trinta dias em que o rapsodo Aderaldo Ferreira havia se ausentado do nosso convívio.
O cantador João Firmino, que também era cego, foi o primeiro improvisador da noite. Lembrou a figura de Aderaldo com os brilhantes versos
Foi ele a aroeira que ruiu
Ao contato do gume do machado
Foi o ferro melhor já fabricado
Que o mercado do mundo jamais viu
Foi o trem, sem destino, que partiu
E ao longo da estrada deu o prego.
Como Homero também ele era cego
A quem todo seu povo admirava
Para ser o próprio Homero só faltava
Ao invés de cearense ser um grego.
Encerrando a primeira parte da programação, Rogaciano Leite voltou a se manifestar, declamando o poema Solar da Fraternidade que dedicara à Casa de Juvenal Galeno (consta em seu livro “Carne e Alma” – Irmãos Pongetti, RJ-1950):
No santo abrigo deste teto amado
Crescem os fracos no Solar dos fortes
Caminham todos numa só miragem
Embora ao peso de diversas sortes…
A cada passo um Cirineu se ncontra
Que ajuda o Cristo a carregar a cruz…
E essa virtude de servir a todos
Planta semente que floresce em luz!
O poema completo expresso em banner encontra-se exposto no interior da Casa de Juvenal Galeno, representando uma lembrança do amigo Zelito Magalhães.
Clássico, boêmio, Membro da Arte Real
A amizade existente entre Rogaciano Leite e o autor deste texto de jornal perdurou por bom tempo no âmbito jornalístico e nos segmentos da vida social. Geraldo da Silva Nobre, que era um dos nossos colegas na Gazeta de Notícias e professor da Faculdade Católica de Filosofia do Ceará, convidou Rogaciano para matricular-se naquele estabelecimento de ensino. Tinha um livro publicado, “Carne e Alma” (editado pela Irmãos Pongetti – Rio –1950) o que lhe dava direito a ingressar no curso sem qualquer burocracia. Assim, bacharelou-se no ano de 1950 em Letras Clássicas pela aludida Escola.
No ano de 1993, Zelito Magalhães ingressou na Maçonaria, denominada de Arte Real e logo foi convidado a compor o quadro de redatores do periódico Mosaico, seu órgão de divulgação. Interessado na história ligada aos vultos maçônicos, criou a página Eles fizeram a História da Maçonaria no Ceará. Fazendo um liame a outras potências maçônicas, teve acesso aos arquivos históricos, o que tem sortido largos efeitos. Por exemplo, no Potência Grande Oriente do Ceará, descobriu o registro de um sem número de senhores livres e de bons costumes, que ao longo dos anos, pertenceram ou pertencem à Arte Real. Rogaciano Bezerra Leite é um deles. Constam nos arquivos que ele foi iniciado maçom através da Loja Direito e Liberdade a convite do amigo José Ramos Torres de Melo. O Mosaico – Ano XIII – Nº 80 –1º de março a 23 de junho de 2001 – na última página Eles fizeram a História da Maçonaria no Ceará-12 Rogaciano Leite é o enfocado.
O passamento de Rogaciano Leite
Numa terça-terça da semana em que ocorreu o falecimento de Rogaciano, estive com ele na Gazeta de Notícias. Falou da viagem urgente que tinha de fazer a São Paulo, conversar com a direção da A Folha sobre uma cobertura jornalística que tinha de realizar. Era um começo de mês.
Surpreendeu-nos a todos a notícia de primeira página do Unitário sobre o seu falecimento. Calava-se a voz do poeta. Na manhã da segunda-feira, parti para a casa de sua família na Rua Monsenhor Bruno. Lá já se encontravam os amigos Luís Campos, Adísia Sá, da Gazeta de Notícias, João Jacques, do O Povo, os médicos Eudásio Barroso e Miron Dias. Presente ainda a jornalista Neuza Coelho, da A Folha, que acompanhou no avião o esquife do colega.
Naquela tarde, Rogaciano Leite foi sepultado no cemitério São João Batista, debaixo de palmas e discursos, com a presença de colegas da imprensa, artistas, empresários, admiradores e violeiros repentistas. Na semana seguinte, a Gazeta de Notícias publicou um tabloide em homenagem a Rogaciano Leite, que contou com a colaboração dos colegas de redação.
Olá aqui é a Nayara Rodrigues, eu gostei muito do seu artigo seu conteúdo vem me ajudando bastante, muito obrigada.
Helena Leite
15:09 (hace 3 minutos)
para gabinete
Bom dia,
Gratidão por divulgar meu pai e sua obra. Sou filha do poeta, me chamo Helena Roraima, sou a administradora das rede sociais do papai. Aproveito a oportunidade para perguntar se é possível colocar o link da página web do papai nas postagens que falam sobre ele. Estamos divulgando muitas informações, inclusive compartilhando os links que falam sobre ele e suas obras. Desde já agradeço sua atenção! Um abraço, Helena Roraima
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