Redução de Imposto sobre Herança: boiada passando até o último minuto

O Brasil é o país que menos taxa heranças. Média no mundo é de 30%. Assembleia de São Paulo reduziu de 4% para 1% a alíquota deste tributo. Caso o Executivo não vete, o rombo estimado nas contas do estado é de R$ 4 bilhões ao ano. Presidente do Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, mostra o absurdo dessa medida que concentra ainda mais riqueza entre os super-ricos num país que está entre os dez mais desiguais.

Na calada da noite, sorrateiramente, já quase encerrando o período legislativo e o mandato de 40% dos parlamentares da casa, enquanto a sociedade estava distraída se preparando para as festas de final de ano, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou uma medida tributária absurda, que vai na contramão da justiça fiscal. Trata-se do projeto de Lei 511/2020, que põe quase em extinção o ITDMD, pois reduz as alíquotas do Imposto sobre Heranças, de 4% para 1%, e sobre Doações, de 4% para apenas 0,5%.

Um dos principais problemas do Sistema Tributário Nacional é a regressividade produzida pela baixíssima tributação sobre o patrimônio, reduzida tributação sobre altas rendas e por uma elevada tributação sobre o consumo. Isso faz com que os mais pobres paguem muito mais tributos do que os mais ricos, proporcionalmente à renda de cada um.

O caminho da justiça fiscal, portanto, seria promover as mudanças no sentido de deslocar o maior peso da tributação para os mais ricos (renda e patrimônio), aliviando o peso para os setores mais pobres (consumo).

Dentre os tributos patrimoniais, a nossa maior distorção em relação aos principais países do mundo está localizada na baixíssima tributação sobre heranças e doações.

No Brasil, a alíquota máxima do ITCMD, estabelecida por Resolução do Senado, é de 8%, e, mesmo assim, somente dez estados da federação praticam esta alíquota. Os demais estados cobram alíquotas máximas de 2%, em um estado, 4%, em outros dez estados, e 7%, em um estado. São Paulo estava entre os estados que cobravam 4% de imposto.

Nos principais países, no entanto, a média praticada é de 35%. Nos EUA, a alíquota máxima chega a 40%, na França, 60%, na Coréia do Sul, 50%, no Chile, 35% e na Argentina, 22%, para citar apenas alguns exemplos. Ou seja, os beneficiários de heranças e de doações são tratados de forma muito mais generosa por aqui do que em outros países.

A arrecadação total do ITCMD em São Paulo foi de R$ 4,4 bilhões, em 2021, ou seja 1,93% da arrecadação total do estado, e correspondeu a 36% do total arrecadado pelos 27 estados da Federação com este tributo (R$ 12,4 bilhões). Ou seja, qualquer redução nas alíquotas praticadas em São Paulo representará uma redução muito significativa na já minguada participação deste tributo na arrecadação total do país.

O Consórcio Nacional de Secretarias de Fazenda, Finanças, Receita e Tributação (Consefaz) já havia encaminhado, em 2015, ofício ao Senado Federal propondo a elevação da alíquota máxima do ITCMD de 8% para 20%. A campanha Tributar os Super-Ricos, na mesma linha, apresentou, em 2020, proposta de elevação desta alíquota máxima para 30%, com observância obrigatória da progressividade, e estimou que esta medida poderia gerar um aumento de arrecadação de cerca de R$ 14 bilhões.

Importante ressaltar também que as heranças e doações, embora constituam acréscimos patrimoniais para seus beneficiários, são isentas do Imposto de Renda. Logo, o único tributo que incide sobre este aumento de riqueza é o ITCMD, de competência dos estados da federação. Aliás, a reduzida tributação das doações em relação à da renda tem servido de motivo para planejamentos abusivos com vistas à redução do Imposto de Renda devido.

No caso de transmissão de imóveis, uma redução muito expressiva de alíquota incidente sobre doações pode estimular a prática de simulações com vistas ao não pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência dos municípios.

A quase extinção deste tributo promovida agora pela Alesp, além de configurar uma medida contra o interesse da maioria da população de São Paulo, por reduzir a capacidade do estado para promover políticas públicas essenciais, significa também uma medida que contraria um dos principais objetivos previstos no Artigo 3º da Constituição, que é o de promover a redução das desigualdades sociais e regionais, já que favorece ainda mais a concentração de riquezas, justamente no estado mais rico da federação, ampliando as assimetrias regionais.

O Brasil ocupa o segundo lugar em concentração de riquezas no topo da pirâmide social (28% da riqueza nas mãos dos 1% mais rico), perdendo apenas para o Catar, e está entre os dez países mais desiguais do planeta, o que torna essa medida, adotada pelo parlamento paulista, ainda mais absurda e inaceitável.

Medidas como esta andam contramão das tendências internacionais e, inclusive, das recomendações dos especialistas dos organismos internacionais, que já admitem que a exagerada concentração de riquezas é disfuncional também para a sustentabilidade da economia.

Medidas de progressividade tributária, portanto, como ampliação da tributação sobre as altas rendas, pela revogação da isenção do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos distribuídos, instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas e elevação das alíquotas do Imposto sobre heranças e doações têm sido amplamente discutidas e aceitas por amplos setores da sociedade como necessárias para promover a redução das desigualdades e criar condições favoráveis à volta do crescimento econômico.

A mudança legislativa no ITCMD, promovida pela Alesp, não interessa apenas ao estado de São Paulo, pois tende a propagar efeitos para o país inteiro, seja pelo que representa São Paulo na economia e na concentração de riquezas do país, seja pelo próprio efeito concorrencial, que poderá levar outros estados a adotarem medidas semelhantes.

Espera-se que esta medida, aprovada pelo parlamento paulista, seja vetada pelo governador do estado de São Paulo, como recomenda o próprio secretário da Fazenda e Planejamento daquele estado e que propostas deste tipo, que são elaboradas sob medida para beneficiar apenas os mais ricos, não passem despercebidas pela sociedade brasileira.

Dão Real Pereira dos Santos

Presidente do Instituto Justiça Fiscal e coordenador da campanha Tributar os Super-Ricos

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