Que reforma é essa?

Podemos enumerar aqui, conforme a PEC, as enormes desvantagens e injustiças a médio e longo prazo para as massas funcionais da administração pública nas três esferas.

 

Por José Nagibe Pontes

Entender a Proposta de Reforma Administrativa do Governo Bolsonaro – (PEC 32/20), que tramita na Câmara, eu até entendo. Com todas essas minhas décadas de sindicalismo e uma longa carreira funcional no órgão fiscal do Governo cearense não me resta nenhuma dúvida sobre essa questão que se arrasta, infelizmente, há tempo nas mãos dos políticos.

Sei muito bem dos problemas de meus companheiros em todos os níveis administrativos e órgãos da administração direta e indireta, as suas dores, confrontos diários econômicos e trabalhistas, as suas decepções previdenciárias no fim de carreira, e tantas outras preocupações e insegurança. Em nome de reservas econômicas e de um possível ajuste fiscal, não podemos admitir que se perca de vista o valor que um agente público, civil ou militar, deve ter ao longo das suas funções essenciais à qualidade de vida da população.

Para se manter uma carreira pública digna, em qualquer nível, o Estado deve garantir todos os direitos profissionais que uma profissão exige. O foco da questão é justamente esta: A PEC iniciou o ano de 2021 como uma das metas principais do Governo para este ano e tem sim mobilizado deputados de todos os partidos – situação e oposição – e as pressões do movimento sindical, como não poderia deixar de ser, vem invadindo gabinetes e comissões técnicas. Se será ou não aprovada ainda neste ano, eu confesso que não sei, principalmente pelo jogo de interesse que o tema reúne, bem como a conturbada base de apoio ao governo abalada nos últimos dias.

Com toda essa vontade do Governo Bolsonaro focando seus radares para liquidar essa questão ainda em 2021, o certo é que ela não passa mesmo de uma reforma, ou trata-se de uma reforminha para aliviar o Estado, a médio prazo, dos encargos do grosso de seus servidores. Se ele quer mesmo combater as tão propaladas “regalias” dos servidores públicos, que faça mesmo uma completa e verdadeira mudança na administração dos seus quadros funcionais. Criar ou dividir a funcionalidade elite dos demais subalternos sem valor, é o pior que pode acontecer à população.
Pelo o que está apresentado na proposta do Executivo vai penalizar somente a grande massa funcional – servidores – que em verdade não tem nenhuma generosidade do Estado ou regalias, e salva, ou melhor, deixando como estão as chamadas “carreiras de Estado” e os militares, como funções essenciais previstas na Constituição Federal. É um grande engodo que só serve é para reforçar o caixa do Governo. Segundo os cálculos, o impacto das mudanças será de cerca de R$ 300 bilhões em dez anos.

Nesses quadros especiais (Justiça, Ministério Público, funcionários de grau elevado do Executivo e Legislativo) sim, é onde se percebe os desvios pontuais, sem generalizar, dos excessos de despesas da máquina pública.
De princípio, e considerando que a aprovação do projeto e a sua aplicabilidade ainda vão depender de um longo processo de regulamentação e de novas leis, de imediato, vejo que a vontade do Presidente tem dois pontos altamente contraditórios e que merecem a mobilização geral dos trabalhadores e dos cidadãos na defesa do serviço público.

Primeiro é que a estabilidade do emprego fica garantida somente às funções típicas do Estado, ou seja, atividades que não existem no plano privado, quer dizer, as carreiras do Legislativo e do Judiciário. E segundo, o que eu acho uma grande armação para a grande massa de assalariado do emprego público, é a permissão do Contrato de Trabalho e ainda com prazo determinado. Como se diz na minha terra, interior cearense: “Não é assim que se esfola um bode”.

Podemos enumerar aqui, conforme a PEC, as enormes desvantagens e injustiças a médio e longo prazo para as massas funcionais da administração pública nas três esferas. Proibições que deixarão os futuros servidores e, consequentemente, os serviços públicos bastantes rebaixados. Proibições expressas que, sem dúvida, serão consequência na qualidade do serviço, tirando do trabalhador direitos constitucionais clássicos, como:

1 – adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada.
2 – aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos.
3 – licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada. A única ressalva é a licença para fins de capacitação.
4 – redução de jornada sem a correspondente redução de remuneração, exceto se decorrente de limitação de saúde.
5 – adicional ou indenização por substituição, ressalvada a efetiva substituição de cargo em comissão, função de confiança e cargo de liderança e assessoramento.
6 – progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço.
7 – parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e valores em lei, exceto para empregados de empresas estatais.
8 – vedada a incorporação total ou parcial de gratificação ao cargo efetivo.
Não será admitida, em relação a cargos típicos de Estado, a redução de jornada e de remuneração. A restrição não vale para servidores ocupantes de outros cargos, implicitamente admitindo a redução remuneratória caso se promova encurtamento da jornada de trabalho.
O fato de o autor da PEC pedir que a reforma administrativa não atingisse direitos adquiridos, isso não é o suficiente para concordar com a sua aprovação e condenar o serviço público a um futuro mesquinho, como se nos próximos anos os cidadãos brasileiros passem a ser de segunda qualidade sem direito de receber serviços públicos eficientes. Do jeito que se apresentam os argumentos para a sua aprovação, o que as novas gerações podem aguardar, será um Estado relapso nas suas funções públicas em proveito de uma política fiscal dita saudável, mas deficitária nas suas obrigações com a sociedade. Desse jeito, quem vai pagar o pato são nossos filhos e netos, ou seja, os brasileiros.

José Nagibe Pontes é funcionário aposentado da Secretária da Fazenda do Ceará – Sefaz, diretor da Associação dos Aposentados Fazendários do Ceará- AAFEC e diretor comercial do Jornal do Comércio do Ceará.

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