Pandemia mostrou que público e privado formam um único sistema de saúde, ressalta gestor médico

Na semana do Dia do Médico (18/10) – data de origem cristã, que celebra o Dia de São Lucas, padroeiro dos médicos – , a Pró-Saúde, uma das maiores entidades filantrópicas de gestão hospitalar do país, discute os efeitos da pandemia da covid-19 na profissão.

Os médicos estiveram no centro da crise sanitária mundial, lidando diretamente com um vírus, até então, desconhecido. No auge da pandemia, em 2020, cenas de hospitais e Unidades de Terapia Intensiva (UTI) lotados, profissionais atuando até a exaustão, com rostos marcados pelas máscaras e pelo cansaço, tomaram conta dos noticiários.

Além de lutar contra a doença, esses profissionais, junto com outros da área da saúde e da ciência, também atuaram contra a desinformação e fake news, buscando concomitantemente entender a doença, tratar e proteger a população.

Para discutir as mudanças e impactos deste período histórico para a humanidade, a medicina e, principalmente, na atuação diária dos médicos, a Pró-Saúde convidou Fernando Paragó, que, como diretor corporativo Médico, coordenou a atuação da entidade no combate à doença, gerenciando mais de 600 leitos em todas as regiões do Brasil, desde grandes centros urbanos até a distante Guajará-Mirim em Rondônia, em meio à floresta Amazônica.

Confira abaixo a entrevista:

1.      Quais são os principais impactos da pandemia da Covid-19 no exercício diário da medicina?

A pandemia trouxe dois grandes impactos, ao meu ver. O primeiro, no sentido de, pela primeira vez neste século, expor o médico a um risco considerável para sua própria saúde, no exercício da atividade profissional.

Vivemos um paradigma de dissociação cognitiva relacionado à adesão a práticas de controle de infecções, ou seja, as ações dos médicos não correspondem ao seu conhecimento sobre o tema. Quando se tornou necessário rever profundamente as condutas de controle da disseminação do vírus, observamos um redução desta dissociação. Hoje, no seu dia a dia, os médicos prestam muito mais atenção nas práticas de barreira.

O segundo aspecto é no sentido de que toda crise, toda guerra, leva a uma aceleração da implementação de soluções, de inovações. Neste sentido, todo o desenvolvimento digital, que já ocorria no final da primeira década deste século, ganhou grande vulto. A digitalização de informações do paciente, a inteligência de dados, o uso de algoritmos e sensores com transmissão remota de dados, assim como a possibilidade do atendimento do paciente sem o contato, o teleatendimento, geraram impacto importante na prática médica durante a pandemia.

2.      Quais tendências de mercado ganharam destaque neste período de crise?

A transformação digital dos serviços de saúde desenvolveu-se de forma muito mais rápida com a crise da pandemia. Startups, novas ferramentas que surgiram neste sentido ganharam muito destaque e foram rapidamente adaptadas à prática cotidiana do médico.

Outra questão é que a pandemia afetou o sistema de saúde como um todo, mostrando que, mesmo tendo um componente privado e um componente público, o sistema de saúde é um só.

O paciente privado que precisou ficar no leito SUS por não conseguir a transferência imediata para rede privada que estava sem leito disponível. Ou a prefeitura menor que precisou fazer a “compra”, às vezes por valores bem acima da sua capacidade de pagamento, de leitos na iniciativa privada por não possuir leitos SUS disponíveis. Tudo isso impactou no sistema.

Então, essa clareza de que o sistema de saúde é um só e de que soluções que possam integrá-lo de forma mais eficiente e colaborativa serão necessárias, também é uma tendência que emerge da crise causada pela pandemia da covid-19.

3.      – Qual é o legado da pandemia quando falamos em Segurança do Paciente?

Ficou mais claro de que ter processos bem estruturados, previamente definidos e fluxos desenhados, são importantes para aumentar a segurança dos pacientes dentro de um hospital.

A pandemia fez com que surgissem mais profissionais capacitados para tratar desta questão e as estruturas de segurança precisaram ser reforçadas e mais ouvidas nas decisões estratégicas. Não dá mais para voltar atrás. O desenvolvimento e a consolidação do trabalho de segurança do paciente aconteceram como resposta à pandemia.

4.      – O que fica de aprendizado para futuras situações globais de saúde?

Primeiro, ficou aprendizado de que quem faz o dever de casa, quem busca arrumar seus processos, organizar suas atividades assistenciais com foco na segurança, responde melhor em situação de crise.

Segundo, que saúde e economia não são dissociadas. Investimentos em saúde não são custos, são realmente investimentos. Investimentos precisam ser garantidos, não apenas em estruturas de atendimento, mas na indústria para fornecimento de insumos, medicamentos, equipamentos, vacinas. Precisam estar na ordem do dia dos governos. Não dá para ficar refém de medicamentos ou vacinas que vêm de outros centros e com isso fragilizar demais a sua resposta.

5.      – Quais foram as principais ações estratégicas da Pró-Saúde para superar os momentos mais críticos da crise?

 A primeira foi a antecipação. Como o Brasil teve a sorte de, epidemiologicamente, estar algumas semanas atrás da Europa, conseguimos observar os problemas ocorridos lá fora e nos anteciparmos com soluções.

Na Pró-Saúde, foram criados grupos técnicos, tanto na sede corporativa quanto nas unidades gerenciadas, para que as ações fossem definidas, os fluxos fossem estabelecidos e as estruturas fossem ajustadas para que, no momento em que a crise efetivamente nos atingisse, estivéssemos preparados.

Em segundo lugar, a questão da informação. Centralizamos as informações de casos, exames e óbitos, para que pudéssemos entender em que lugar precisávamos atuar corporativamente. Isso foi essencial para que pudéssemos concentrar os nossos esforços, conforme essa evolução acontecia.

Aqui no Brasil, percebemos que nem todas as regiões tiveram o pico ao mesmo tempo, então, houve a oportunidade de poder trabalhar com essa estrutura focando, no momento certo, a região que mais precisava.

Por último, estabelecemos normas e procedimentos, corporativamente, a fim de apoiar as decisões dos profissionais na ponta, tanto no sentido de protocolos clínicos, quanto no sentido de protocolos logísticos, de uso racional de medicamentos e estrutura, para que sofrêssemos menos com a escassez que o mercado apresentava.

6.      – Durante a pandemia, os médicos lidaram com uma rotina exaustiva, o medo da doença, a busca por atualização acerca do novo vírus, além da perda de muitos pacientes. Quais os impactos observados na vida destes profissionais?

 Sem dúvida, o nível de estresse muito maior do que costumávamos ver. A questão do adoecimento e eventualmente até do falecimento de colegas de trabalho, a questão da redução das horas de descanso, não só para os médicos, mas também para a enfermagem, impactaram, principalmente, a saúde mental destes profissionais. Para isso, também procuramos desenvolver ações de saúde mental, de apoio aos nossos profissionais ao longo de todo o processo da pandemia.

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