Os 190 anos de Canudos – Antônio Conselheiro, herói ou bandido?
• O lendário místico de Quixeramobim
• Inclinação clerical
• “Os Sertões” presente em Canudos
• João Brígido e Maciel
• Uma vida de peregrinações
• O extermínio de uma cidade
Por Zelito Magalhães
Antônio Vicente Mendes Maciel, nascido na Vila de Campo Maior, em Quixeramobim (Ce) no dia 13 de março de 1830. Ficou órfão de mãe aos 6 anos de idade e aos 17 perdeu o pai Vicente Mendes Maciel.
O desejo de seus genitores era que o garoto seguisse a carreira religiosa. No ano de 1893, contraiu matrimônio com Brasilina Laurentina de Lima, filha de um tio. No mesmo ano, após décadas de peregrinação, funda uma comunidade em fazenda abandonada no interior da Bahia indo o casal residir em Sobral, passou Vicente Mendes a lecionar como professor primário para os filhos de comerciantes e fazendeiros da região; e como advogado (o chamado rábula). Indo morar no Ipu com a esposa, ali ocupou o cargo de escrivão de juiz de paz. Tornando-se, no município, amigo de um furriel que frequentava sua casa, flagrou este com Brasilina em adultério. “Esse incidente ocasionou sua ida para os sertões da Bahia, já em estado de transtorno mental, que revertera em fanática chefia um sistema religioso e sua mania de rezar, começada no verdor dos anos” (João Brígido)
Colega de João Brígido
“Conheci Antônio Conselheiro, desde os meus onze anos, até quinze, e fui seu camarada de infância. Morávamos na mesma rua em Quixeramobim, e nos víamos a cada momento. Ele, alguns anos mais criança, aprendia a ler, enquanto eu começava o Latim, estudando na Artezinha. (Jornal Unitário – 25.9.1917)
O místico
No interior da Bahia, Antônio Vicente Maciel funda uma comunidade em fazenda abandonada. Antônio Conselheiro, como passou a ser conhecido pelos seguidores, deixa a barba e os cabelos crescerem, troca as vestes por um hábito, tipo camisolão, e passa a usar um pesado cajado. Com este novo visual ele inicia a sua peregrinação pelos sertões nordestinos, começando por Pernambuco. Obriga as mulheres cortarem os cabelos e a queimarem os seus objetos de luxo. A sua linguagem ao alcance das multidões sertanejas, aliada a uma vida de mortificações e pobreza, concorria para o êxito de sua missão. Em suas pregações, ele adotava o messianismo como religião.
Hebraico
Em 1876 foi denunciado às autoridades baianas pelo vigário de Itapecuru, sendo preso e encaminhado para Salvador, onde o chefe de polícia, João Bernardo de Magalhães, o mandou para o Ceará, com ofício datado de 5 de junho, em que dizia: “Antônio, em suas prédicas, plantava o desrespeito ao vigário daquela freguesia. Não deixar Antônio voltar à Bahia, mesmo que não seja criminoso, pois a sua volta trará certamente resultados desagradáveis pela exaltação em que ficaram os espíritos dos fanáticos com a prisão do seu ídolo”. Em 15 de julho o chefe de polícia do Ceará, Dr. Vicente de Paula Teles, comunica ao juiz de Quixeramobim a prisão de Antônio Conselheiro e o remete para essa cidade.
A Guerra de Canudos
Com o fim da escravidão em 1888, muitos escravos libertos e expulsos das fazendas onde trabalhavam, sem nenhum meio de subsistência partem em busca do auxílio de Conselheiro. Acolhendo aquela gente, em 1893 decide se fixar à margem Norte do Rio Vaza-Barris, num pequeno arraial chamado Canudos. Em outubro de 1896, se desencadeia a Guerra de Canudos com o envio da primeira tropa sob o comando do tenente Manuel da Silva Pires Ferreira. Porém, a expedição é surpreendida durante a madrugada pelos seguidores do seu líder em Uauá. Após um combate corpo a corpo, restaram mais de 50 cadáveres dos conselheiristas. Do outro lado, morreram oito militares e dois guias. Em 29 de dezembro do mesmo ano, marcha a segunda expedição militar que também foi violentamente debelada pelos seguidores de Antônio Conselheiro. No ano de 1897, ocorre a terceira investida das forças militares contra Canudos, comandada por Antônio Moreira César, quando outra vez foi batida a maioria da tropa pelos homens leais ao Conselheiro. O restante foge deixando para trás armamento e munição. Em 5 de abril de 1897, inicia-se o quarto e último ataque da expedição. Desta vez, as forças militares foram mais implacáveis, pois morreram até dos que tinham se rendido. Eliminar Canudo e seus habitantes era questão de honra para o exército. A 6 de outubro, o cadáver de Antônio Conselheiro é encontrado no santuário de Canudos. Sua cabeça é cortada e levada para a Faculdade de Medicina de Salvador, onde foi examinada pelo Dr Nina Rodrigues. A comunidade de Canudos é completamente destruída. A população de Canudos chegou a 30 mil habitantes que consistia de 59% de pardos (mestiços e caboclos), 24% de brancos, e 17% de pretos.
Padre Cícero
Durante o primeiro combate entre as tropas do exército contra os fiéis de Antônio Conselheiro, padre Cícero Romão Batista encaminha um emissário, conhecido pelo nome de Herculano, para acompanhar o combate. Ao despedir-se do Conselheiro, o enviado recebe o seguinte recado: “Conte ao padre o que viu. Ainda vai haver três fogos. Ele também terá o seu foguinho. Só não será federal como o meu, mas estadual”.
Versos ao herói
No livro Antônio Conselheiro, do escritor João Arruda, lê-se estes versos do poeta Ivanildo Vila Nova:
Quem viveu a seu lado sempre quis
Ter real o que era fantasia
O reinado do céu comprometia
Sim, um reino de terra mais feliz
Afinal, só o povo do país
Pode dar um retrato verdadeiro
Deste líder autêntico mensageiro
Que alguém deformou a sua im gem
A história fará sua homenagem
À figura de Antônio Conselheiro
Citações de Maciel
“Neste dia quando sair com o seu exército tira a todos no fio da espada deste papel da República. O fim desta guerra se acabará na Santa Casa de Roma e o sangue há de ir até à junta grossa…”
“Em verdade eu vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brasil com o Brasil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas do mar Dom Sebastião sairá com todo seu exército”
Herói reconhecido
Foi promulgada, em 14 de maio de 2019, a Lei 13.829/19 que inclui Antônio Vicente Mendes Maciel no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.