Jovens inseridos no artesanato são guardiões das tradições culturais que imprimem sua identidade e de seu povo

O ceramista João Augusto, do Vale do Jequitinhonha, de 21 anos de idade e suas bonecas feitas à mão com barro

A artesã e artista plástica Andreia Pereira, do Vale do Jequitinhonha, de 40 anos de idade e suas bonecas de barro feitas à mão

Há uma linha tênue de até onde o artesanato de tradição pode ousar se reinventar sem ameaçar sua ancestralidade. O artesanato tradicional é fruto de um saber passado de geração a geração. Essa transmissão acontece nos núcleos familiares, de pais para filhos, e também em uma dimensão mais ampla, entre quem ensina e quem aprende.

O Vale do Jequitinhonha é conhecido por muitos personagens das terras áridas e quentes, e de forma especial aqui, conhecido pelos artesãos que esculpem cerâmicas com técnicas ancestrais que vêm caminhando de geração em geração. João Augusto Alves Ribeiro e Andreia Pereira são jovens artesãos do Vale mapeados pela Rede Artesol, um projeto que mapeia e divulga grupos tradicionais de artesãos brasileiros. Ele, com 21 anos de idade e ela com 30 (confirmar), nasceram na cidade de Santana de Araçuaí.

João aprendeu a técnica aos 4 anos assistindo a sua mãe enquanto ela esculpia bonecas com a argila. Nessa época, sempre deixava a sacola de brinquedos que levavam de lado e optava por brincar de explorar, tateando a textura fria do barro cru junto à mãe. Desde criança, João aprendia a importância do respeito às técnicas do artesanato tradicional da cerâmica, pois além da mãe, enxergava essa mesma realidade na extensão de toda a sua comunidade.

Foi com a avó, a mestre artesã dona Isabel Mendes, que Andreia aprendeu a modelar o barro ainda criança, e, aos 14 anos, vendeu sua primeira peça, exibida numa exposição no Rio de Janeiro junto a peças obras esculpidas pela família. Anos depois, tomou a decisão de ir a Belo Horizonte para graduar-se como artista plástica na Escola Guignard, especializando-se em pintura e cerâmica. Após ir à Europa lecionar, Andreia escolheu retornar à sua cidade natal para dar continuidade à arte da avó e dos pais.

Em suas peças, João Augusto mescla tradição e contemporaneidade por meio de uma linguagem autoral que traz inovação para as tradições do Vale. Ao manejar o barro, ele escolhe novas versões estéticas para as bonecas: olhos delineados, cílios postiços, batom vermelho ou cor rosa nude, cabelos penteados e volumosos; abusa de tons modernos, como cinzas e beges, e o resultado é a beleza clássica e reconhecível de uma de suas cantoras e inspiração favorita: a britânica Adele.

Já Andreia, ao buscar expandir seus conhecimentos por meio de um curso superior, criou um importante intercâmbio entre o saber o intuitivo dos mestres do Jequitinhonha e o universo acadêmico, gerando ainda mais valor e reconhecimento para a técnica que sustentou tantas gerações de sua família.

A importância das políticas públicas para o artesanato brasileiro

Transformar esse reconhecimento da vocação dos artistas e artesãos brasileiros em renda digna ainda é um desafio. Sonia Quintella, presidente da ONG Artesol, acredita que “para que esses jovens tenham suas perspectivas ampliadas no artesanato, também é importante que existam políticas públicas de incentivo, formalização e apoio à comercialização, já que o artesanato é uma atividade de muito potencial criativo no Brasil e com grande variedade de matérias-primas”. Considerando-se que a produção do artesanato em geral está concentrada em lugares remotos, distantes dos principais centros de comercialização, existe uma dificuldade logística complexa nesse segmento. “Por essa razão, sempre frisamos a importância de políticas públicas de apoio à comercialização e valorização de atividades artesanais”, acrescenta Sonia.

A curadora, crítica e historiadora de design Adélia Borges ressalta que no contexto internacional já existe um maior reconhecimento do artesanato enquanto ferramenta de desenvolvimento da sociedade “Mais do que uma atividade para geração de renda, a produção artesanal tem ganhado status ao redor do mundo em países em que o movimento do ‘feito à mão’ é visto como um caminho de desenvolvimento do ser humano e da sociedade, que nos conecta com as nossas habilidades de criar e dar forma e de transformar realidades”. É o próprio artesanato que nos instiga a pensar sobre o direito do artesão em reinventar suas tradições mantendo a capacidade de materializar sua própria identidade nas peças que produz. João Augusto e Andreia Pereira mantêm o legado das técnicas que utilizam, mas as inovam. Criam inspirados na contemporaneidade, com uma proposta inventiva e autoral, que faz uso de uma linguagem do seu tempo, onde suas obras nos permitem experimentar o quanto é possível inovar sem romper com a tradição.

Sobre a Artesol

A Rede Artesol é um projeto que promove a conexão entre os agentes da cadeia produtiva do setor artesanal, mapeando e divulgando técnicas e tradições culturais e estimulando novos negócios através desta plataforma digital que funciona como uma qualificada vitrine para o artesanato brasileiro. Há três anos a iniciativa tem mapeado mestres, artesãos, associações, lojistas e organizações de apoio do segmento em todo o País, a partir de um trabalho cuidadoso de identificação de grupos que atuam efetivamente com técnicas tradições e manejo sustentável das matérias-primas. O projeto também inclui um espaço virtual de aprendizagem que promove a formação e atualização constante dos artesãos através de um conteúdo exclusivo disponibilizado para os membros da Rede. Rede Artesol tem o patrocínio da Vale e apoio das Lojas Pernambucanas.

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