Fermento desenvolvido à base de lactobacilos nativos da Caatinga abre mercado para produtos nacionais Foto: Janine Passos Lima

O fermento foi desenvolvido a partir de bactérias nativas coletadas de leite de cabra da região da Caatinga

  • Pesquisa desenvolvida pela Embrapa e parceiros viabilizou o uso de bactérias nativas da Caatinga em alimentos.
  • Um fermento lático com potencial probiótico é o primeiro produto resultante dessa tecnologia e está disponível para parceiros interessados em produzi-lo em larga escala.
  • A inovação alia propriedades funcionais, agregação de valor ao bioma e baixos custos por se tratar de um ativo brasileiro.
  • Os lactobacilos foram isolados de leite e queijo de cabra e testados para outros produtos, como bebidas, iogurtes e queijos.
  • As características funcionais atendem aos anseios do consumidor atual na busca por produtos mais nutritivos e saudáveis.

Pesquisadores da Embrapa Agroindústria de AlimentosEmbrapa Caprinos e Ovinos e parceiros desenvolveram um fermento lático com propriedades potencialmente probióticas, a partir de bactérias nativas coletadas de leite de cabra da região da Caatinga. O produto, que está à disposição de parceiros para escalonamento do processo e produção industrial (veja mais detalhes em quadro abaixo), reúne vários diferenciais de interesse para o mercado nacional, como propriedades funcionais, agregação de valor à biodiversidade do bioma e possibilidade de custos mais acessíveis aos consumidores por se tratar de um ativo brasileiro.

As bactérias láticas foram isoladas do leite e queijo caprinos. Em seguida, a partir de centenas de isolados, os cientistas selecionaram os três melhores lactobacilos considerando a aptidão tecnológica e o potencial probiótico, avaliados em testes in vitro. As bactérias selecionadas (Lactiplantibacillus plantarumLacticaseibacillus rhamnosus e Limosilactobacillus mucosae) foram incluídas na Coleção de Microrganismos de Interesse da Indústria de Alimentos e Agroenergia (CMIIAA) e na Coleção de Microrganismos de Interesse para a Agroindústria Tropical (CMIAT), ambas da Embrapa. Segundo a pesquisadora Karina Olbrich, líder do projeto e atual chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroindústria de Alimentos, “os fermentos láticos obtidos com essas bactérias oferecem a possibilidade de desenvolvimento de produtos nacionais, como queijos, iogurtes e bebidas com potencial probiótico a um custo mais acessível. Para o consumidor, representa uma oportunidade de aumentar o consumo de alimentos benéficos à saúde”.

Entre as vantagens do desenvolvimento de produtos com utilização de microrganismos locais, destacam-se a agregação de valor – para aqueles que tenham identidade regional – e o fato dessas bactérias proporcionarem a produção de lácteos adaptados a condições de temperatura e umidade do Semiárido, por exemplo. Atualmente, 91% do rebanho caprino brasileiro está na Região Nordeste, onde também se concentra a maior bacia de produção leiteira do País, na divisa entre os estados da Paraíba e Pernambuco, com produção anual estimada em 7,5 milhões de litros.

De acordo com o pesquisador Antônio Egito, da Embrapa Caprinos e Ovinos, os estudos com os microrganismos trazem, também, a perspectiva de diversificação na oferta de produtos. “Os resultados são promissores para a produção de queijos nacionais, a exemplo do queijo Coalho, assim como para aplicação em produtos fermentados ou novos tipos de queijos potencialmente probióticos”, avalia.

Fermento lático nacional

Após a seleção das bactérias potencialmente probióticas, foram realizados estudos com a cepa de L. rhamnosus. Aquelas cultivadas em temperatura e meio adequados foram desidratadas por atomização (técnica de secagem de materiais alimentícios) a fim de estabilizar e maximizar a concentração de células viáveis. Depois de inúmeros testes, o resultado foi a obtenção de um fermento em pó potencialmente probiótico com possibilidades diversas de aplicação na indústria de alimentos. “O fermento obtido nas condições otimizadas foi considerado estável pelo período de seis meses, armazenado tanto sob congelamento a uma temperatura de -18 °C, quanto sob refrigeração a 6 °C”, afirmam as pesquisadoras da Embrapa Agroindústria de Alimentos Regina Nogueira e Leda Gotschalk, que conduziram essa etapa do estudo.

Os probióticos são definidos pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como microrganismos vivos que, quando ingeridos em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde humana, pelas propriedades antioxidantes, anticancerígenas e de modulação do sistema imunológico que possuem.

 

Foto: Karina Olbrisch

 

Outros produtos na mira da ciência: bebidas lácteas e vegetais

Para a validação da aplicação em alimentos, os lactobacilos selecionados foram testados em diferentes produtos, fermentados e não fermentados.

Em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) foi desenvolvido um leite fermentado concentrado potencialmente probiótico com a bactéria L. plantarum e adição de farinha da casca de jabuticaba. “Os testes realizados indicam que o leite fermentado concentrado com farinha de casca de jabuticaba apresenta alto teor de fenólicos totais, antocianinas e capacidade antioxidante”, afirma Welison Oliveira Santos, mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UFRRJ, que desenvolveu o estudo na Embrapa Agroindústria de Alimentos, sob coordenação das pesquisadoras Ana Carolina Chaves, Karina Olbrich e Caroline Mellinger.

Nesse estudo, também foi avaliado se a adição de farinha da casca de jabuticaba alteraria a viabilidade da bactéria probiótica e a sobrevivência dessa bactéria quando submetida às condições simuladas in vitro do trato gastrointestinal, parâmetros essenciais para garantia do efeito probiótico no organismo humano. “As bactérias láticas mantiveram-se viáveis e não sofreram influência da adição da farinha de casca de jabuticaba (foto à esquerda). Além disso, verificou-se um índice de sobrevivência da bactéria superior a 65% ao final da digestão simulada. O produto apresentou uma vida útil de 28 dias sob refrigeração”, completa Santos.

A cepa nativa utilizada na pesquisa foi selecionada com base na segurança, no potencial como probiótico e nas características tecnológicas avaliadas in vitro. Já a farinha de casca de jabuticaba, fruta nativa da Mata Atlântica, destaca-se pelo seu valor nutricional, com alta concentração de antocianinas, e aptidão tecnológica para uso como corante natural. “Os resultados desse estudo evidenciaram a possibilidade de desenvolvimento de um leite fermentado concentrado contendo uma cepa nativa, adicionado da casca de farinha de jabuticaba, gerando um produto inovador para o mercado nacional”, aponta Ana Carolina Chaves.

O uso da cepa nativa de L. plantarum também foi testado na elaboração de uma bebida vegetal não fermentada. Dessa vez, foi adicionada a cepa pura (fresca, em base líquida), a uma bebida vegetal composta de juçara, morango e banana. A pesquisa realizada na Planta Piloto de Processamento de Alimentos, liderada pela pesquisadora Flávia Gomes, também avaliou outros cinco fermentos comerciais de empresas multinacionais na mesma formulação da bebida. A análise comparativa revelou que a cepa nativa obteve melhor resultado: “O estudo indicou que a L. plantarum foi a mais viável, com maior tempo de sobrevivência em comparação com os probióticos importados, e não afetou o sabor do produto final”, afirma a pesquisadora.

A bebida com potencial probiótico se enquadra na categoria de alimentos não lácteos, isentos de ingredientes de origem animal, e pode ser ofertada para consumidores veganos, alérgicos ou intolerantes a leite ou que seguem dietas especiais.

 

Alimentos funcionais derivados de leite de cabra

Os esforços para testar cepas nativas na produção de alimentos funcionais têm outra linha de frente no desenvolvimento de produtos derivados do leite de cabra no Semiárido brasileiro. A cepa de L. rhamnosus mostrou, em testes de laboratório com animais realizados na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), potencial para controlar processos inflamatórios intestinais. A aposta da Embrapa e entidades parceiras é desenvolver queijos de leite de cabra com uso desse microrganismo.

“A busca de microrganismos no Semiárido que apresentem, simultaneamente, aptidão tecnológica e atividades benéficas à saúde humana poderá permitir a produção e uso de fermentos nacionais para a fabricação de novos tipos de queijos brasileiros potencialmente probióticos”, conclui Antônio Egito.

Um dos exemplos é a aplicação da cepa nativa L. plantarum na produção de um queijo caprino do tipo petit suisse com polpa de acerola (foto à direita), desenvolvido em parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Em testes in vitro realizados na Embrapa, a cepa resistiu bem às condições do trato gastrointestinal humano, apresentando alta taxa de sobrevivência ao final da simulação da digestão. “A concentração de lactobacilos viáveis com potencial probiótico, o teor de vitamina C e compostos fenólicos conferem ao queijo caprino tipo petit suisse com acerola propriedades multifuncionais”, explica o mestre em Tecnologia de Alimentos Samuel de Barcelos, que participou do estudo. A polpa de acerola conferiu ao produto alta concentração de compostos bioativos e maior aceitação sensorial na avaliação realizada por consumidores. Embalado em potes plásticos, o queijo pode ser estocado sob refrigeração por até 28 dias.

As pesquisas com lácteos funcionais desenvolvidas pela Embrapa na Região Nordeste têm como parceiros Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Foto: Karina Olbrisch

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