Esse segundo ciclo do Coronavírus poderá chegar ao Brasil? Quando?

“Nós temos aprendido com o Coronavírus que outros países, dado o seu regime de temperaturas e estações do ano, em certa medida, antecedem grandes movimentos do vírus. A Europa está vivendo um momento de expansão da contaminação, de um novo ciclo, com novas medidas de restrição e é preciso que a gente esteja atento e aprenda como e por que isso está acontecendo.

Um novo pico pode chegar ao Brasil, em consequência das grandes aglomerações de festas de fim de ano e férias, e nós podemos viver um início de 2022 com algum nível de estresse do sistema de saúde e novas preocupações com uma possível alta de transmissão da Covid, porque há razões pra isso. Essa doença não tem um curso previsível, ela tem resistido a ser controlada, porque não há uma ação mundial efetiva pra isso. Nós temos boas vacinas, mas a imunidade não dura muito, e temos a necessidade permanente, até o controle total, do uso de máscaras.

Algumas pessoas acham que o maior problema da pandemia e suas limitações é o uso de máscaras, mas não. As máscaras vieram pra ficar. Nós vamos ter que proteger a sociedade por muito tempo contra novos surtos. Então nós podemos viver o que a Europa está vivendo hoje, com o fim do verão e o início do outono, e provavelmente com a chegada do inverno agora. Há cidades anunciando a volta do Carnaval. Imagine uma multidão de milhões de pessoas muito próximas na rua e sem máscara. Isso pode ser o que a gente chama de ‘tempestade perfeita’ para facilitar a vida do vírus, para que ele possa se transmitir e causar um novo pico muito preocupante e perigoso.”

A liberação do Carnaval em algumas cidades e a aproximação das festas de final de ano e das férias de verão, quando muitas pessoas viajam para o exterior, poderão favorecer para que a nova onda de Coronavírus se instale no Brasil?

“Esta é a grande ameaça. Nós temos a seguinte situação: veja o sucesso da vacina. Conseguimos deixar de ter mortes por Coronavírus em São Paulo e em outras cidades, temos redução no número de casos, tudo isso pelo efeito protetor da vacina. Nós já percebemos que esse efeito precisa ser renovado a cada cinco ou seis meses. Os países europeus e norte-americanos também estão reforçando isso. 

Nós percebemos que uma pessoa mesmo vacinada também pode transmitir o Coronavírus, então se ocorrer o encontro de muitas pessoas, mesmo vacinadas, sem proteção de máscara, é possível que haja transmissão. Os casos graves são menos frequentes entre os vacinados, mas ainda ocorrem. 

Quando acontecerem as grandes festas de fim de ano, como as pessoas costumavam fazer antes, é uma grande oportunidade de aglomeração e de troca de aerossóis, e é através dessa troca que o vírus aproveita para se transmitir. Nós podemos ter ainda uma nova variante que surja nesse período. As variantes continuam a ser produzidas, principalmente nos países que têm alta transmissão. 

O nosso sucesso é relativo, e esse sucesso deve-se muito mais à nossa homogeneidade na vacinação, dada por uma cultura de vacina e pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do que propriamente por medidas governamentais contemporâneas firmes e consistentes. Nós infelizmente não temos podido contar com lideranças lúcidas, e isso sempre nos dificultará. Então existe a possibilidade de um novo pico e, se tudo acontecer como as pessoas estão anunciando, ele pode ocorrer logo no início do ano, pouco antes ou depois do Carnaval.”

Quem são os mais atingidos na Europa e na Ásia pelo novo ciclo do Coronavírus?

“Os países europeus estão enfrentando um processo semelhante aos dos americanos, e têm certa resistência à vacina. Eles não têm uma cultura de vacinação como a do nosso país.

Dada a pujança do nosso SUS, que surgiu em 1989, com a democratização do Pais, nós conseguimos construir uma convicção verdadeira na população de que as vacinas são úteis e salvam. Além disso, para se ter ideia, nós temos 40 mil equipes de Saúde da Família espalhadas pelo Brasil, em cinco mil municípios e 40 mil postos de vacinação e de atendimento fixos, que cobrem diretamente 160 milhões de pessoas. Nenhum país tem essa cobertura com essa dimensão, exceto o Reino Unido, que tem um serviço nacional de Saúde bem organizado.

Os demais países têm sistemas voltados para a assistência, que são bons, mas não têm a cultura de vacinação tão intensiva com a nossa, e têm de fato alguma resistência. Os países do sul da Europa têm tido mais sucesso no controle da Covid pelos altos níveis de vacinação. Lá, eles têm menos resistência às vacinas.

A Ásia, por sua vez, tem uma população gigantesca e também tem dificuldade [para vacinação.” 

O portal Our World in Data, vinculado à Universidade de Oxford, divulgou que o Brasil ultrapassou os Estados Unidos na vacinação da população contra a Covid-19. Hoje temos 58,8% de brasileiros imunizados, enquanto nos Estados Unidos esse índice é de 57%. O país norte-americano, que representa o principal destino de turismo receptivo do mundo, foi ultrapassado por outros 54 países. O que isso representa em termos de saúde pública global?

Três coisas importantes. A primeira é que o Brasil tem um sistema de Saúde que, apesar de suas  dificuldades, com as quais ele foi construído nos últimos 30 anos, o SUS se firmou como uma alternativa fundamental. E esta cultura que o SUS construiu na sociedade tem sobrevivido inclusive às campanhas negacionistas de autoridades públicas, a ponto de que no Brasil até os negacionistas tomam vacina, mesmo que seja escondido, porque sabem da importância dela.

Nos Estados Unidos há um grande movimento que influi diretamente nas pessoas para não tomarem vacina, o que tem sido uma catástrofe. O país tem cinco doses de vacina para cada habitante estocadas no território americano. O Brasil ultrapassou os Estados Unidos, mas só não andou mais rápido porque nós ainda não temos vacina suficiente pra vacinar rapidamente a população. As doses estão chegando, mas somente o suficiente para vacinar 58,8% da população. Se o Governo Federal tivesse comprado vacinas no tempo certo, e elas tivessem sido entregues, nós iríamos vacinar toda a população antes do fim deste ano. 

Apesar de passarmos os Estados Unidos, o que comemoramos porque, de fato, é uma vitória da lucidez contra as trevas, ainda assim é um resultado muito aquém do que poderíamos obter. Precisamos ainda de mais vacinas. As autoridades não podem ficar disputando quem vai ser feliz primeiro sem ter toda a população brasileira vacinada, e temos ainda que aplicar a terceira dose na população. Então, a perspectiva é ainda de muito trabalho e muito cuidado. Não é adequado que a gente programe aglomerações sem proteção neste final do ano e no próximo ano.

É possível abrir cinemas e teatros, garantindo que todos estejam de máscara e vacinados dentro da sala de encontro coletivo? É possível. Isso protegerá uma onda de transmissão que pode atingir a todos nós. 

Com prudência, cuidados e alegria, conseguimos ter tido aprendizado e hoje podemos caminhar com passos mais leves. Temos menos mortos, mais pessoas protegidas e sabemos como protegê-las: com vacina, máscara e evitando locais com aglomeração e troca de aerossóis. É possível retomar progressivamente a vida, com cuidado e com olhos e ouvidos atentos ao que está acontecendo e tem sido registrado pela Ciência também em outros países.”

O avanço da vacinação no Brasil pode frear a disseminação do segundo ciclo do Coronavírus em nosso país? O senhor pode apontar as tendências neste cenário da Covid-19 para o Brasil em 2022?

“O avanço da imunização, se conseguirmos manter o ritmo e vacinar 100% da população, e iniciarmos rapidamente a vacinação de crianças, essa é a forma de controlar o grande fluxo da pandemia. Foi o que aconteceu com a variável Delta. O rápido impulso da vacinação e alguma imunidade adquirida pelas pessoas que tiveram a doença impediram a expansão ou a gravidade da entrada da Delta no Brasil. Hoje essa é a variante prevalente, mas a Delta encontra um país onde a vacinação foi mais homogênea.

Os Estados Unidos e a Europa têm muitos buracos na vacinação de faixas etárias mais vulneráveis, o que gera oportunidade para a transmissão do vírus e o agravamento da doença. Então, dada a nossa estrutura vacinal e o nosso modelo de sistema de Saúde, nós tivemos mais sucesso inclusive em conter a entrada da variante Delta. 

É possível que, mantendo a vacinação em alta e controlando grandes eventos de aglomeração sem proteção, a gente consiga não viver um novo pico nos níveis que nós vivemos no começo de 2021, que foram dramáticos e trágicos, com três mil mortes por dia, o que é insuportável. Então, com essas medidas isso se controla muito, com algumas restrições e ‘algum juízo’.”

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