Conta de luz: Bolsonaro deixará bomba inflacionária para próximo governo

Especialistas do iCS e Idec defendem tarifa progressiva, energia renovável e eficiência energética

O governo Bolsonaro chega ao último ano de mandato com as contas de luz pesando como nunca para os brasileiros. Entre o início do mandato até outubro de 2021, a inflação aumentou 18%, enquanto a tarifa de energia subiu praticamente o dobro: 35%. E isso sem contar as bandeiras tarifárias e o efeito das medidas adotadas diante da crise hídrica, pois o repasse desse custo para a conta de luz está sendo protelado pelo governo no ano eleitoral. O último empréstimo para as distribuidoras, ainda a ser tomado e num valor estimado de até R$ 18 bilhões, por exemplo, só começará a cair na conta de luz em novembro deste ano, depois da eleição.

Para discutir a crise, o Instituto Clima e Sociedade (iCS) reuniu diversos especialistas na mesa redonda “Conta de luz e desigualdade”, na manhã desta segunda-feira 17. Segundo eles, as “pedaladas” na crise elétrica deixarão uma bomba inflacionária para o próximo governo, quando a conta de luz vai incorporar empréstimos a concessionárias, subsídios e contratos para a compra de energia mais cara, produzida por combustíveis fósseis e poluentes, o que ainda contribui para agravar as mudanças do clima. O peso será maior para as famílias mais pobres.

“Para os mais ricos, a conta, mesmo subindo mais do que a inflação, não compromete a renda familiar, mas uma pesquisa recente encomendada pelo iCS ao Ipec mostra que metade da população já reduziu o consumo para pagar a conta de energia, e 22% reduziram até a compra de alimentos, o que é bastante dramático”, apontou Roberto Kishinami, físico pela USP e coordenador sênior do Portfólio de Energia do iCS. O pior, segundo ele, é que esse aumento recorde do peso da conta de luz acontece em um momento no qual o país parou de crescer e o desemprego aumentou.

Para Kishinami, a “pedalada na crise hídrica” deixará uma conta alta para o próximo governo e será mais um empecilho para a retomada econômica, “pois a conta drena orçamento das famílias de uma maneira que não deixa folga para voltar o consumo e impulsionar a economia.

” O próximo governo, na avaliação dos especialistas, deve rever a política de estimular a energia cara produzida por combustíveis fósseis, estimular a eficiência energética para aumentar a competitividade da economia e adotar uma tarifação mais progressiva na energia para não sufocar ainda mais as famílias mais pobres.

A economista Paula Bezerra, doutora em Planejamento Energético da Coppe, mostrou como é desproporcional o peso da conta de luz para os mais pobres. “Os 10% mais ricos consomem duas vezes e meia mais eletricidade do que os 10% mais pobres, mas a renda deles é 44 vezes maior. A conta de luz, portanto, não explode no bolso das parcelas mais ricas”, disse Paula, especialista em impactos das tarifas de energia sobre a economia e em pobreza energética. Ela explica que é considerada uma pessoa “energeticamente pobre” quem precisa gastar mais de 10% da renda com energia, uma situação que já englobava mais de 20% da população brasileira em 2018. Desde então, o quadro só piorou.

Outro recorde negativo observado pelos especialistas no governo Bolsonaro é o de inadimplência na conta de luz: 39,43% atrasaram a conta por pelo menos um mês, o maior índice da série da Aneel, desde 2012, segundo o engenheiro ambiental e mestre em Energia Clauber Leite, consultor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Ele defende prioridade para a eficiência energética. “A energia mais barata é aquela que não é utilizada, mas a baixa renda já não tem espaço para reduzir o consumo, a falta de acesso à energia impacta no dia a dia e na economia do país. O modelo de tarifa social não está mais respondendo à necessidade desses consumidores, e por isso é preciso um modelo mais progressivo, que garanta o direito mínimo à energia, à sobrevivência.”

“Quando você tem 40% dos consumidores com dificuldade para pagar a conta, há um problema na economia, no modelo de negócio. Estamos falando do essencial, todo mundo tem que ter eletricidade. A tributação progressiva é uma discussão a ser feita com os candidatos a presidente”, concordou Kishinami. E eficiência energética, segundo ele, não pode ser apenas para resolver crise no sistema elétrico. “Produzir mais com menos leva a mais competitividade, é antes de tudo uma questão econômica.”

“Estrutura tributária progressiva é adotada por muitos países, muitas vezes localmente, como na Coreia do Sul e na Califórnia”, acrescentou Paula. Segundo ela, “é preciso existir um mínimo de consumo energético para garantir uma vida digna em termos de uso de energia, que não está sendo atingido hoje no Brasil. A tarifa social garante isenção apenas para quem gasta até 30 KW/hora, basicamente as lâmpadas e um refrigerador se for muito eficiente, mas a grande maioria tem equipamentos antigos e ineficientes, que consomem mais energia.”

O engenheiro Luiz Barata, ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), apontou como “pá de cal” no modelo do sistema elétrico a entrada de deputados e senadores no planejamento. Foi o que ocorreu nas emendas à MP de privatização da Eletrobrás, que preveem a produção de 8 GW de térmicas a gás em regiões do país onde não existe gás, o que exige investimentos em gasodutos que irão para a conta de luz.

“O Brasil precisa buscar a eficiência em tudo, principalmente em energia. É uma questão de custo-benefício, e não temos uma política concreta de eficiência energética”, disse Barata. Ele defende que o próximo governo reveja diversas decisões de contratação de energia mais cara, “sem quebrar contratos para não criar um problema ainda maior”.

Para Amanda Ohara, coordenadora do Portfólio de Energia do iCS, não se pode perder de vista que o aumento desenfreado das tarifas ainda não incorporou as decisões tomadas na crise hídrica. “Estamos falando de uma conta que só cresce, e pelo último cálculo que fizemos essa conta estava em R$ 140 bilhões a serem pagos adiante. Depois disso, ainda foi aprovado um empréstimo maior do que era previsto às distribuidoras, de até R$ 18 bilhões. O governo tem adiado ao máximo o aumento que já é inevitável, e a conta vai estourar no lado dos mais fracos.”

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