A Ford, o MP e os Sindicatos
*Por Igor Macedo de Lucena
A saída da Ford do Brasil não foi um acontecimento específico do nosso país. A companhia já vem perdendo dinheiro a nível global desde 2013, e sua participação no mercado americano vem diminuindo ano após ano. De acordo com dados de 2019, seu marketshare está em menos de 14% nos Estados Unidos, que são considerados seu principal mercado consumidor. Contudo, além do fechamento das fábricas no Brasil, em 2016, o fechamento de fábricas ocorreu também na Austrália.
A situação da Covid-19, de certa maneira, contribuiu para tal fato e talvez até tenha adiantado o fechamento das fábricas da Ford no Brasil, mas a situação da companhia é complicada no âmbito internacional, pois não conseguiu se integrar ou se fundir a outras marcas e ao mesmo tempo não conseguiu se tornar tão competitiva a nível mundial como a também americana Jeep e seus concorrentes asiáticos.
A saída da companhia após mais de 100 anos no Brasil é uma tragédia quando avaliada sob o ponto de vista dos investimentos, da empregabilidade dos funcionários diretos e principalmente das fornecedoras que devem sofrer grandes abalos no seu faturamento sempre que uma fábrica principal é fechada. Vale lembrar que alguns dos fatores que influenciaram esse fechamento foram a alta demanda de processos trabalhistas, os custos de impostos maiores e a baixa produtividade do trabalhador brasileiro (segundo dados da OCDE); ou seja, o custo Brasil em geral.
Ao anunciar o fechamento da empresa, surpreendi-me quando soube que o Ministério Público Federal instaurou um inquérito para avaliar os prejuízos sofridos pela economia popular. De acordo com o subprocurador-geral da República Luiz Augusto Santos, coordenador da Câmara, o encerramento da produção de veículos pode causar graves danos ao setor industrial, “capazes de provocar a redução dos níveis de renda e emprego nacionais, afetando negativamente a economia, além da potencial repercussão no nível concorrencial do mercado de veículos”.
O artigo 170 da Constituição Federal é citado pelo subprocurador-geral, que determina que a ordem econômica tenha fundamento na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, “com o escopo de assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros, os princípios da livre concorrência, bem como a defesa do consumidor “.
É até louvável a análise do procurador dado às suas competências constitucionais, mas na prática isso significa o quê? A decisão de fechar ou abrir fábricas é uma decisão privada do conselho da empresa, visando à sua preservação e à sua manutenção em longo prazo. Seus efeitos positivos, ao serem instaladas em um país, são tão sentidos quanto os efeitos negativos do seu fechamento. Mas o que de fato o MPF pode fazer? Abrir processo contra a fábrica? Multar a empresa por ter fechado? Solicitar que a Justiça determine que a fábrica não encerre suas operações? Na prática, qualquer uma dessas soluções, ou qualquer uma que efetivamente afete uma decisão privada de encerrar a empresa, só vai representar mais um “custo Brasil” confirmando mais um motivo do porquê de a empresa não conseguir manter-se no Brasil, gerando ainda mais motivos para seu encerramento.
Já o Sindicato dos Trabalhadores fez greve para que a fábrica se mantivesse aberta. Ainda foram informados que não tiveram nenhuma chance de negociação e por isso a situação era injusta com a categoria. As frases dos líderes sindicais têm sentido sob o ponto de vista sindical, mas sob o ponto de vista da realidade uma greve é mais um “custo Brasil” e mais uma razão pela qual não devem se manter no Brasil, incorrendo em custos que quase nunca ocorrem em outras jurisdições.
Entretanto, repito, o fechamento da Ford tem em sua raiz uma situação de competitividade global, e as suas concorrentes como a General Motors, a Volkswagen e a Fiat possuem planos para expandir suas operações no Brasil e preencher uma ‘fatia’ que será deixada pela Ford no mercado.
*Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, Doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política