Sociedade reage a ato do governo Bolsonaro que anula 42 mil processos ambientais
Medida do presidente do Ibama livra infratores
de pagar bilhões em multas, mas IDC entra na Justiça
Uma medida tomada este ano pelo presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, anula cerca 42 mil processos que investigam crimes ambientais, livrando os infratores de pagar bilhões de reais em multas. O Instituto de Direito Coletivo (IDC) pediu à Justiça a suspensão dos efeitos do ato, que beneficia acusados de infrações como desmatamento, tráfico de animais, exploração ilegal de madeira e invasão de unidades de conservação. A Ação Civil Pública (ACP), com pedido de liminar, será analisada pela 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas.
De acordo com a ACP, a medida do presidente do Ibama contraria até a Constituição e “tem como graves consequências a concessão de salvo-conduto e incentivo a crimes, reduzindo drasticamente a capacidade punitiva, pedagógica e dissuasória do órgão ambiental brasileiro”.
O despacho do presidente do Ibama, de março de 2022, torna sem efeito todas as intimações feitas por edital (virtualmente) para apresentação de alegações finais nos processos. O procedimento de intimação por edital era realizado desde 2008, atendendo ao artigo 122 do Decreto Federal nº 6.514/2008, alterado em 2019 pelo Decreto Federal nº 9.760/2019.
As anulações têm efeito retroativo e atingem processos ambientais lavrados entre 2008 e 2019. Fortunato Bim possibilitou a prescrição intercorrente desses processos – por inércia do agente público – mesmo sem a paralisação de fato das apurações. Por isso, a ACP pede a suspensão imediata dos efeitos do despacho, além da anulação judicial de todos os atos do Ibama que tenham declarado a prescrição de processos com base no despacho.
Para a presidente do IDC, a advogada Tatiana Bastos, o despacho viola valores constitucionais de proteção ao meio ambiente. “O ato consiste em conduta ilegal por parte da autoridade máxima de uma autarquia, que deveria zelar pela inegociável defesa ambiental, ao estabelecer novo entendimento que enfraquece o sistema sancionador ambiental brasileiro”, afirma. Autora da ação junto com Bruno Campos, advogado do IDC, Tatiana ressalta que o despacho do presidente do Ibama não foi precedido de qualquer estudo ou estimativa mínima dos impactos dessas anulações no orçamento público e nas políticas de proteção ambiental e de responsabilização de infratores.
“A medida do presidente do IBAMA aumentou a impunidade ambiental em todos os Estados do país, reduziu a proteção ao meio ambiente, deixou de arrecadar bilhões de reais em multas aplicadas, sobrecarregou a estrutura administrativa já combalida do Ibama na revisão de atos já realizados, aumentou as emissões de gases de efeito estufa do Brasil”, argumenta a ACP. O texto destaca ainda o fato de ter sido monocrática a decisão de Fortunato, afastando a aplicação de um decreto presidencial (6.514/2008) e levando ao “inacreditável desperdício de todo o trabalho dos servidores do IBAMA ao longo de todos esses anos, de gigantesco impacto orçamentário e incalculável perda ambiental”.
O Amazonas, onde a ação foi impetrada, é um dos principais cenários do desmatamento ilegal. “Conforme demonstra o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), 36% do desmatamento ocorreram apenas na região conhecida pelo acrônimo ‘Amacro’, onde se concentram 32 municípios na divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia, com o maior patamar dos últimos 15 anos. O Estado do Amazonas, por exemplo, teve um crescimento de 50% em comparação com a derrubada detectada entre agosto de 2020 e julho de 2021, sendo a maior alta entre os estados”, citam os autores.