Viva o Forró – Cultura Nordestina reconhecida como patrimônio cultural nacional
O forró, e todas as matrizes culturais nordestinas, como o repente, agora ė, oficialmente, um patrimônio regional, conforme decisão doInstituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Às vésperas da comemoração do Dia Nacional do Forró (13 de dezembro), data de nascimento de Luiz Gonzaga, as Matrizes Tradicionais do Forró foram reconhecidas como Patrimônio Cultural do Brasil. A decisão aconteceu durante a 99ª Reunião Extraordinária do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, órgão vinculado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A partir de agora, o Brasil tem, em sua lista, 52 bens registrados como patrimônio imaterial.
As Matrizes Tradicionais do Forró têm contribuído há mais de um século para a construção da identidade nordestina e nacional, especialmente no tocante aos seus gêneros, modos de dançar e saberes enraizados no cotidiano do povo nordestino e de várias comunidades espalhadas pelo Brasil, que tem o forró como marca de vivências coletivas do trabalho e de experiências festivas.
“Eu, como nordestino e sanfoneiro, fico muito honrado em ver o reconhecimento das matrizes tradicionais do forró como patrimônio cultural do Brasil. Este título é mais do que necessário para a nossa cultura e, também, para o turismo nacional. Um ritmo que encanta e leva alegria a milhares de pessoas mundo afora não poderia ficar de fora dessa seleta lista. Parabéns a todos os forrozeiros!”, comemorou o ministro do Turismo, Gilson Machado Neto.
“A noção de “matrizes” serve para destacar práticas que, estando vivas e em plena vigência, inspiram continuamente forrozeiros e músicos contemporâneos de diversas outras filiações e são, portanto, seminais à aparição de novas formas de forró, mas também sustentam a dinâmica de transformações e reinvenções das próprias matrizes, garantindo sua continuidade no tempo”, aponta o Parecer Técnico de 2021, do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) do Iphan.
“A Secretaria Especial de Cultura transformou o Forró em Patrimônio Cultural do Brasil. Sempre acreditei que o forró incorpora grandes valores da nossa civilização e, por isso mesmo, constitui-se numa grande herança civilizacional da composição musical brasileira, afirmou o secretário Especial da Cultura, Mario Frias. “Todos os valores estruturantes do país são condensados nesse ritmo sagrado. Poucos estilos representam tão bem a fé, resignação e tradição do nosso povo real” completou.
“Trata-se de um bem cultural que dispensa apresentações, está presente em incontáveis eventos e festivais por todo Brasil, em especial nos festejos dos ciclos juninos, gerando renda, empregos diretos e indiretos, além de um sentimento muito forte de pertencimento”, destacou a presidente do Iphan, Larissa Peixoto.
“A partir de agora, para além do reconhecimento, o Iphan e os diversos parceiros que tornaram esse registro possível seguem atuando na promoção e sustentabilidade do bem cultural”, comemorou.
Processo de Registro
A solicitação de Registro foi apresentada em 2011 pela Associação Balaio do Nordeste e pelo Fórum Forró de Raiz da Paraíba, recebendo o endosso da superintendência do Iphan no estado da Paraíba. A proposta teve apoio de 423 forrozeiros de todo país, por meio de abaixo-assinado.
Desde então, o Iphan, autarquia federal vinculada à Secretaria Especial da Cultura e ao Ministério do Turismo, iniciou o Processo de Registro, que incluiu fóruns e reuniões de mobilização junto a comunidades de forrozeiros, pesquisadores e produtores envolvidos com a temática. Esses encontros produziram entendimentos e demandas para o trabalho de reconhecimento que estão consolidados na Carta de Diretrizes para Instrução Técnica do Registro das Matrizes do Forró como Patrimônio Cultural do Brasil. Durante a reunião do Conselho Consultivo, os 16 conselheiros aprovaram à unanimidade o registro das Matrizes Tradicionais do Forró.
Com o reconhecimento do Conselho Consultivo, as Matrizes Tradicionais do Forró foram inscritas no Livro de Registro das Formas de Expressão, com abrangência nacional, onde também estão registrados bens como o Repente, a Ciranda do Nordeste, a Roda de Capoeira, o Maracatu Nação (PE), o Carimbó (PA) e a Literatura de Cordel. A partir de então, as Matrizes Tradicionais do Forró passam a ser alvo de políticas públicas para a salvaguarda da manifestação.
“Os processos de registro das manifestações culturais são iniciados a partir de demanda da sociedade e de seus representantes, encaminhada ao Iphan. O processo de registro das Matrizes Tradicionais do Forró se destacou justamente pela grande mobilização social ocorrida desde seu início, bem como pela viabilização de ações, por meio de emendas parlamentares, que garantiram uma pesquisa com amplitude e qualidade, ao lado de rico debate, resultando nesse título esperado por todo o Brasil.” explica o diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI), Roger Alves Vieira.
As “Matrizes Tradicionais do Forró” são manifestações culturais conhecidas por seus ritmos musicais, danças e instrumentos tradicionais. Uma forma de expressão que envolve diversas modalidades artísticas, cujo núcleo é a performance social de um leque de tipos de música e dança. Desde seus primeiros registros conhecidos, no início do século XX, a palavra “forró” assumiu também o sentido de um tipo específico de música, cantada ou instrumental, para ouvir e para dançar.
O “Forró” também passou a designar um tipo de evento com música ao vivo e dança, onde há a presença de um repertório de gêneros musicais como o baião, xote, xaxado, rojão, xamego, balanço, miudinho, forró-samba e quadrilha/arrastapé. O forró, assim como o choro, o frevo e o samba, definiu-se nos bailes e festividades populares, num ambiente de amplo convívio social e cultural.
Os cantadores e cantadoras distribuem-se nas capitais e no interior do Brasil
“O registro é um reforço na nossa identidade cultural e no nosso povo com sua própria cultura. A gente acredita que, com isso, consigamos encontrar mais meios de incentivo e de apoio para divulgação desse tipo de arte. Estou bem contente. Foi um trabalho muito bem feito de identificar o que é o Repente. E faço um agradecimento ao Iphan e a todos os repentistas que contribuíram. É uma grande alegria!” João Santana, repentista.
O pedido de registro do Repente foi formalizado no ano de 2013 pela Associação dos Cantadores Repentistas e Escritores Populares do DF e Entorno. Desde então, o Iphan, autarquia federal vinculada à Secretaria Especial da Cultura e ao Ministério do Turismo, iniciou o processo de registro, que inclui a descrição detalhada do Repente, reunião de documentação relacionada e registro audiovisual, que culminam no dossiê de registro, produzido em parceria com o Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB). Durante a reunião do Conselho Consultivo, os 22 conselheiros aprovaram à unanimidade o registro do Repente.
“Repente é poesia. Cantada e improvisada. Em linhas gerais, é um diálogo poético em que dois repentistas se alternam cantando estrofes criadas naquele instante ao passo em que se acompanham com toques de violas”, define o dossiê de registro do bem, que listou mais de 200 contatos entre repentistas, associações e apologistas – público especial com grande familiaridade junto à cultura do Repente. “Numa apresentação de repente, a poesia flui em resposta aos estímulos e demandas dos ouvintes e às ideias e desafios que um poeta lança para o outro. As estrofes seguem regras bastante complexas e rígidas de rima, métrica e coerência temática, e, diante disso, fascinam pela naturalidade com que são feitas.”
Os fundamentos do Repente são métrica, rima e oração (coerência e qualidade do conteúdo), como informam os próprios repentistas. A rima diz respeito à identidade do som no final dos versos. A métrica, por sua vez, se refere à técnica de improvisar e às características da linguagem da Cantoria: quantidade de versos, modalidade das estrofes e acento de cada verso. O dossiê de registro elaborado documenta mais de 50 modalidades de repente, dentre as quais estão os versos heptassílabos, cuja acentuação tônica obrigatória está na sétima sílaba, e decassílabos, em que o acento obrigatório está na terceira, sexta e décima sílabas de cada verso.
Repente é registrado como Patrimônio Cultural do Brasil (Foto: Acervo Iphan).“É motivo de grande alegria ter as rimas e os versos do Repente adentrando o rol do Patrimônio Cultural do Brasil, tanto por sua importância histórica quanto pela beleza da poesia e da música da manifestação”, comemora a presidente do Iphan, Larissa Peixoto, que também preside o Conselho Consultivo. “O Repente tem seu lar na região Nordeste e também noutras capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília para onde as migrações nordestinas legaram essa arte. É uma manifestação que se tornou uma das faces do Brasil.”
Com o reconhecimento do Conselho Consultivo, o Repente foi inscrito no Livro de Registro das Formas de Expressão, onde também estão registrados bens como a Roda de Capoeira, o Maracatu Nação (PE), o Carimbó (PA) e a Literatura de Cordel. A partir de então, o Repente passa a ser alvo de políticas públicas para a salvaguarda da manifestação, que devem incidir ainda sobre um universo de bens associados que inclui a Embolada, o Aboio, a Glosa e a Poesia de Bancada e Declamação.
A formação do Repente
“Com o registro do Repente, reconhecemos a relevância dessa forma de expressão, especialmente para a região Nordeste. A poesia, o canto, a musicalidade, a profissão dos cantadores compõem o Repente, que agora são salvaguardados pelo Iphan, que trabalhará em parceria com outras instituições do governo federal, dos governos estaduais, municipais e principalmente com a comunidade para a reprodução e sustentabilidade do bem.” Tassos Lycurgo, diretor do departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan.
Há registros da prática do Repente desde meados do século XIX nos estados de Pernambuco e Paraíba, conforme fontes históricas. As ocorrências mais antigas têm origem na Serra do Teixeira, na Paraíba. No início do século XX, a manifestação teve importante papel na difusão do rádio na região. Até então, a maior parte dos repentistas tinha origem rural, vivendo no interior e cantando para plateias camponesas.
Uma realidade que se transformou na década de 1950, com os cantadores se fixando nas cidades à procura de ferramentas que auxiliassem a atuação do repentista, especialmente o rádio e o correio. Aos programas radiofônicos, no decorrer das décadas de 1980 e 1990, se somaram a gravação de discos e a realização de festivais – mantendo a origem rural dos poetas. Mais recentemente, a internet se tornou mais uma ferramenta para a para divulgação de cantorias e festivais, o que ficou evidente em 2020 com as medidas de isolamento social, quando os eventos ganharam transmissão virtual por meio de lives.
Revalidação de bens culturais
Durante a reunião do Conselho Consultivo, também foram apreciadas as revalidações do título de Patrimônio Cultural do Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA), do Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas (MG) e o Modo de Fazer Renda Irlandesa tendo como referência este ofício em Divina Pastora (SE). Conforme o Decreto 3.551/2000, os bens culturais registrados devem passar, pelo menos a cada dez anos, por processos de revalidação dos títulos de Patrimônio Cultural.
Nos últimos meses, o Iphan conduziu reuniões junto a pesquisadores e comunidades detentoras dos três bens, culminando num parecer técnico de revalidação. O documento foi colocado em consulta pública para que a sociedade em geral pudesse opinar. Encerrado o prazo, o parecer e as manifestações da população foram apreciadas pela Câmara Setorial do Patrimônio Imaterial, que recomendou pela revalidação dos títulos. Por fim, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural votou pelas revalidações.