Utilizando bases de dados pessoais, candidatos de AL apostam em disparo de mensagens ilegais

Eleitores de Alagoas relataram receber mensagens de números desconhecidos para que não haviam fornecido seus dados.

O uso de dados pessoais para fins eleitorais é uma estratégia usada há anos durante o período eleitoral. Além de mecanismos como envio de correspondências por mala direta, por exemplo, desde as eleições de 2018, disparos em massa por aplicativos de mensagens também foram denunciados. Esse tipo de publicidade é ilegal e os dados pessoais são protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados.

Em Alagoas, eleitores relataram ter recebido, às vésperas do segundo turno das eleições majoritárias, mensagens pelo WhatsApp de números desconhecidos locais e até de outros países. Em diferentes contatos telefônicos, as mensagens continham ofensas, informações falsas ou algum assunto negativo sobre os candidatos que disputavam o segundo turno no estado, Paulo Dantas (MDB) e Rodrigo Cunha (União).

A assessoria do governador eleito Paulo Dantas informou à reportagem que não utiliza desses mecanismos, mas não deu detalhes sobre as mensagens direcionadas a ele ou ao opositor, Rodrigo Cunha. “Não houve uso deste artifício pela campanha do governador Paulo Dantas. A campanha sempre se guiou pelo restrito cumprimento das regras eleitorais”.

Até a publicação da reportagem, a assessoria de imprensa do candidato Rodrigo Cunha não se pronunciou sobre o assunto.

Mensagens ofensivas ao então candidato Rodrigo Cunha e e seus aliados.

Mensagem ofensiva sobre o candidato Paulo Dantas.

O uso de disparos em massa para fins eleitorais ficou conhecido em 2018, após reportagem da jornalista Patrícia Campos Mello divulgada pela Folha de S. Paulo, que denunciava empresas contratadas por empresários ligados à campanha de Jair Bolsonaro que contrataram esses serviços para atacar adversários na campanha presidencial.

A Lei Geral de Proteção dos Dados (LGPD) legisla que para o recebimento de mensagens por meio de aplicativo é necessário o consentimento de forma específica e destacada para qual finalidade.

“Artigo 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:I – quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas; Artigo 8º O consentimento previsto no inciso I do artigo 7º desta Lei deverá ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular”, menciona a lei.

No entanto, empresas compram dados vazados de forma ilegal e vendem para diversos fins. Em uma rápida consulta em um pesquisador da internet é possível encontrar empresas que oferecem esse tipo de serviço. A reportagem tentou contato com duas empresas que afirmam em seus sites fornecer esse tipo de serviço, mas não obteve retorno.

Com diversos valores e planos, uma das empresas promete uma comunicação completa e eficiente voltada para todos os públicos de determinado cliente ou setor.

Sobre esses recursos, Nathalia Peixoto, advogada e presidente da Comissão de Inovação e Tecnologia Jurídica e Proteção de Dados da OAB/AL, explica que empresas de marketing vendem envio de mensagens nas campanhas eleitorais como serviço.

“Utilizam bases de dados da agência para enviar ‘santinhos’ ou disparos em massa no WhatsApp. O objetivo é enviar mensagens para o máximo de pessoas, no entanto, esse tipo de conduta é uma violação à legislação eleitoral e à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Nesses casos, os dados pessoais podem ter sido obtidos por meio de grandes vazamentos, ou mesmo um cadastro antigo que já existia de um restaurante, farmácia, algum curso, e essas empresas doaram ou venderam suas bases de dados para beneficiar candidatos (outra prática vedada pela legislação eleitoral)”, relata.

Outro caso foi registrado por um eleitor que recebeu mensagens de um candidato a deputado estadual a quem não havia fornecido seu contato. Ao questionar, o usuário foi informado que seu nome constava em um cadastro de uma entidade filantrópica de atendimentos em saúde.

A advogada ainda explica que a lei não proíbe especificamente a ação em outros contextos, como marketing para consumo, mas que, nestes casos, é necessário que o usuário autorize a captação e utilização desses dados. “A LGPD exige que a coleta, o tratamento e a transmissão dos dados sejam feitos por meio de uma base legal que possa justificar o uso dessas informações. Temos três bases direcionadas ao setor de comunicação: consentimento, legítimo interesse e contratos. É necessário deixar claro ao titular para quais finalidades os dados pessoais dele serão utilizados”, reforça.

O que diz a lei?

As eleições de 2022 foram as primeiras a contar com uma legislação que inclue a utilização de dados pessoais para fins eleitorais. Com a Resolução nº 23.671, de 14 de dezembro de 2021, o Tribunal Superior Eleitoral disciplinou as regras da propaganda eleitoral, estipulando que é vedado fazer propaganda via telemarketing e por meio de disparo em massa de mensagens instantâneas sem consentimento da pessoa destinatária ou a partir da contratação de expedientes, tecnologias ou serviços não fornecidos pelo provedor de aplicação e em desacordo com seus termos de uso. Para estes casos pode ainda ser aplicada multa que varia entre R$5 mil a R$30 mil.

O instrumento ainda legisla sobre o envio de mensagens eletrônicas em que os eleitores tenham se cadastrado voluntariamente para recebê-las, mas considerando o que está previsto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e desde que o usuário possa descadastrar a qualquer momento.

De acordo com Pedro Saliba, advogado e pesquisador da Associação Data Privacy Brasil, cabe à Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral a centralidade para garantia de eleições justas, principalmente quando os dados pessoais são ferramentas importantes para campanhas políticas.

“Apesar de ser um tema novo, os disparos em massa são proibidos pela resolução 23.671/2021 do TSE, que também conta com dispositivos garantindo a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados nas campanhas […], mas falta compreensão sobre os danos que eles podem causar. O tema será recorrente daqui pra frente, e as frentes de investigação e julgamento precisam estar fortalecidas para aplicação da lei”, disse o especialistas, destacando o papel da sociedade civil e jornalismo para divulgar os crimes cometidos contra à LGPD.

Órgãos dizem não ter dados de denúncias

A reportagem tentou contato com os órgãos responsáveis por fiscalizar o cumprimento das regras eleitorais, mas não obteve sucesso na busca. Apesar dos mecanismos de denúncias desenvolvidos por alguns órgãos, como o próprio Tribunal Superior Eleitoral e Ministérios Públicos Federal e Estadual, não há a compilação dos dados deste tipo de denúncia. Assim, não é possível entender a dimensão desse tipo de crime.

A Procuradoria Regional Eleitoral em Alagoas informou que foi encontrado apenas um procedimento extrajudicial dentro dos parâmetros de busca solicitados e que, para estes casos, foi ajuizada representação eleitoral contra os candidatos que tramita no Tribunal Regional Eleitoral em Alagoas.

Também questionada por dados de denúncias de disparos em massa nas campanhas eleitorais, a Procuradoria Geral da República afirmou que não há uma ferramenta unificada no órgão que permita a busca por assunto. Sendo assim, para ter acesso a quantidade de denúncias e processos abertos para este fim, seria necessário investigar processo a processo, o que, segundo o órgão, seria inviável.

O Ministério Público Estadual de Alagoas disse que seria necessário fazer a consulta a todos os 90 promotores que atuaram nas eleições e que também não possuem uma ferramenta que permita a busca por assunto.O Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas também afirmou não ter um setor de estatística que compile os dados por temática.

O próprio TSE tem um canal exclusivo para denúncias de disparo de mensagens em massa, mas não forneceu os dados conforme solicitado.

Para Saliba, pelo tema ser novo, falta um olhar cuidadoso sobre quais os tipos de crimes podem surgir com a utilização de dados pessoais, seus danos e a maneira de realizar as investigações.

“Nas eleições de 2018 os disparos em massa pelo whatsapp foram centrais e culminaram na publicação de norma específica para isso. Além disso, a vigência da LGPD e garantia da proteção de dados enquanto direito fundamental, constitucionalmente previsto, trouxeram maior segurança jurídica ao tema. Ainda assim, as autoridades precisam ter uma compreensão técnica da economia política da desinformação para além da moderação de conteúdo, exigindo das plataformas, operadores e controladores de dados um tratamento de acordo com a lei”, afirma.

O pesquisador continua explicando a importância de ter atenção a esses dados e casos. “Os casos envolvendo o tratamento de dados pessoais, como coleta, acesso, armazenamento e distribuição, tiveram pouca atenção das autoridades, como o MPE. As falhas em acompanhar e investigar os crimes muitas vezes denotam uma falta de compreensão sobre os danos que o tratamento ilegal de dados pessoais podem causar, como processos de violência política, campanhas reputacionais e violação da privacidade de indivíduos”, menciona.

Além desses fatores, Saliba pontua que o acesso a dados pessoais sem base legal garante vantagens indevidas a candidatos e candidatas que violam a lei, já que estes teriam acesso às informações sobre o eleitorado e canais de comunicação direto com eleitoras e eleitores, prejudicando aqueles que não utilizam estes meios em suas campanhas. “O alerta é importante para as eleições de 2024, já que a capilaridade das bases de dados é ainda maior quando se trata de questões municipais”, reforça.

O especialista explicou ainda que para ser eficiente é necessário que os os servidores e servidoras estejam qualificados para lidar com o tema e suas atualizações, já que novas ferramentas e tecnologias de comunicação e informação continuam surgindo. “Houve um esforço legítimo do TSE para barrar o fenômeno em 2022, mas ainda falta muito para que os ilícitos de dados pessoais sejam investigados e julgados, responsabilizando as partes responsáveis”.

Como evitar que seus dados pessoais sejam vazados?

A advogada Nathalia Peixoto deu ainda dicas para que os usuários consigam proteger seus dados de possíveis vazamentos

  • Busque empresas/instituições que respeitem a LGPD, que solicitem o consentimento para uso dos seus dados pessoais e explique a finalidade dessa utilização;
  • Não utilize senhas muito simples e repetidas;
  • Escolha sites confiáveis e dobre sua atenção ao acessar links e websites desconhecidos;
  • Cuidado com o phishing, golpe que induz a vítima a fornecer seus dados a criminosos, principalmente por meio de mensagens de e-mail falsas em nome de grandes instituições.

Canais de denúncias

  • Quaisquer violações de pessoas física ou jurídica à LGPD podem ser denunciadas na plataforma da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
  • No Tribunal Superior Eleitoral (TSE) as denúncias podem ser feitas pelo Sistema de Alerta. O Tribunal recebe denúncias sobre mensagens que envolvam o processo eleitoral.
  • Pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) é possível usar o app Pardal, nele há um formulário de denúncia. Se preferir, a denúncia pode ser anônima.
  • Outra opção é denunciar diretamente ao Ministério Público Federal.

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