Uma história do Rádio-Jornal. Eduardo Campos: Polímata da cultura cearense
O menino que nasceu na serra da Pacatuba – Os primeiros escritos: o conto “Agonia” – O jornal “Hélios” – O ator no drama “Jesus Crucificado” – A primeira tentativa de ingresso no Rádio – Os Diários Associados – “O Morro do Ouro”, um marco do teatro cearense – O locutor “gongado” “O capitão tabajara”, de Assis Chateaubriand romancista, folclorista e contador de histórias e estórias Medalhas e troféus – O homem e o tempo’’.
Texto: Zelito Magalhães
Manoel Eduardo Pinheiro, Campos, Eduardo Campos, Manuelito Eduardo nasceu na Guaiúba, distrito de Pacabuba, no dia 11 de janeiro de 1923. Filho do comerciante de café Jonas Acioli Pinheiro e de Maria Dolores Eduardo Pinheiro, perdeu o pai com apenas quatro meses de nascido. Quando tinha oito anos, a família veio morar na capital. É essa Fortaleza que se tornaria o cenário de sua futura obra literária, iniciada na década de 40 no grupo Clã. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais no ano de 1948 pela Faculdade de Direito do Ceará.
Aos 15 anos, dirigiu o jornalzinho “Hélios”, órgão do Núcleo de Cultura literária do Grêmio Santa Maria (Educandário Santa Maria). Atuou na peça Jesus Crucificado, em 1939. “Aí nasceu o ator”, declarou Eduardo Campos. A seguir, atuou no drama de José Júlio Barbosa – A vida de São Francisco. Para animar os espetáculos apresentados pelo Teatro Escola Renato Viana, nos anos quarenta, fazia dupla com seu primo-irmão Artur Eduardo Benevides, cantando “Meu Limão /meu limoeiro…” – afirmou.
O sonho do Rádio
Eduardo Campos sempre sonhou em ser locutor. Na primeira tentativa de ingressar no Rádio cearense, em 1942, conquanto tenha sido aprovado em concurso (o candidato leu, sem errar, página de “Os Sertões”) foi considerado pelo então diretor artístico da PRE-9 (Dermival Costa Lima) “sem condições, por não possuir voz radiofônica…”
No ano de 1944, Eduardo Campos passaria a integrar os quadros da emissora, onde pontificava com grande talento Paulo Cabral de Araújo. Com o nome de Manuelito Eduardo, Eduardo Campos passaria a atuar também como locutor, formando ao lado de João Ramos, Heitor Costa Lima, Mozart Marinho, Aderson Braz, Luzanira Cabral (Stela Maria) José Lima Verde etc, todos expressivos locutores desses anos de ouro da radiofonia cearense. Nessa década, a Rádio abriu as portas aos violeiros cearenses no programa Paisagem Sertaneja que ia ao ar às quartas-feiras, produzido por Eduardo Campos.
A primeira novela
O seriado de Amaral Gurgel – “Penumbra” foi a primeira novela apresentada na Ceará Rádio Clube, com o seu próprio “cast” Foi quando Eduardo Campos escreveu então a primeira novela cearense, radiofônica, “Aos pés do tirano” que se transformou em sucesso não apenas no Ceará mas em todo o nordeste. Eram destaques como galãs, nos principais espetáculos de radioteatro, os irmãos Paulo e José Cabral de Araújo. Com ingresso de João Ramos no elenco de locutores e artistas da Ceará Rádio Clube, formou-se a dupla romântica João Ramos-Laura Santos, oriunda de Guaiúba (emancipou-se Pacatuba) onde nasceram, para atuar no rádio cearense, precisamente João Ramos, Paulo Cabral, Luzanira Cabral e Manuelito Eduardo.
Circuito de TV
A pioneira Ceará Rádio Clube, antes de instalar a primeira estação de TV do Ceará, ofereceu aos frequentadores de seu auditório, em 1951, programa em circuito fechado de televisão, operado com câmera Vidicon. Manuelito Eduardo comandou essa pré-apresentação televisiva em Fortaleza, narrando vários programas, inclusive a “Hora da Saudade”, animada com a voz nostálgica de José Limaverde. O ano de 1960 assinalaria o advento da TV, com a inauguração da TV-canal 2, que, dando cumprimento à sua evolução, marcada de tantos êxitos, demandava o mundo fascinante do vídeo. Assis Chateaubriand, convalescente, mandou telegrama para Eduardo Campos: “A você, meu caro capitão tabajara, que chegue meu abraço pela obra titânica realizada em tão pouco tempo”.
Esse abraço não é só para o chefe e seu tacape, mas também para todos os índios flecheiros nessa maloca televisionária. Inexcedível piloto e toda equipagem desafiam ardente entusiasmo pela missão admiravelmente cumprida”.
Produções literárias
Vasta foi a sua produção literária, no campa da dramaturgia, do conto e de outras histórias. “O Morro do Ouro”, a primeira peça teatral, foi encenada pela primeira vez em 1963. Vieram a seguir, “A Rosa do Lagamar”, “O Demônio e a Rosa”, “A Donzela Desprezada” e “A Última Ceia do General”. Na área do conto, produziu: “Águas Mortas” (1943), “Face Iluminada” (1946), “A Viagem Definida” (1949), “Os Grandes Espantos” (1965), “As Danações” (1967), “O Abutre e outras Estórias” (1968), “O Tropel das Coisas” (1970), “O Dia da Caça” (1980). “O Escrivão das Malfeitorias” (1993) “As Mal-maridades” (2001), “A Borboleta Acorrentada” (1998). Em 1980, escreveu “As Irmandades Religiosas do Ceará Provincial”, “Apontamentos para a História” (1980), “Vocabulário Antigo e mais Coisas não Menos Longevas” (2003). Estendendo-se à área do romance, deu-nos “O Chão dos Mortos” (1965) e “À Véspera do Dilúvio” (1966)”.
Expandindo-se ao campo folclórico, escreveu: “Medicina Popular do Nordeste” (edições 1951, 55 e 67), “Estudos de Folclore Cearense” (1960), “Cantador, Musa e Viola” (1973). Ensaio: “A Missão do Escritor e a Crise do Espírito” (1973), em parceria com Artur Eduardo Benevides.
Ceará Rádio Clube
Para comemorar os 50 anos da emissora pioneira da radiodifusão cearense – Ceará Rádio Clube, fundada em 1934 por João Dummar, Eduardo Campos escreveu a sua história em 1984.
Na abertura do livro, o RECADO – Esta não é a história, mas uma história da Ceará Rádio Clube, em que se tenta pela primeira vez recensear fatos, fotos, datas e coordenar informações que confluirão posteriormente para o esclarecimento do passado radiofônico do Ceará. Creiam No entanto uns e outros que me seguem o pensamento: o que se vai ler é o testemunho de quem viveu 40 anos ligados a uma empresa que honra o Ceará e dignifica a todos que nela se realizaram profissionalmente. Dizemos que Eduardo Campos é a própria história da emissora pioneira. Quando o autor desta matéria, Zelito Magalhães, ingressou no ano de 1968 como jornalista no Correio do Ceará, já então pertencente ao grupo dos Diários Associados, teve como chefe Manoel Eduardo Pinheiro Campos. Ele já vinha do ano de 1944, quando passou a integrar os quadros da emissora por ter saído vencedor num concurso de peça radiofônica: Processo de Maria Antonieta. Com o nome de Manuelito Eduardo, Eduardo Campos passaria a atuar como locutor, formando ao lado de João Ramos, Heitor Costa Lima, Mozart Marinho, Aderson Brás, Luzanira Cabral (Stela Maria) Cabral de Araújo, José Lima Verde e Silva Filho, todos expressivos locutores dos anos de ouro da radiofonia cearense.
O advento da Televisão
A pioneira da radiodifusão no Ceará ofereceu em 1951 aos frequentadores do seu auditório, um programa em circuito fechado de televisão, operado com câmera Vidicon. Dois ou três receptores de televisão ficaram situados tanto no interior como na parte exterior do Edifício Pajeú, ali na Rua Sena Madureira, onde se realizou a experiência com bastante sucesso. Manuelito Eduardo comandou essa pré-apresentação, narrando vários programas, inclusive o Hora da Saudade, animado com a voz nostálgica de José Limaverde O ano de 1960 assinalaria o advento da televisão com a inauguração da TV Ceará, canal 2. Às cinco horas da tarde, o locutor Aderson Braz foi ao ar anunciando o evento. Proposto pelo deputado Edval Távora, a Assembleia Legislativa aprovou voto de louvor pelo feito.
Eduardo Campos-Chateaubriand
Assis Chateaubriand, o chefão dos Diários Associados, que convalescia de uma enfermidade, cabografou para Eduardo Campos: “A você, meu caro capitão tabajara, que chegue meu abraço pela obra titânica realizada em tão pouco tempo. Esse abraço não é só para o chefe e seu tacape, mas também para todos os índios flecheiros nessa maloca televisionária. Inexcedível piloto e toda equipagem desafiam ardente entusiasmo pela missão admiravelmente cumprida” Muita gente oriunda do teatro passou a integrar o “cast” da TV dentre esses Ary Sherlock e Emiliano Queiroz (que levaram à cena O julgamento dos animais, de Eduardo Campos, um espetáculo infantil).
A libertação dos escravos
“Imprensa Abolicionista, Igreja, escravos e senhores” trata-se de um estudo que produziu em 1884 como edição Comemorativa do 1º Centenário da Abolição da Escravatura no Ceará – 1884–1894. Abre o livro com a epígrafe colhida do O LIBERTADOR, in editorial, edição de 16 de abril de 1883. A apresentação é do escritor F.S. Nascimento, que diz no corpo do livro – dentre outras colocações: “Já agora, vem Eduardo Campos acrescentando novas achegas à temática que envolve a contemplação de todos nós, neste ano de festejos do 1º centenário da abolição da escravatura no Ceará, reunindo neste volume dois estudos marcados pela sua acuidade ensaística.
Conferência/Palestras
Eduardo Campos proferiu uma conferência no Auditório da Associação Cearense de Imprensa, no dia 24 de janeiro de 1984, em solenidade comemorativa do Ano do Centenário da Abolição no Ceará. No princípio de sua fala, ventila: “As folhas editadas no Ceará, principalmente em Fortaleza, pela década de 1860-69, e seguinte – onde fomos encontrar os principais subsídios para o que ora se menciona – guardam em suas matérias mais simples, quer de redação, quer comerciais, inafastável atenção às regras de bem escrever. Maneira de dizer que tem o tom desses dias e que prevalece nos avisos de escravos fugidos, procurados por seus donos, como ocorre neste anúncio mandado publicar n’A Constituição” de 5 de outubro de 1879; “NEGRINHA DESAPARECIDA – Há uns vinte dias mais ou menos se ausentou da casa da Rua Formosa no 89 a escravinha de nome Maria José, de idade de 9 para 10 anos, e com os sinais seguintes: cabra escura, cabelos carapinhos, pernas grossas e fala muito cheia; tem na mão, no peito e na cabeça sinais visíveis de queimaduras. Roga-se a quem a encontrar e quiser capturá-la, o favor de entregá-la nesta cidade na referida casa, ao Sr. José Ferreira Tavares na Praça do Ferreira no 14; em Maranguape, ao Sr. Manoel de Sá Mello; na Pacatuba, ao Senhor Major Estêvão de Almeida; em soure ao Sr. Antônio Correia, onde receberá gratificação. Suspeita-se que a escravinha tenha sido aceitada, e neste caso proceder-se-á contra quem tal tiver feito. Fortaleza, 30 de set. de 1879” Proferiu no ano de 2002 palestra na Grande Loja Maçônica do Ceará sob o tema “Exercício da Cidadania”.
Uma vida e muitas lutas
Manuel Eduardo Pinheiro Campos comandou os Diários Associados no Ceará, influente grupo de comunicação comandado por Francisco de Assis Chateaubriand. O jornal Unitário e Correio do Ceará, Ceará Rádio Clube e TV Ceará foram, durante anos, presididos por Eduardo Campos.
No Rádio, aprendeu a importância da comunicação de massa. Mesmo ante as agruras do Estado Novo, soube manejar como ninguém esta poderosa arma de comunicação; ele foi submetido a muitos ditames do Estado Novo, entre eles, o de tirar um cartão de inscrição “com retrato, matrícula e tudo” para ter acesso a uma grande arma do período: o microfone – como bem se escreveu no jornal Diário do Nordeste, edição de 20/09/2007.
Medalhas, Troféus, Comendas
Foi merecedor das seguintes distinções: Medalha de Mérito Tamandaré (Min. da Marinha) (1964), Medalha do Pacificador (Min. do Exército) (1969), Medalha de Apreciação – Lions Internacional, Distrito 15 (1969), Medalha de Amigo da Base Aérea de Fortaleza (1970), Certificado de Sócio Benemérito da Casa de Juvenal Galeno (1975), Título de Reconhecimento da Loja Fortaleza nº 3 e Medalha alusiva aos 70 anos da Grande Loja Maçônica do Ceará pela palestra proferida sob o tema “Exercício da Cidadania”, em 14 de agosto de 2002.
Entidades a que pertenceu
Academia Cearense de Letras, que presidiu de 1965 a 1974; Presidente da Academia Cearense de Retórica; Comissão Cearense de Folclore; Conselho Estadual de Cultura; fundador e membro da Associação Cearense de Empresas de Rádio e Televisão (Acert) e seu primeiro presidente. Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, desde 2003. Foi ainda secretário de Cultura e Desporto do governo Virgílio Távora, tendo importante participação na consolidação do sistema estadual de bibliotecas.
Epílogo
“No Jardim Metropolitano”, as últimas e silenciosas despedidas a uma das maiores personalidades Culturais do Ceará. Consolada pela filha Elnira e um dos netos, dona Heldine segurava uma rosa Branca que, apesar da dor, fez questão de jogar pessoalmente sobre o caixão. Não antes de olhar, mais uma vez, para o companheiro com quem viveu por 60 anos. E abençoado pela oração do Pai Nosso, Eduardo Campos se foi. Coberto por centenas de coroas de flores brancas, amarelas, vermelhas… e aplaudido, após uma “Viva Manuelito”.
Eduardo Campos sofrera um AVC hemorrágico. Estava se recuperando, mas às vésperas de deixar o hospital Monte Klinikum faleceu. Ontem, durante o enterro no Jardim Metropolitano, colegas de trabalho relembravam a força do Manuelito no Diários Associados, Unitário, Correio do Ceará, Ceará Rádio Clube e na TV Ceará. “Entre os presentes, o deputado federal Mauro Benevides, o empresário Ivens Dias Branco, o escritor Barros Pinho, o vice-prefeito de Fortaleza, Carlos Veneranda, e o secretário de Saúde do Estado, João Ananias”. (Diário do Nordeste, 21/09/2007). Eduardo Campos deixou o mundo dos vivos no dia 19 de setembro de 2007.