STJ reconhece contradição em julgamento sobre proteção de sementes de milho crioulo à contaminação transgênica

Como determina regra processual, ação civil ajuizada por organizações sociais retornará TRF4 para novo julgamento.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, nesta terça-feira (07) acolher a alegação preliminar das organizações sociais autoras que apontam contradições em julgamento anterior da Ação Civil Pública (ACP) que trata da insuficiência na norma sobre distância entre plantios de sementes de milho crioulas e transgênicas. Os ministros da 1ª turma da Corte acompanharam o voto do relator da ação no STJ, Manoel Erhardt.

Ajuizada em 2009 pela Terra de Direitos, AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Associação Nacional de Pequenos Agricultores e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a ação questiona a insuficiência da Resolução Normativa N° 4/2007.

Editada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), A RN 04/2007 determina uma distância igual ou superior a cem metros entre uma lavoura comercial de milho transgênico e outra de milho crioulo. Na avaliação de pesquisadores, agricultores, movimentos populares e organizações sociais, a distância determinada pela norma é insuficiente porque desconsidera – sendo o milho uma espécie de polinização aberta (cruzada) – que fatores como diversidade dos biomas, clima, extensão do plantio, a ação do vento, e de animais polinizadores, como abelhas, podem implicar risco de contaminação entre os diferentes cultivos.

Apesar de ser o ponto central do mérito da ação, a insuficiência da RN 04/2007 não foi tratada pelos Ministros, os quais, neste momento, se ativeram a uma questão processual anterior. No julgamento desta terça-feira, os ministros do STJ apontaram que houve contradição na decisão do Tribunal Regional Federal (TRF-4) em 2014. Na época, o TRF-4 entendeu que as as normas de distanciamento entre cultivos estabelecidas na Resolução Normativa nº 4/2007 eram suficientes, mas embasaram a decisão em argumentos contraditórios.

Na época, para sustentar a decisão, os desembargadores interpretaram de maneira equivocada o Decreto Federal nº 4.680/2003, que regulamenta a rotulagem de alimentos e obriga a identificação de produtos transgênicos. Segundo o decreto, todos os alimentos que possuam mais do que 1% de ingredientes transgênicos em sua composição devem ser identificados.

Em seu voto, o ministro do STJ, Manoel Erhardt, destacou que o TRF-4 utilizou a interpretação do decreto da rotulagem de formas diferentes.

Em alguns trechos da decisão, o Tribunal Regional Federal tratou o decreto unicamente como uma garantia de direito à informação ao estabelecer que consumidores sejam avisados sobre presença de transgênico nos alimentos. Nesse entendimento, o fato de o decreto estabelecer uma tolerância de até 1% de ingredientes transgênicos para que a rotulagem seja obrigatória não significa uma tolerância à contaminação de alimentos não transgênicos.

No entanto, em outros trechos da mesma decisão o TRF4 argumenta que o decreto autoriza que haja uma tolerância máxima na contaminação transgênica nos alimentos.

Esta dupla interpretação, com contradição de argumentos, fere o Código de Processo Civil, apontam as organizações sociais no recurso especial e reconhece o STJ. Em parecer, o Ministério Público Federal, também destacou que “a norma foi empregada seletivamente, ou seja, ora sendo reconhecida como válida para atender a linha de argumentação adotada” pelo TRF4.

“Em dado momento o parâmetro para verificar a adequação da Resolução Normativa [pelos desembargadores do TRF4] seria a obediência de 1%. Em outro momento, diz o acórdão que este decreto é irrelevante para a decisão da questão”, aponta o Ministro relator Manoel Erhardt, na decisão tomada nesta terça-feira (7).

As organizações já haviam destacado a contradição ao TRF-4. No entanto, os desembargadores federais do Tribunal não modificaram sua decisão em 2014. Diante disso, as organizações acionaram o Superior Tribunal de Justiça. “Agora as organizações têm uma nova possibilidade de trazer os argumentos ao TRF4, o qual não deverá utilizar a norma de forma contraditória, ou para atender uma posição pré-determinada”, explica a advogada na Terra de Direitos, Naiara Bittencourt.

“É uma vitória, mesmo que parcial”, destaca o assessor técnico da AS-PTA, Luciano Silveira. Agora, a expectativa é que o TRF-4 tenha celeridade em um novo julgamento. “Já se passaram 12 anos desde que a ACP foi apresentada pelas organizações sociais e os prejuízos decorrentes da morosidade no julgamento são incalculáveis. Produziram danos irreparáveis para agricultores, agricultoras, povos e comunidades tradicionais, assim como para o patrimônio genético por eles cultivados e conservados”, completa.

O processo agora será remetido novamente ao TRF4, ainda sem data de novo julgamento.

 

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