Governo cobra juros em financiamentos habitacionais
Medida Provisória que cria Casa Verde e Amarela recebeu 547 emendas e aguarda relator na Câmara dos Deputados. MP 996 determina que famílias de baixa renda passem a pagar juros pela casa própria. Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) avalia programa do governo Bolsonaro como “retrocesso” e volta a criticar descaso do Executivo com Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida
Brasília, 17/09/2020 — Com 547 emendas, a medida provisória que cria o Casa Verde e Amarela em substituição ao Minha Casa Minha Vida (MCMV) aguarda designação de relator na Câmara dos Deputados. Se a MP 996/2020 não for votada pelas duas Casas legislativas (Câmara e Senado) até o próximo dia 24 de outubro, ela perde validade. Conforme a MP, a parcela mais carente do novo programa habitacional — composta também por famílias com renda mensal até R$ 1,8 mil, abrangidas pela atual Faixa 1 do MCMV — passa a ter que pagar juros anuais a partir de 4,25% nos financiamentos da casa própria.
Criado em março de 2009, o Minha Casa Minha Vida concede aos mutuários da Faixa 1 um subsídio do governo correspondente a 90% do valor da moradia. Os outros 10% podem ser pagos em até 120 prestações mensais (por um período de dez anos), que variam de R$ 80 a R$ 270, sem qualquer incidência de juros.
No entendimento do presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Sérgio Takemoto, o Casa Verde e Amarela representa um “retrocesso” e é parte do que ele classifica como “desmonte do Estado brasileiro”. “Esperamos que o Congresso modifique esta medida provisória porque o que foi apresentado não é um projeto nacional para o enfrentamento do déficit no setor de habitação”, afirma. “O programa do governo Bolsonaro é bem diferente do Minha Casa Minha Vida, que carrega uma função social muito forte”, acrescenta Takemoto.
O presidente da Fenae também observa que a Caixa Econômica sempre teve papel fundamental na viabilização do MCMV. “Agora, com base em uma política de caráter privatista, o financiamento do Casa Verde e Amarela prevê a participação de bancos privados. Essa é mais uma tentativa para enfraquecer a Caixa 100% pública, social e forte, abrindo caminho para que a estatal fique menor e seja comprometida em sua atuação como principal agente operador das políticas públicas do país”, reforça Sérgio Takemoto.
Cerca de 70% do crédito habitacional é feito pela Caixa Econômica e 90% dos financiamentos para pessoas de baixa renda estão na Caixa. Além de moradias populares — como as do programa Minha Casa Minha Vida — o banco público também investe nas áreas de saneamento, saúde, infraestrutura, agricultura familiar e nas micro e pequenas empresas.
EMENDAS À MP — De acordo com levantamento feito pelo Senado, a maioria das emendas apresentadas à MP 996 defende mais participação popular no Casa Verde e Amarela. Elas reforçam que seja garantida a aquisição e ocupação dos imóveis por cidadãos de baixa renda, pessoas com deficiência e aquelas que vivam em situação extrema de vulnerabilidade.
Autor de uma emenda que busca incluir no texto da medida provisória o repasse mínimo de R$ 5 bilhões anuais para financiar novas operações às famílias com renda mensal até R$ 1,8 mil, o senador Jacques Wagner (PT-BA) justifica a proposta: “As famílias de baixa renda não têm capacidade de tomar financiamentos. E é neste setor que se concentra o maior déficit; então o Estado deve garantir subsídios para a população mais pobre ter acesso à moradia”.
Randolfe Rodrigues (Rede-AP) propôs alterações que estabelecem que o percentual dos recursos do Casa Verde e Amarela destinados ao segmento da população com a menor faixa de renda não seja inferior a 40% do total do investimento público no programa. Outra emenda do senador atribui à Caixa Econômica a gestão operacional dos recursos destinados à concessão de qualquer tipo de subvenção do Casa Verde e Amarela. “A Caixa tem a expertise e a competência comprovadas para esse trabalho”, ressalta o parlamentar.
Uma das 13 emendas do senador Rogério Carvalho (PT-SE) estabelece que o programa do governo Bolsonaro deverá beneficiar famílias com renda familiar mensal até R$ 1,8 mil, justamente a Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida e a que concentra o maior déficit habitacional. A emenda também abrange moradores de áreas de risco e insalubres, que tenham sido desabrigados ou desalojados ou que perderam a casa em razão de desastres naturais, além de famílias que tenham pessoas com deficiência e com mulheres responsáveis pela manutenção da casa.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) apresentou emenda para garantir um subsídio de 75% do valor do financiamento às famílias com renda mensal até um salário mínimo e ainda um subsídio de 50% aos mutuários com renda de um a dois salários mínimos. Já o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) propôs que, nos segmentos de menor renda, a subvenção incida não apenas sobre os juros mas também sobre o valor do financiamento, de modo a reduzir o saldo devedor a ser amortizado pelo mutuário.
RENEGOCIAÇÃO — Como forma de favorecer pessoas inadimplentes junto ao Minha Casa Minha Vida, o senador Randolfe Rodrigues sugere uma renegociação cujos descontos sobre multas e juros podem atingir 90% do valor devido. A dedução cairá à medida que for ampliado o prazo de pagamento, que pode chegar a até dez anos.
Há quase dois meses (desde 21 de julho), está parado no Senado o projeto de Lei 795/2020, que permite a suspensão, durante a pandemia do coronavírus, do pagamento das prestações habitacionais pelos mutuários da Faixa 1 do MCMV. Como lembra Sérgio Takemoto, a Fenae defende, desde o início da crise econômica provocada pela covid-19, a pausa no pagamento das prestações por esta parcela da população, a exemplo do que foi concedido peĺo governo para outros mutuários e grupos do Minha Casa Minha Vida.
“Essas famílias que compõem a Faixa 1 também estão sem renda e mal têm condições de se sustentar. Imagine, manter o pagamento das prestações”, observa Takemoto. “Vamos continuar defendendo a manutenção dos programas sociais no país; inclusive, a retomada dos investimentos à Faixa 1 do MCMV”, completa o presidente da Federação.
DESCASO DO GOVERNO — A exclusão dos brasileiros mais necessitados das políticas habitacionais do governo Bolsonaro vem sendo denunciada há meses pela Fenae. Conforme alertas feitos pela entidade junto a diferentes órgãos do Executivo federal, esta parcela da população continua sendo a única não beneficiada pelas pausas no pagamento das prestações da casa própria.
No final de julho, a Fenae enviou ofícios à direção da Caixa e também ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) solicitando informações sobre a não inclusão da Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida em nova prorrogação da suspensão do pagamento dos financiamentos habitacionais. Em maio e julho, o governo concedeu e prorrogou pausas na quitação das prestações — em um total de 180 dias — para todos os mutuários do país, incluindo três faixas do MCMV: 1,5, 2 e 3.
BAIXA RENDA — Além de não ser prioridade do atual governo manter os financiamentos para os brasileiros mais carentes, há milhares de unidades da Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida aguardando recursos federais para serem finalizadas e entregues.
O secretário nacional de Habitação do MDR, Alfredo Eduardo dos Santos, afirmou publicamente, ainda no primeiro semestre deste ano, que “não deverá haver atualização” em relação à faixa que atende a famílias com renda até R$ 1,8 mil. “Não temos imaginado alteração nessa [faixa de] renda pois consome muito subsídio”, disse o secretário, durante videoconferências com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e a Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
MUDANÇAS — O Casa Verde e Amarela modifica programas e legislações anteriores ao mesmo tempo em que suprime o papel de controle social previsto na lei do Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). A lei do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) é alterada e as definições sobre financiamentos, taxas aplicadas e outros critérios deixam de ser realizados dentro do SNHIS e passam a ocorrer apenas no âmbito do Conselho Curador do FGTS, com a Caixa na condição de agente operador.