Papel do STF na proteção ambiental e no cumprimento do Acordo de Paris é exaltado em evento do Brazil Climate Hub
Representantes da “bancada do cocar” agradeceram pessoalmente ao ministro Luís Roberto Barroso pela atuação do Supremo Tribunal Federal como “guardião da florestas” e do “bem comum”.
Por Tatiane Matheus e Daniela Vianna, ClimaInfo
O Brazil Climate Hub teve seu espaço concorrido, na tarde desta quinta-feira (10/11), pela audiência que lotou o espaço para assistir ao debate intitulado “Aproveitando o poder da lei para garantir o alinhamento dos compromissos climáticos, corporativos e financeiros com o Acordo de Paris: Desenvolvimentos e Oportunidades no Brasil e no Exterior”. Logo no início do painel, Joênia Wapichana (Rede Sustentabilidade-RR) – primeira mulher indígena eleita deputada federal no país – fez um agradecimento público ao ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso pelas decisões da instância máxima do judiciário brasileiro na proteção das terras indígenas, inclusive das terras Yanomami, localizadas em sua maior parte em Roraima, estado que Joênia representa no Congresso Nacional. “Foi necessário se levar a questão à última instância, ao STF, uma vez que havia falta de vontade política e omissão na aplicação do direito”, disparou a parlamentar, que também é advogada. “O Supremo, hoje, é nosso guardião, não só das florestas, mas do nosso bem comum, do direito dos povos indígenas e do meio ambiente”, reforçou. “O Supremo Tribunal Federal é o guardião de nossa floresta, mas (também) do nosso bem comum. Do direito dos povos indígenas, mas do direito ao meio ambiente”, ressaltou a deputada Joênia. Por fim, disse que “o marco temporal (de demarcação de terras indígenas) afronta aos direitos constitucionais, o direito originário, exclusivo e reconhecimento como cláusula pétrea — que não apenas salva terras indígenas, mas sim o planeta e reverte a crise climática”.
Sônia Guajajara (PSOL-SP), eleita deputada federal no pleito deste ano pelo PSOL, no Estado de São Paulo, destacou a importância de se aumentar a pressão para que os acordos internacionais possam virar políticas nacionais e para que elas sejam implementadas de forma local.
O Acordo de Paris é um tratado de direitos humanos, e o papel do Judiciário ao redor do mundo é primordial para a proteção desses direitos diante do contexto da crise climática. Caio Borges, coordenador do portfólio de Direito e Clima do Instituto Clima e Sociedade (iCS), mediou a roda de conversa. Ele destacou que o poder judiciário vem se tornando um espaço de discussão, decisão e incidência da sociedade civil para a questão climática, tanto para conter retrocessos, quanto para que os países sejam mais ambiciosos nas metas para uma sociedade de baixo carbono.
O ministro Luís Roberto Barroso ressaltou a importância do judiciário para assegurar o cumprimento da Constituição Brasileira de 1988 – que possui um capítulo dedicado ao Meio Ambiente –, bem como o cumprimento do Acordo de Paris. “O problema das mudanças climáticas é visto como algo político e, muitas vezes, é ignorado, ou há um negacionismo sobre o assunto, mesmo que seja comprovado de forma unânime pelos cientistas”, afirmou. Outro desafio, segundo ele, é que a política vive de circunstâncias de curto prazo, e as consequências do aquecimento global podem aparecer em muitos anos. “No Brasil, nós tratamos a questão ambiental como uma questão jurídico-constitucional e não apenas como uma questão política. Por isso, está legitimada a intervenção do Supremo. Segundo lugar, o Supremo reconheceu que o Acordo de Paris é uma modalidade de Tratado de Direitos Humanos, o que, no Brasil, tem um significado jurídico muito importante. Por ser um tratado de Direitos Humanos, coloca essa deliberação internacional acima da legislação interna e acima das decisões administrativas do poder executivo”, explicou o ministro. Barroso prosseguiu dizendo que “ainda quando não se possa exigir, com base do tratado, algum eventual comportamento, é possível invalidar os comportamentos que contrariam o tratado, pois essa foi uma obrigação internacional assumida pelo Brasil. No caso brasileiro, a legislação interna incorporou as obrigações do tratado. Desse modo, os compromissos que o Brasil assumiu internacionalmente se tornaram legislação interna. O seu descumprimento é o descumprimento da lei. E o papel de um tribunal é fazer cumprir as leis quando elas eventualmente sejam descumpridas”, disse.
Portanto, as reduções de emissões com as quais o Brasil se comprometeu no âmbito do Acordo de Paris devem ser asseguradas. Barroso explicou que, no país, as políticas governamentais adotadas nos últimos anos foram na direção contrária ao que determina a Constituição e os tratados internacionais. Houve um desmonte das agências ambientais responsáveis pela proteção ambiental e pela proteção das comunidades indígenas, que são duas questões completamente conectadas. Desde 2019, houve ainda um aumento progressivo do desmatamento da Amazônia. “A realidade fática influencia como um tribunal interpreta a legislação e a realidade. No caso brasileiro, a Constituição tem um dispositivo, que é o artigo 225, que diz que a proteção ambiental é um direito fundamental do cidadão e um dever do Estado, que também dá uma conotação jurídica diferenciada a essa matéria”, explicou.
A deputada eleita Sônia Guajajara defendeu que, ao se falar das soluções à crise climática, não há como não pensar na presença de povos indígenas e tradicionais. Para ela, sem demarcar as terras indígenas, regularizar terras quilombolas, valorizar os diferentes modos de vida e respeitar os direitos culturais, ninguém vai chegar a lugar algum. Sônia citou, ainda, a importância da “bancada do cocar” como contraposição à bancada do agronegócios, embora não considere que isso seja o suficiente para uma real mudança. “É importante ocupar espaços no Executivo”, afirmou, reforçando também que as empresas precisam assumir suas responsabilidades nesse processo. Sônia ressaltou, por fim, a importância de se respeitar todos os diferentes modos de vida e de haver uma mudança nos sistemas alimentares, uma vez que 70% do que os brasileiros comem é produzido pela agricultura familiar, e não por monoculturas.
Litigância climática pelo mundo
Participaram do evento também três juristas internacionais. Um deles, o professor da Universidade de Nova York César Rodríguez-Garavito, atua com litigância climática e é estudioso de como os diferentes tribunais do mundo vêm tratando o assunto. Para Garavito, o Brasil mostrou que o estado de direito existe no país, e que a democracia é fundamental para que se alcance a justiça ambiental.
A advogada Sophie Marjanac descreveu uma causa ocorrida com povos originários da Austrália na qual as consequências das mudanças climáticas mudaram o ecossistema do lugar onde viviam trouxeram vários transtornos à comunidade. A causa demonstrava que, se os nativos tivessem que sair da ilha, eles iriam ficar desconectados de sua cultura, além dos demais prejuízos. Ademais, perder povos e culturas, é uma perda para a humanidade. A decisão do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas foi de que a Austrália estava violando o direito de cultura e família e teria que compensar os habitantes da ilha pela perda de suas casas e que isso não poderia acontecer mais. A importância desta decisão foi de mostrar que qualquer povo que possa vir a se tornar refugiado climático deve ser cuidado por seu país e também de contribuir para as ações relacionadas aos deveres e responsabilidades dos Estados, ainda mais em um momento em que se debate sobre perdas e danos.
Já Gerry Liston trouxe o caso onde seis jovens abriram um processo na Corte de Direitos Humanos de Estrasburgo contra 33 Estados pelas consequências das mudanças climáticas por suas ações. Também deu outros exemplos. Explicou que todas as ações climáticas vêm ajudando a fazer com que alguns países mudem de atitude e se responsabilizem pelas emissões das quais são responsáveis para além de suas fronteiras. Acrescentou, ainda, que a maioria dos casos levou à redução de emissões e, no geral, as decisões desses tribunais estão sendo ágeis pela urgência.
NDC brasileira
O painel seguinte apresentou uma análise técnica e de implementação da NDC brasileira, considerando o histórico de atualizações realizadas pelo governo federal desde 2020. O estudo mostrou que as metas climáticas do Brasil não respondem aos requisitos solicitados pela ONU. A falta de transparência e os equívocos nos compromissos assumidos foram alguns dos pontos de atenção levantados.
No final do dia, ocorreu a exibição do documentário inédito “O Território”, com a presença das ativistas indígenas Neidinha Bandeira e Txai Suruí. Ele apresenta a devastação que a comunidade indígena enfrenta à medida que suas terras e habitantes são progressivamente atacados por agricultores e madeireiros.
A íntegra dos dois painéis está disponível neste link.
Todos os eventos foram gravados e estão disponíveis em português e ingles no website do Brazil Climate Hub.
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Crédito da foto: Cristina Amorim/ClimaInfo