Microrganismos do bem ajudam a ciência a combater pragas nas lavouras
Vírus, bactérias e fungos letais (mas inofensivos ao homem e ao ambiente) podem combater, por exemplo, nuvens de gafanhotos, mosquitos da dengue e malária
Agricultores brasileiros, empresas do setor agrícola, cooperativas, universidades e instituições de pesquisa do Brasil e de outros países contam com um universo de milhares de espécies de seres microscópicos capazes de destruir pragas (insetos, plantas indesejáveis e agentes causadores de doenças) que devastam lavouras e tiram o sono dos produtores – como, por exemplo, gafanhotos. Esses insetos, considerados os principais devastadores de vegetações em algumas regiões do planeta – com apetite para comer até 100% do seu peso corporal em folhas, por dia, dependendo da espécie -, podem ser controlados por uma espécie de fungo da coleção microbiana da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília-DF).
Considerados fundamentais à pesquisa agropecuária, especialmente quando os cientistas buscam uma agricultura sustentável, os microrganismos como o fungo Metarhizium acridum, que combate inúmeras espécies de gafanhotos, compõem a coleção microbiana da Unidade. Ele está catalogado no Alelo Micro, parte do Portal Alelo, página localizada no portal da Unidade na internet, com informações de recursos genéticos animal, microbiano e vegetal. Somente os dados sobre microrganismos reúne 28 coleções com um total de 53 mil linhagens microbianas, segundo a pesquisadora Cléria Inglis, chefe geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.
Conforme Cléria Inglis, o Alelo Micro disponibiliza materiais a instituições parceiras, por meio de um acordo, sejam elas nacionais ou internacionais. Lá, cientistas e estudantes vão localizar com rapidez dados como gênero e espécie de microrganismos. Das 28 coleções, 22 estão disponíveis para o público, sendo as demais apenas a curadores de organizações de pesquisa.
Para se ter uma ideia da importância dos microrganismos à agropecuária, em especial para o controle biológico e as diferentes possibilidades para produção em biofábricas, o pesquisador Marcos Faria, especialista em fungos que atua no Laboratório de Micologia de Invertebrados desse centro de pesquisa da Embrapa, relata que o grau de letalidade do Metarhizium acridum para os gafanhotos chega a 80%. Em testes de campo realizados no Mato Grosso com o gafanhoto Rhammatocerus schistocercoides, as ninfas (gafanhotos jovens que ainda não conseguem voar) não resistiram ao ataque desse fungo.
O combate ocorre na lavoura, mas antes de tudo os fungos são preparados numa biofábrica e transformados em um poderoso bioinseticida, feito à base de óleo. Depois, as lavouras são pulverizadas com o líquido, especialmente nos nascedouros dos gafanhotos, atingindo as ninfas. “Hoje essa é uma prática bastante usada na África e Austrália”, comenta Faria. Na prática, o processo se dá porque os esporos produzidos pelo fungo conseguem germinar sobre o corpo do gafanhoto e, posteriormente, penetram no interior dele, o que resulta na morte do inseto.
O Metarhizium acridum foi testado por pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia no município de Campo Novo dos Parecis (MT), num trabalho conjunto com o Centro Internacional de Cooperação em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (CIRAD/França). Na época, aquela região sofria ataques do Rhammtocerus schistocercoides, de hábito gregário, que se alimenta exclusivamente de gramíneas e que não tem capacidade de longos deslocamentos. “Isso foi no final dos anos 90, começo dos anos 2000, e procuramos um método de controle eficiente e seguro.” Com a chegada da soja, algodão e outras lavouras não graminívoras, o gafanhoto perdeu o status de praga. Desde então os ataques por esses insetos em território brasileiro têm sido esporádicos, embora em áreas de fruticultura e floricultura da região Nordeste tenha ocorrido mais frequentemente”, observa Marcos Faria.
Segundo o pesquisador, embora o controle de nuvens de gafanhotos adultos com elevada capacidade de deslocamento – como o recentemente ocorrido na Argentina com a espécie Schistocerca cancellata – seja desafiador aos cientistas, é importante destacar que o risco de ocorrer a entrada dessa praga no Brasil expõe a necessidade de uma maior interação entre os países envolvidos, com ações coordenadas, visando o controle biológico das ninfas nos nascedouros. Isso porque as instituições de pesquisa da Argentina, Bolívia e Paraguai conhecem os hábitos dessa espécie e a troca de informações proporcionaria mais agilidade no combate.
Bactérias para bioinseticidas
O exemplo da eficácia do fungo Metarhizium acridum é apenas um dos benefícios dos microrganismos para uso no controle biológico. Um outro microrganismo ilustra a importância dos recursos genéticos para o avanço da sustentabilidade na agricultura e de como as instituições podem ter, no Alelo Micro, uma fonte de pesquisa – além de possibilidade de obter os materiais no Brasil, em vez de solicitarem a organizações estrangeiras. Trata-se das bactérias entomopatogênicas, usadas como base para produção de bioinseticidas que ajudaram os cientistas da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia disponibilizar ao mercado inseticidas biológicos para combater larvas mosquito da dengue, larvas do mosquito transmissor da malária, além de diversos produtos para controlar lagartas (das culturas da soja, algodão, entre outras).
Minúsculas, inofensivas ao homem e ao ambiente, mas tóxica a insetos e pragas, estas bactérias – entre muitas outras – estão no “catálogo” do Alelo Micro e têm ajudado a aumentar o uso de bioinseticidas nas lavouras do Brasil. Conforme a pesquisadora Rose Monnerat, do coordenadora do Laboratório de Bactérias Entomopatogênicas, dados de 2018 apontam que esses produtos foram usados 11 milhões de hectares no país, havendo um crescimento na adoção deles de pelo menos 20% ao ano. Uma informação importante é que o agricultor pode produzir os bioinseticidas, mas para isso é necessário que seja capacitado nos cursos oferecidos pela Embrapa neste tema.