Luiz Gonzaga. O Rei do Baião
A trajetória do ilustre nordestino que levou ao Sul do País a
música interpretativa da vida e os costumes de um povo –
“Asa branca”, considerada uma espécie de hino oficial do Nordeste Brasileiro – Como tudo começou em parceria com
o médico José Dantas – O cearense Humberto Teixeira, autor
dos maiores sucessos do “Gonzagão” – O Maçom e seu Hino
Por Zelito Magalhães
Origem
Segundo filho de Ana Batista de Jesus Gonzaga do Nascimento e o 8º de Januário José dos Santos do Nascimento, Luiz Gonzaga nasceu na Fazenda Caiçara, povoado de Araripe, no Exu (PE) a 13 de dezembro de 1912. Ainda jovem, revoltando-se com a imposição do pai que não permitia o namoro da filha de nome Nazarena, Luiz fugiu para Fortaleza, no ano de 1930. Assentando praça no Exército, precisamente no Quartel 23º BC,onde tornou-se o corneteiro 122, também conhecido como “Bico de aço”. Viajou por vários estados brasileiros, sem dar notícias à família. Em 1937, foi transferido para Ouro Fino (MG) onde conheceu o advogado Raul Apocalipso que organizava festas no Clube Édene o convidou para apresentações. Após nove anos de caserna, Luiz Gonzaga deixou a vida militar e foi residir no Rio de Janeiro.
Os primeiros passos
Na capital da República, em 1940, procurou uma oportunidade nos programas de calouros. Foi aprovado no “Calouros em Desfile”, de Ary Barroso, na Rádio Tupi, e no Programa “Papel Carbono” de Renato Murce, na Rádio Clube. Inspirado no cantor gaúcho Pedro Raimundo, decidiu imitá-lo na Rádio Nacional. Chegando ao programa metido num Summer que não expressava nada de sua música, o diretor Floriano Faissal o repreendeu: “Aqui não é casa de cangaceiro”. Porém, aos poucos, os dirigentes das emissoras foram se acostumando com o traje e o fato de ter abandonado as valsas, os tangos, etc. Dava início a um novo tipo de dança: o xaxado.
O profissional
Somente no ano de 1943, o sanfoneiro Gonzaga assinou o primeiro contrato para atuar em casa de diversão no Rio de Janeiro. Estendendo suas atividades profissionais, fez uma temporada no Cassino Ahu, em Curitiba. Foi quando começou a ser chamado de “O maior acordeonista do Brasil” e o “Maior Sanfoneiro Nordestino”, denominação esta que veio por conta do maior radialista da época – Cesar de Alencar (Ermelindo Cesar de Alencar Mattos, cearense de Fortaleza). Segundo crítico musical Ricardo Cravo Albin, “Luiz Gonzaga não era apenas o melhor entre todos os cantores de alma sertaneja, mas também o mais importante cantor-músico-compositor que o nordeste já produziu”
O primeiro parceiro
Na primeira metade dos anos 40, orientado pelo cunhado, o consagrado pianista e compositor Lauro Maia, o cearense de Iguatu Humberto Teixeira chega ao Rio de Janeiro, onde prossegue nos estudos. Apresentado a Luiz Gonzaga, dali nasceu a parceria que levaria a um novo tipo de música popular brasileira que contagiaria todo o País, ultrapassando fronteiras. São dessa gloriosa época as verdadeiras mensagens sociológicas renovadoras de hábitos e costumes: Meu pé de serra, Assum preto, Kalu, Estrada de Canindé, Adeus Maria Fulô, Juazeiro, Paraíba, Dona de teus olhos e Asa branca – esta considerada uma espécie de hino oficial do Nordeste Brasileiro. Doconterrâneo que ficou conhecido por Zé Dantas (o médico José de Souza Dantas Filho) gravou em parceria: “Vem, morena (1950) “Derramar o gás” (1950) e “Siri jogando bola” (1956). Em 1946, Luiz Gonzaga voltou pela primeira a Exu e teve um emocionante reencontro com seus pais Januário e Santana. O reencontro é narrado na composição “Respeita Januário” em parceria com Humberto Teixeira.
Os amores de Gonzagão
Chamava-se Odaléia Guedes dos Santos (“Léia”) a cantora de coco e samba que Luiz Gonzaga conheceu no Rio de Janeiro por volta de 1945.
A jovem estava reconhecidamente grávida. Indo morar juntos, Luiz assumiu a paternidade da criança, dando-lhe o nome de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, que acabaria também seguindo a carreira artística. Ao atingir a maioridade, como cantor, Gonzaga do Nascimento adotou o nome de “Gonzaguinha”. Rompendo com Odaléia, no ano de 1946 Luiz Gonzaga conheceu em um show a professora Helena das Neves Cavalcanti. Tornando-se esta sua secretária, logo passou a controlar as datas dos shows e dirigir o patrimônio do cantor. Casando-se no ano seguinte, o artista homenageou a esposa com o baião “Madame baião”, composto em parceria com David Nasser:
Helena, traz a sanfona
Depressa, meu coração
Quero mostrar pra’esses cabras
Como se canta um baião.
Nos braços de minha Helena
Encontro consolação
Tocando a minha sanfona
Alegro o meu coração
Beijando Helena Morena
Tenho mais inspiração.
Se ganho pão para uma
A outra não ganha pão (…)
Não/não/não é conversa não.
Luiz e Helena não tiveram filhos e permaneceram juntos até o fim da sua vida. Abrimos um parêntesis para a seguinte informação: em entrevista que concedeu aos jornalistas Marcos Cirano e Pedro Luiz, num apartamento no bairro de Boa Viagem, em 17 de outubro de 1988, portanto, nove meses e 16 dias antes de sua morte, Luiz Gonzaga faz um comovido balanço da trajetória do artista que teve. Em vários momentos, ele chora ao reconhecer que já não tem saúde para ficar de pé sem o auxílio das duas muletas. Critica o duro jogo de interesses do mercado fonográfico. E decide assumir, através da imprensa, o romance que manteve em segredo por 13 anos com sua última mulher, Edelzuita Rabelo, a dona do apartamento onde a entrevista aconteceu. “Pode botar aí no jornal que o charme da minha vida agora é Edelzuita!”. Era ela uma sertaneja nascida em São José do Egito (PE). Tinha ela sido noiva de Irandir Costa, que fazia o papel de Otrope, parceiro do Coronel Ludugero, ambos falecidos em acidente de avião, ocorrido em Belém do Pará no ano de 1970.
O intérprete de um povo
Conhecido como Rei do Baião, o filho de Exu foi considerado uma das figuras mais completas e criativas da música popular. A sua originalidade residia na arte de cantar, acompanhado de sua sanfona, zabumba e triângulo. O xote, o xaxado e o forró pé-de-serra completavam a sua arte. A maior tragédia ecológica de 1877, que deixou um saldo de milhares de nordestinos mortos; o lundu de Eduardo das Neves, intitulado “Pobres flagelados” (gravado em disco no ano de 1915) a toada “Légua Tirana” (Luiz Gonzaga-Humberto) bem descrevem os sentimentos e a alma do sofrido povo sertanejo ao lado das injustiças impostas pelos mandatários às áridas terra, ao sofrido sertão.
Légua Tirana foi lançada no ano de 1949 (disco RCA Victor). Eis as estrofes:
Ó que estrada mais comprida!
Ó que légua tão tirana!
Ai se eu tivesse asa
Inda hoje eu via Ana.
Varei mais de vinte serra
De alpercata e pé no chão
Mesmo assim inda farta
Pra chega no meu rincão.
Trago um terço pra Das Dores
Pra Raimundo um violão
E pra ela, e pra ela
Trago eu e o coração
O Maçom e sua “Acácia”
Luiz Gonzaga foi iniciado Maçom na Augusta e Respeitável Loja Simbólica Paranapuan Nº 1477, do Grande Oriente do Brasil, Oriente da Ilha do Governador-RJ. Aprendiz Maçom em 3 de abril de 1971, Companheiro em 14 de dezembro de 1972 e Exaltado a Mestre em 05 dezembro de 1973. Nos Graus Filosóficos, iniciado no Gr. 4 em 29 de agosto de 1984. A letra de“Acácia Amarela” foi elaborada por Luiz Gonzaga em 1982, com melodia do Maçom Orlando Silveira. A composição é executada durante as reuniões das Lojas de Potências maçônicas do Brasil. Ei-la:
Ela é tão linda, é tão bela
Aquela acácia amarela
Que a minha casa tem
Aquela casa direita
Que é tão justa e perfeita
Onde eu me sinto tão bem.
Sou um feliz operário
Onde aumento de salário
Não tem luta nem discórdia
Ali o mal é submerso
E o Grande Arquiteto do Universo
É harmonia, é concórdia.