Hidrogênio verde: protagonismo do Ceará fomenta pesquisa científica e produção acadêmica na área

Entre os muitos fatores que tornam o Ceará um importante player no cenário global de transição energética, a força do trabalho conjunto entre poder público, iniciativa privada e academia ganha destaque. O grande potencial do Estado para se tornar um dos principais produtores e exportadores de hidrogênio verde (H2V) no país tem estimulado cada vez mais pesquisadores cearenses a se debruçarem sobre o tema, desenvolvendo estudos e tecnologias capazes de trazer o chamado “combustível do futuro” para os dias de hoje.

 

Desde a primeira edição, em 2022, o FIEC Summit reconhece projetos de pesquisa e trabalhos acadêmicos que propõem soluções inovadoras nas áreas de obtenção, armazenagem, transporte, distribuição, certificação e utilização do H2V. As inscrições para o evento deste ano, que acontece nos dias 12 e 13 de agosto, já estão abertas.

 

No ano passado, uma das iniciativas premiadas, de autoria de pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e Universidade Federal do Ceará (UFC), prevê a implantação de um sistema de produção distribuída de hidrogênio verde a partir de efluentes da indústria. A ideia é que o processo seja complementar ao de grande escala.

 

“Ao contrário de outras pesquisas, o foco é o mercado interno, pensando na cadeia produtiva do HV e buscando promover atuação de grandes e pequenas empresas no Estado”, explica Mona Lisa Moura de Oliveira, Pesquisadora dos Laboratórios Associados de Inovação e Sustentabilidade da Uece e orientadora do projeto, que se encontra em fase de finalização.

 

Desde 2009, Mona Lisa estuda o H2V produzido com biomassa. Nos últimos anos, contudo, a crescente busca por alternativas aos combustíveis fósseis criaram um ambiente favorável à pesquisa científica na área.

 

“O H2V tem incentivado um ecossistema produtivo pungente no âmbito da transição energética, fomentado intensamente nos últimos anos. Assim que a primeira empresa produzir o H2V propriamente dito, o Ceará estará validando todo esse esforço e energia, transcendendo muitos desafios e abrindo verdadeiramente as portas da transição energética no Estado”, afirma a Professora.

Reuso de água na indústria 

 

A utilização de efluentes tratados para produzir hidrogênio também é objeto de estudo de Paulo Henrique Pereira Silva e André Gadelha de Oliveira, pesquisadores da Universidade de Fortaleza e vencedores da 3ª colocação entre os projetos selecionados no FIEC Summit 2023. O trabalho propõe soluções para duas problemáticas: a disponibilidade de água no Estado para a indústria de H2V e o desafio de universalizar o acesso aos serviços de esgotamento sanitário.

 

“Para a produção do hidrogênio verde, é necessário um fornecimento contínuo de água. Esta deve vir da dessalinização da água do mar ou do tratamento da água de reuso, pois não pode haver concorrência desse mineral entre setor industrial e consumo humano, principalmente em nossa região que possui dificuldades hídricas históricas”, pontua Paulo Henrique. “A pesquisa propõe então realizar o tratamento de água pela técnica de eletrocoagulação, que transforma o esgoto em água potável e ao mesmo obtém hidrogênio verde como um subproduto do processo. Esse hidrogênio tem potencial para ser comercializado e tornar a operação atrativa financeiramente”, acrescenta.

 

O projeto avança aos poucos. Segundo Paulo Henrique, a etapa inicial da pesquisa está sendo concluída e pode se desdobrar em investigações mais específicas. Agora, a dupla tenta dialogar com o setor produtivo para que o trabalho ganhe perfil comercial.

 

Para o pesquisador, o hidrogênio verde é um tema que tem atraído a atenção da comunidade científica cearense, em especial diante de fatores que tornam o Estado referência no assunto. Um exemplo é a implantação do Hub de Hidrogênio Verde, em 2021, por meio da parceria entre o Governo do Estado, o Complexo do Pecém, a UFC e a FIEC. Mais de 30 empresas já assinaram memorandos de entendimento para atuarem na região.

 

“Além de posição geográfica estratégica, que beneficia não somente a logística de exportação, o Ceará também é favorecido fortemente pela oferta de energia solar e eólica pela natureza. Além disso, demonstra um forte comprometimento entre Governo do Estado, indústria e academia. Nesse sentido a FIEC se destaca porque promove a união entre esses entes de maneira orgânica e eficaz. O próprio evento FIEC Summit é a prova disso”, ressalta Paulo Henrique.

 

Segurança operacional

 

Em outra frente, os pesquisadores Marcos Camargo e Marcial Fernandez, juntamente a Mona Lisa Moura, anteciparam uma demanda que aumenta à medida em que os estudos na área se intensificam e a indústria de hidrogênio se consolida.

 

O grupo desenvolveu um monitor e detector para gases inflamáveis oriundos da obtenção do combustível, de forma a identificar vazamentos e evitar acidentes nos ambientes de pesquisa e trabalho.

 

Marcos Camargo, que atuou no setor de Petróleo e Gás, afirma que o projeto surgiu em decorrência da falta de diretrizes claras ou atualizadas sobre a segurança no processo de produção do hidrogênio. “O projeto foi importante para mostrar à academia e às empresas que devemos pensar também no entorno do processo de obtenção de hidrogênio, não somente no processo em si, mas na segurança operacional, no treinamento de mão de obra capacitada e qualificada, na cadeia de logística, entre outros”, destaca.

 

Apesar do ambiente favorável à produção científica, o pesquisador salienta que a comunidade acadêmica precisa do apoio do poder público e dos recursos da iniciativa para evoluir, assim como a indústria necessita de incentivos para atuar e gerar arrecadação para o Estado.

 

“Podemos chamar de pilares de sustentação, visto que cada um deve e precisa contribuir com seu melhor”, diz Marcos. “Quando esses setores funcionam de forma sincronizada e bem lubrificada, os ganhos passam a tornar-se quase que imensuráveis a médio e longo prazo”.

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