Extinção do Vale Refeição: o Avanço do Atraso
(Percival Maricato, Sócio administrador do Maricato Advogados Associados)
Depois de muito debater como aumentar a receita tributária do governo federal, parlamentares da Câmara dos Deputados chegaram à conclusão de que a solução seria revogar benefícios fiscais que viabilizam o Vale Refeição (VR). Não é difícil de provar que se trata de um equívoco, com grande prejuízo para o país.
As idas e vindas das tentativas de alterar a regulação tributária, mostra que temos que recomeçar a discutir os motivos pelos quais se conclui pela necessidade de uma reforma nessa área, e os princípios e objetivos que deveriam norteá-la: simplificação, transparência, menos custos para o consumidor, desoneração da folha, redução da desigualdade social, redução e não aumento da carga desproporcional de impostos, e contribuições ao caixa do Estado, seja de que tipo for.
Por anos, se discutiu várias teses e, mais recentemente, surgiu do nada uma proposta de reforma das normas do imposto de renda, proposta essa que não esconde seu viés arrecadatório e finalidade eleitoral (incrementar bolsa família, aumentar faixas de isenção do imposto de renda, são objetivos que se poderia apoiar, não fosse à custa de mais impostos sobre os mesmos contribuintes, por demais penalizados).
A proposta de extinguir os benefícios fiscais que viabilizam o VR é absolutamente lamentável, trata-se da aniquilação de uma conquista social, e que beneficia mais de 20 milhões de trabalhadores, e que acaba com 500 mil empregos. Mesmo que as empresas paguem o equivalente em dinheiro, isso não vai deixar de criar problemas econômicos e de saúde desastrosos. É que o VR estimula, praticamente obriga, o trabalhador a despendê-lo em refeições, o que é fundamental para recuperar sua capacidade de trabalho.
Como se discutiu e se conclui, quando da criação do VR, este seria relevantíssimo na redução da subalimentação, doenças e acidentes de trabalho. Na subalimentação, porque enquanto alguns trabalhadores traziam marmitas, nem sempre com alimentação balanceada, e que em muitos lugares não havia como esquentá-las, outros nem isso comiam, limitando-se a lanches ou alimentação possível nas redondezas do local de trabalho, onde muitas vezes inexistia restaurantes dignos desse nome. Sabidamente um trabalhador mal alimentado tem reflexos mais lentos e as vezes até tontura, fica mais vulnerável não só a acidentes, mas a diversas doenças. O que nos dá mais um fundamento para defender o VR: seu caráter humanitário.
De outro lado, a expansão do VR estimulou a criação de mais de cem mil restaurantes, a maioria por quilo, permitindo a esses milhões de trabalhadores escolherem ingredientes variados e saudáveis para compor seu prato. Intensificou-se o debate sobre o que é alimentação saudável e a possibilidade de, nesses estabelecimentos, o trabalhador ter acesso a saladas e muitas outras misturas, além do tradicional feijão, arroz e ovo.
A redução de doenças e dos acidentes de trabalho ocorreu, de fato, evitando tragédias e economizando muitos recursos do governo com perda de mão de obra, hospitais e aposentadorias.
O VR não é obrigatório, e mesmo que seja pago em dinheiro, isso não vai evitar a volta da marmita, muitas vezes comida fria, ou a subalimentação, pois, recebendo nossa classe trabalhadora, a grande maioria, remuneração insuficiente, ela tenderá a economizar, comer quem sabe um sanduiche ou duas coxinhas e levar o restante do valor economizado para a família, impulso generoso e natural.
E aí voltamos à situação antiga da subalimentação, ou alimentação não saudável, com reflexos inevitáveis na menor produtividade e ampliação de acidentes de trabalho e doenças, com consequências desastrosas tanto para essa parcela de brasileiros como para a economia, a previdência social e a saúde.
As empresas podem ser vítimas, mais uma vez, desse ataque às normas vigentes e à segurança jurídica, por terem admitido em milhares de convenções coletivas pagar o VR dos funcionários, por períodos de até dois anos. A supressão do incentivo fiscal não as isentará de continuar fornecendo por esse período.
Pode-se acrescer a inevitável quebra de mais de cem mil restaurantes e similares que servem, principalmente, trabalhadores e que são investimentos de mais de duzentos mil pequenos empresários. Estes investiram porque acharam que tinham segurança jurídica, outra vítima da medida. Ao desastre podemos somar à perda de mais de meio milhão de postos de trabalho, isso sem contar terceirizados, fornecedores etc. Ou seja, mais uma vez o trabalhador sairá perdendo.
Trata-se, ainda, de mais uma agressão dirigida contra o setor de bares e restaurantes, o mais atingido pela pandemia, onde 90% dos estabelecimentos sobreviventes (cerca de 30% já foram extintos), estão endividados até o pescoço com fornecedores, locadores, bancos, fiscos (municipais, estaduais, federal), distribuidores de energia, água, trabalhadores que foram demitidos ou tiveram contratos suspensos, e por aí segue.
A economia esperada com a redução, ou até supressão do VR, é na verdade, um monumental desastre em várias áreas. O dispêndio será muito maior. Esperemos, pois, sensibilidade e responsabilidade dos senhores deputados.
Há que se combater o aumento da carga tributária, direta ou indiretamente, por já ser ela desproporcionalmente elevada, em especial, pelos serviços prestados como retribuição por municípios, estados e União. Lembramos que a tributação a qualquer agente econômico, acaba, ao final da cadeia, muito provavelmente, sendo repassado a preços pagos pelo consumidor, ônus sobre toda a sociedade. Quem não consegue repassar para os preços, pode reduzir a atividade ou qualidade, demitir funcionários, passar à informalidade e fazer concorrência desleal, sempre com prejuízo para toda a sociedade.