Entidades se mobilizam contra privatização do saneamento

Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal apoia Dia Nacional de Luta em Defesa do Saneamento Público. Fenae defende financiamento estatal para universalizar acesso ao saneamento: área estratégica para promoção de saúde e qualidade de vida da população

 

Em plena pandemia da covid-19, com o país tendo registrado mais de 1 milhão de casos da doença, o governo Bolsonaro segue com projetos de privatização e avança contra uma área diretamente relacionada à saúde pública: o saneamento básico. O Executivo e senadores da “ala privatista” articulam, para esta semana, a votação do Projeto de Lei (PL) 4.162/2019, que define o marco regulatório e facilita a transferência de estatais do setor para agentes privados. Nesta segunda-feira (22) — com o apoio da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) — 28 entidades de representação nacional e internacional realizam o Dia Nacional de Luta em Defesa do Saneamento Público.

A defesa do financiamento público para universalizar o acesso da população ao saneamento é defendida pela Fenae. “Fazemos a defesa da Caixa 100% pública porque sabemos da importância do banco como agente de políticas públicas e parceira estratégica do Estado. O saneamento é uma das áreas em que a Caixa atua de forma a promover a melhoria das condições de saúde e da qualidade de vida da população”, destaca o presidente da federação, Sérgio Takemoto.

Segundo balanço do banco, as operações com saneamento e infraestrutura apresentaram evolução de 1,2% em 12 meses, totalizando R$ 84,7 bilhões, em março deste ano. A Caixa informa que aumentou o volume de empréstimos para os estados e municípios por meio do Financiamento à Infraestrutura e Saneamento Ambiental (Finisa), além de créditos com recursos do FGTS. O limite, aberto dia 2 de março, resultou, de acordo com o banco, em R$ 3,7 bilhões em contratações para 216 tomadores de todas as regiões do país.

REDUÇÃO DE INVESTIMENTOS — Contudo, conforme observa com Pedro Blois, presidente da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) — entidade que reúne trabalhadores dos setores de energia, saneamento, meio ambiente e gás — apesar dos números divulgados pela Caixa, os investimentos em saneamento têm sofrido redução nos últimos quatros anos. “O governo acabou com o Ministério da Cidades. E a Secretaria Nacional de Saneamento virou mero objeto de decoração do Ministério do Desenvolvimento Regional. Faltam mais recursos e políticas para o setor”, afirma.

Segundo ele, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já está com diferentes projetos engatilhados para promover a privatização dos serviços em estados como Acre, Amapá, Alagoas e Rio de Janeiro, entre outros. “O governo, com o ministro Paulo Guedes [Economia], quer impor a privatização como se fosse resolver o problema do país e nós somos contrários, ainda mais no momento como o que estamos vivendo, em que este serviço se tornou ainda mais essencial”, ressalta Blois.

O representante dos urbanitários também critica o uso inadequado do BNDES para favorecer a iniciativa privada. No entendimento do presidente do FNU, ao invés de financiar projetos que visam a transferência de serviços públicos essenciais à população para a iniciativa privada, o banco deveria fazer investimentos em empresas públicas que não estão conseguindo empréstimos para implementar melhorias no sistema.

“PRIVATIZAR NÃO É A SOLUÇÃO” — Jair Ferreira, diretor da Fenae, lembra que no governo Fernando Henrique Cardoso foram privatizadas algumas empresas de água e saneamento e o resultado foi “desastroso”. Conforme observa, não houve melhoria na qualidade da prestação dos serviços e as tarifas aumentaram.

“Privatizar não é a solução, como o governo tenta passar para a população”, alerta Ferreira. “O saneamento é questão de saúde pública e é papel do Estado assegurar o acesso a esse bem. Não podemos tratar essa questão sob a ótica do lucro”, acrescenta o diretor da Fenae, que integra o Fórum Nacional de Reforma Urbana. O FNRU é uma congregação de entidades e organizações não-governamentais criada no final da década de 80 para lutar pela reforma urbana, com iniciativas em defesa do acesso à moradia, ao saneamento e à mobilidade, entre outros temas.

PROJETO DE LEI — O PL 4.162 foi aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado. Caso seja aprovado pelo Senado sem alterações, vai direto à sanção presidencial para ser convertido em lei.

Na avaliação de sindicatos que representam trabalhadores de companhias estaduais e municipais de saneamento, haverá grande desestruturação do setor. Inclusive, com demissões nestas empresas.

O projeto de lei privilegia instituições privadas ao não exigir delas o que se exige das públicas, que terão de, com recursos próprios, cumprir (até 2033) a meta de 99% de cobertura de água e 90% do esgoto. “Meta considerada impraticável, sobretudo com as restrições na obtenção de recursos federais”, pontua o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto. Já as empresas particulares poderão contar com financiamento federal e não terão as mesmas obrigações.

NA CONTRAMÃO — Enquanto no Brasil o governo federal e o Congresso atuam para privatizar o saneamento básico, em outros países está acontecendo exatamente o contrário: o serviço está sendo reestatizado. O Centro de Estudos em Democracia e Sustentabilidade do Transnational Institute (TNI), sediado na Holanda, mapeou serviços privatizados que foram devolvidos ao controle público em todo o mundo, entre os anos de 2000 e 2017.

São casos de concessões não renovadas, contratos rompidos ou empresas compradas de volta — a maioria de serviços essenciais, como distribuição de água, energia, transporte público e coleta de lixo. Segundo o TNI, o processo de reestatização tem ocorrido porque as empresas privadas priorizavam o lucro e os serviços estavam caros e ruins.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Compart.
Twittar
Compartilhar
Compartilhar