E-sports: cuidados e riscos dos contratos de trabalho de atletas no mundo eletrônico
Bruno Gallucci*
Os esportes eletrônicos ou E-sports são uma verdadeira febre no Brasil e com uma proporção gigantesca no cenário esportivo. Muitos jovens estão se tornando jogadores profissionais de diversas categorias. Existem empresas especializadas em treinar atletas para disputar campeonatos que atraem milhões de pessoas em todo o mundo através da internet e que oferecem contratos milionários para estes jogadores, com cifras que já se aproximam com os valores pagos atualmente no futebol.
Para se ter uma ideia da dimensão desta categoria, a expectativa é que a indústria dos games e E-sports movimente cerca de US$ 180 bilhões em 2021, segundo o Newzoo’s.
Diante deste cenário, os atletas de esportes eletrônicos precisam necessariamente conhecer seus direitos trabalhistas básicos. E as equipes precisam ter cuidado no momento de realizar a contratação dos atletas.
Entretanto, existe legislação específica para os atletas de E-sports?
Não existe uma lei específica que regulamente a atividade destes profissionais. O mercado tem utilizado uma combinação de normas da CLT – Consolidações das Leis do Trabalho -, do Código Civil e da Lei 9.615/1998, a Lei Pelé, legislações que definem regras para a prática de esportes no Brasil. Basicamente, a mesma legislação utilizada nas relações desportivas tradicionais.
As regras previstas na CLT são as mais utilizadas pelo Judiciário, pois, de forma ampla, essa legislação define toda forma de relação de emprego.
Na prática, as equipes de E-sports necessitam que os jogadores tenham disponibilidade para representar o time em campeonatos, jogos patrocinados e eventos e outros diversos tipos de competições disponíveis no mercado. Neste caso, é inegável que o jogador tenha que ser um profissional especializado, que treine de forma periódica, que receba uma remuneração definida e siga as regras e condutas do time, características que personalizam uma relação de emprego.
Todos estes requisitos que os times buscam em um jogador estão previstos na CLT e são definidos como pressupostos de vínculo empregatício, como:
Pessoalidade – Que é quando somente o atleta de forma específica pode realizar as atividades ou representar a instituição.
Não eventualidade – Que se caracteriza pelo fato de o jogador treinar de forma periódica em favor do time.
Onerosidade – É definida pelo recebimento de remuneração para competir e estar à sempre disposição do time
Subordinação – Que se caracteriza pelo fato de o atleta seguir regras e condutas definidas pela equipe que o contrata.
Vale ressaltar que a contratação dos atletas sob o regime da CLT segue o mesmo padrão de qualquer contratação tradicional, sendo necessário que o atleta assine um contrato de trabalho desportivo e tenha a sua carteira de trabalho assinada pela equipe, bem como, terá todos os direitos previstos na legislação trabalhista. Essa é a modalidade de contratação juridicamente mais segura, pois todos os impostos necessários serão recolhidos no ato do pagamento do salário e registrados perante os órgãos fiscalizadores.
De outro lado, existe a possibilidade de as equipes contratarem os jogadores como prestadores de serviços, através de Pessoas Jurídicas (PJs) constituídas pelos atletas. Neste caso as regras serão definidas pelo código Civil nos artigos 593 a 609, modalidade menos custosa, mas extremamente arriscada sob a ótica da legislação trabalhista, pois pode configurar uma fraude as leis trabalhistas.
Nesta hipótese, a equipe irá contratar o atleta para que atue em favor do time na figura de uma empresa prestadora de serviços constituída pelo jogador. A equipe pagará um valor fixo e não há encargos trabalhistas a serem recolhidos pela equipe, basta apenas pagar os valores determinados no contrato entre a equipe e o atleta. Esta contratação é formalizada através de um contrato de prestação de serviços, onde definirá regras para as atividades e teoricamente não haverá qualquer vínculo empregatício entre as partes.
Porém, sabemos que os jogadores precisam de treinamento diário, além de seguir as regras determinadas pelas equipes. Neste caso, se durante a rotina do dia-a-dia o jogador reunir os requisitos do vínculo empregatício, este poderá posteriormente ingressar com uma ação judicial, requerer o reconhecimento do vínculo e o pagamento de todas as verbas trabalhistas desde o início de sua relação com a equipe.
Já a Lei 9.615 ou Lei Pelé é usada com menos frequência para estes casos, uma vez que na data da elaboração da lei, os esportes eletrônicos não eram definidos ou reconhecidos como atividade esportiva. Porém, no artigo 3ª, inciso III da Lei Pelé existe uma definição que pode ser aplicada aos atletas de E-sports:
“Art. 3ª O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações.
Inciso III – desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta lei e regras práticas desportiva, nacionais ou internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.”
Outro ponto importante é a questão do direito de imagem de atletas. Tema que há muito tempo vem sendo discutido na Justiça do Trabalho, com o enraizamento de entendimentos que não condizem com a evolução legislativa sobre o tema e do desporto em si.
Devido aos altos valores que esses direitos podem alcançar, muitos times pagam os direitos de imagem diretamente para uma empresa pertencente ao jogador, que possui um contrato de trabalho ativo, para não pagar os impostos necessários. Essa prática muito comum nos esportes de alto rendimento também vem sendo explorada no E-sports.
Porém, a luz a legislação, pode ser caracterizada também como fraude a legislação trabalhista.
A respeito desse tema, a Lei Pelé sofreu uma nova modificação, trazida pela Lei nº 13155, de 4 de agosto de 2015, com a inclusão do parágrafo único ao artigo 87-A, com a seguinte redação:
“Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.”
Portanto, pela falta de uma legislação específica, todas essas categorias de contratação vêm sendo utilizadas para a contratação de atletas de esportes eletrônicos. Assim, existe a grande necessidade de se avaliar previamente os riscos de cada modalidade de contratação. E para cada situação deve ser redigido um bom contrato para segurança jurídica de todos os envolvidos.
*Bruno Gallucci é advogado especialista em Direito Desportivo e do Trabalho e sócio do escritório Guimarães e Gallucci Advogados