Desgoverno verde oliva
Vivemos a ilusão de que as Forças Armadas são a solução para os problemas mais profundos de nossa sociedade. A ideia, que nos atormenta há alguns anos, é fruto de períodos nebulosos da nossa história política e da falta de debates razoáveis sobre o tema. Uma demonstração dessa falácia foi a eleição de Jair Bolsonaro e a tática utilizada por seu governo, em substituir, de forma sistemática, cargos políticos e técnicos por militares de alta patente sem competência razoável para conduzir os destinos de qualquer área se não as militares. A solução é o elixir mágico encontrado pelo presidente e compartilhado por uma parcela razoável da população que acredita seriamente que as Forças Armadas sejam a última novidade em solução de problemas ou o local de depósito de mentes brilhantes. Infelizmente, devo dizer que essa é uma visão obsoleta e compartilhada por ditaduras ultrapassadas que têm fé na ideia de que as Forças Militares são isentas de erros e detentoras de competência ímpar.
É impensável considerar que alguém que serviu durante toda a vida às Forças Armadas, nunca tendo contato com o mundo profissional, exceto dentro das estruturas militares, seja capacitado a gerenciar questões complexas e alheias ao mundo militar, como é o caso da presidência da Petrobrás. Outra situação que me assusta é que boa parte dos cargos de importância dentro da estrutura de governo é composta de pessoas que têm baixo ou zero contato com o mundo político, como se tivéssemos criado uma realidade paralela no Brasil, na qual ser militar ou ter passado pelas escolas militares condiciona o indivíduo a ser competente para tudo.
Essa falácia se espalha pelas políticas públicas de governo, como o incentivo do Governo Federal na criação de escolas cívico-militares pelos Estados, considerando que “disciplina” e apego a símbolos pátrios seja requisito essencial para uma educação avançada no século XXI. Não precisamos inventar a roda e acreditar em falsos dilemas para termos um bom governo, assim como me parece muito estranho dar a condução da educação de jovens para militares, simplesmente porque eles se consideram o suprassumo de uma sociedade que merece políticas públicas eficientes e sérias.
Fica evidente que as Forças Armadas entraram de cabeça no Governo Bolsonaro e não se ressentem de estar à frente das principais decisões políticas implementadas nesse governo, o que debita na conta de uma estrutura de Estado muitos erros e um papel político desnecessário. Um exemplo claro disso é a condução do Ministério da Saúde durante a pandemia, afinal, não podemos afirmar, nem com toda conivência existente, que o General Pazuello é um Ministro da Saúde minimamente razoável. A desastrada administração do ministério com a incapacidade na condução de uma política nacional de vacinação, a falta de aquisição de insumos básicos para uma pandemia, a desorientada gerência e a logística para a distribuição das poucas vacinas adquiridas, colocaria o cargo do General em xeque em qualquer organização minimamente séria pelo mundo.
Em países como Estados Unidos e França, a participação de membros da ativa das Forças Militares na política não é vista com bons olhos, inclusive, com a imposição de uma série de restrições a fim de evitar que o posicionamento ideológico do militar político possa respingar na estrutura do Estado.
O maior agravante, nesse momento, é que as Forças Armadas são estruturas de Estado, que perduram na saída de um governo para o outro. Você já imaginou como será a saída desses tantos militares que assumiram lado no mundo da política? Já pensou quais serão os impactos para nossa política do escancaramento do posicionamento de diversos membros das Forças Armadas daqui para frente? Esse caminho sem volta, da interferência constante das Forças Militares dentro de ambientes políticos, foi o erro cometido por diversos países no mundo, que flertaram com Forças Militares na política e nunca mais puderam retomar suas liberdades públicas de forma efetiva, ou, se conseguiram, sempre se sentiram ameaçados por pesadelos de um passado tenebroso, no qual a política ficou eclipsada por altas patentes de comando.
*Francis Ricken, advogado e mestre em Ciência Política, é professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).