Cooperativismo educacional: engajamento por parte de famílias e alunos mais altruístas
Modelo ainda pouco difundido no país pode ser o caminho para garantir acesso à educação de qualidade
Um dos principais desafios enfrentados por escolas e educadores em todo o país sempre foi conseguir engajar famílias a ponto de fazer com que pais e responsáveis pelos alunos se envolvessem, de fato, na Educação e formação dos estudantes. A pandemia escancarou ainda mais essa questão, ao obrigar, de uma hora para outra, que os pais passassem a atuar de forma direta no processo de aprendizagem dos filhos. Com o ensino remoto levando para dentro da casa do aluno as aulas on-line e atividades escolares, muitos pais se viram sem saber por onde começar a ajudar seus filhos e inúmeras escolas também encontraram dificuldades para fazer essa aprendizagem acontecer como deveria, justamente porque, no ensino remoto, se não há engajamento das famílias, o aprendizado fica prejudicado.
Apesar do enorme desafio, algumas escolas conseguiram se adaptar mais facilmente à nova realidade e a explicação para isso pode estar em um modelo de ensino ainda pouco difundido no Brasil, mas que já possui bons exemplos e resultados: o ensino cooperativista. A diretora pedagógica da escola Coeduc, em Comodoro (MT), Elorita Kátia Malvezzi Dias, afirma que as cooperativas educacionais possuem como um dos diferenciais o fato de serem escolas concebidas por pais e que têm, como um dos princípios, o espírito de colaboração combinados à uma gestão compartilhada. “A família é uma parceira em potencial e tem o papel de colaborar e participar do planejamento, da gestão e das práticas educativas. Dessa forma, os pais cooperados têm poder de decisão e também maior vínculo com a escola e, consequentemente, com o desenvolvimento do filho. Isso foi fundamental neste período de pandemia e ensino remoto”, explica Elorita.
A instituição, criada em 1999, possui hoje pouco mais de 200 alunos matriculados desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. A diretora pedagógica conta que, ali, os pais têm a oportunidade de participar do Conselho Pedagógico e do Projeto Político Pedagógico, ajudando a decidir qual o melhor método de ensino, quais as atividades extracurriculares mais adequadas, qual a estrutura necessária para que os alunos aprendam com qualidade. “Diante de todo esse envolvimento, foi muito mais fácil para esses pais assumirem a responsabilidade, em 2020, de acompanhar de perto e conduzir o processo de aprendizagem dos filhos, porque, na prática, eles já tinham por hábito fazer isso”, destaca.
Para a gerente pedagógica do Sistema Positivo de Ensino, Milena Fiuza, esse é realmente um dos diferenciais das cooperativas educacionais. “As mantenedoras dessas escolas são compostas por pais, professores e, algumas vezes, até por alunos. E isso muda completamente o engajamento de todas as partes, porque a partir do momento que a pessoa participa integralmente das tomadas de decisões, ela também se responsabiliza por essas decisões e faz com que elas aconteçam”, afirma Milena.
A educadora avalia que este modelo de cooperativismo educacional tem um futuro promissor no Brasil. “O país tem, atualmente, cerca de 300 instituições de ensino neste modelo de gestão cooperativa, com mais de 50 mil associados. São famílias que enxergaram nessas escolas um equilíbrio entre aquilo que muitas vezes não se encontra na instituição pública e que, às vezes, ao buscar nas escolas particulares convencionais não era viável por conta dos valores das mensalidades”, esclarece Milena.
Milena destaca ainda outras vantagens desse modelo escolar. “Por trás dos princípios do cooperativismo, há uma filosofia de vida que busca transformar o espaço e o contexto nos quais as pessoas estão inseridas, tornando ele mais equilibrado, com oportunidade para todos, enfim, um lugar mais justo envolvendo aquelas pessoas que estão ali naquele ambiente. Isso tudo se assemelha muito à escola, então, por esse motivo, ele já começa numa constituição muito filosófica, parecida com a escola.
Toda essa filosofia resulta em um comportamento diferente também por parte do aluno. Para Elorita, o estudante se torna um cidadão muito mais altruísta. “Nossos alunos se desenvolvem como sujeitos mais preocupados com o seu papel na sociedade e com a contribuição que eles podem dar para o conjunto, têm uma visão mais ampla da realidade, se sentem mais engajados, prestativos, com atitudes mais participativas, querendo ajudar a melhorar a convivência, dialogando com as pessoas e dando sugestões para melhorias na escola”, ressalta.
Outro exemplo de escola cooperativa é o COOEDUC de Eunápolis (BA), com 29 anos de existência. A diretora pedagógica da escola, Márcia Cordeiro de Almeida Tito, reforça que, por ser uma cooperativa, torna-se mais fácil exercer uma gestão compartilhada. “Valorizamos a participação de todos os envolvidos em um exercício pleno de diálogo e reflexão, promovendo a descentralização de decisões e conferindo maior autonomia às pessoas para escolher, planejar, elaborar projetos e agir com responsabilidade compartilhada com o gestor. Toda essa proposta e a forma como trabalhamos trazem resultados diretos para a aprendizagem. A otimização do tempo e a organização dos processos tornam-se fundamentais para a melhoria contínua”, reforça Márcia.
E para além de uma gestão compartilhada com vistas à melhoria do aprendizado, a educadora destaca também outra vantagem do modelo cooperativo de ensino. Uma escola cooperativa, em muitos casos, é a única chance que algumas famílias têm de oferecer a seus filhos ensino de qualidade. “A pandemia só fez reforçar isso. Muitos alunos que não tiveram como se manter nas escolas particulares convencionais, por conta da redução na renda das famílias, procuraram nossa escola. Somos uma instituição sem fins lucrativos, organizada por professores, de qualidade e com mensalidades mais acessíveis”, conta.