Certificação para apicultores do Cerrado ajuda a proteger tatu-canastra da extinção

  • Trinta e três apicultores já podem conferir aos seus produtos o selo de “Produtor amigo do tatu-canastra”. Até 2023, esse número deve chegar a 200;
  • Projeto recebeu também a certificação Wildlife Friendly Network, reconhecimento internacional inédito a uma iniciativa com sede no Brasil, que confirma o compromisso de um negócio com a sustentabilidade, a vida selvagem e os habitats;
  • Além do compromisso com a preservação da espécie, os selos agregam valor aos produtos no mercado local e abrem a oportunidade para exportação;

Os apicultores que protegerem o maior tatu existente no mundo, o tatu-canastra (Priodontes maximus), acabam de conquistar o direito de exibir em seus produtos a certificação de “Produtor amigo do tatu-canastra”, que assegura o compromisso dos criadores com a biodiversidade e a conservação desses animais. O selo é conferido aos produtores que comprovam a adoção das medidas de proteção indicadas no Guia de Convivência entre Apicultores e Tatus-Canastra no Cerrado do Mato Grosso do Sul. Até o momento, 33 apicultores já receberam o selo e dez estão em processo de certificação. Até o fim de 2023, a expectativa é de chegar a 200 produtores certificados.

“Com a certificação e as orientações do guia, incentivamos que os apicultores implementem melhores práticas, que sejam ambientalmente sustentáveis e que aumentam o valor agregado ao mel e aos produtos derivados que são produzidos. Dessa forma, a presença de tatus-canastra perto de colmeias se tornará mais um benefício do que um problema”, revela Arnaud Desbiez, pesquisador e coordenador do Programa de Conservação do Tatu-canastra, realizado pelo Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS) e pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e que deu origem ao projeto “Canastras e Colmeias”, que conta com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

Guia de Convivência entre Apicultores e Tatus-Canastra no Cerrado do Mato Grosso do Sul, de autoria dos pesquisadores Arnaud Desbiez e Bruna Oliveira e da jornalista Liana John, é o resultado de um trabalho realizado por profissionais que buscaram estratégias para conciliar a conservação dessa espécie ameaçada de extinção com a produtividade dos apicultores, oferecendo soluções para um potencial conflito no Cerrado do Mato Grosso do Sul. Já que, por conta das alterações no ambiente causadas pelo homem e da redução do alimento natural disponível, alguns tatus-canastra da região utilizam o olfato apurado para descobrir novas fontes de comida.

Como as caixas de mel estão próximas às áreas naturais – pela importância das flores para as abelhas –, o tatu-canastra costuma chegar até elas e acessá-las com certa facilidade. O que os apicultores não sabiam até então era que muitas vezes as caixas também estavam próximas às tocas dos tatus-canastra – uma espécie de hábito noturno. “Ao contrário do que muitos imaginavam, o tatu não consome o mel, mas sim as larvas das abelhas. De qualquer forma, ele derruba as caixas para comê-las, o que resulta em prejuízos para os apicultores”, revela Desbiez. Outros animais também são atraídos para o local em consequência da ação do canastra, como a irara (Eira barbara), o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), o mutum-de-penacho (Crax fasciolata) e a seriema (Cariama cristata).

Reconhecimento internacional

A ação recebeu a certificação Wildlife Friendly Network, inédita a uma iniciativa com sede no Brasil, que confirma o compromisso de um negócio com a sustentabilidade, a vida selvagem e os habitats. “Os selos indicam ao consumidor final que o mel é produzido sem prejudicar os animais que vivem na região. Além de se tornarem protetores do nosso gigante da biodiversidade, os apicultores irão agregar valor aos produtos tanto no mercado local quanto para exportação”, explica Desbiez.

Para o pesquisador, associar a imagem dos apicultores à proteção ao tatu-canastra é uma maneira de contribuir com a ampliação do mercado de mel no Mato Grosso do Sul, no Brasil e no exterior, sobretudo para nichos de mercado de produtos ecologicamente corretos. “A certificação é uma oportunidade de compensar eventuais perdas de colmeias com abertura de novos mercados. O selo deve constar da embalagem de mel, dando visibilidade ao apicultor ‘amigo do tatu-canastra’. É um diferencial valioso e também uma sinalização importante para despertar a consciência ambiental e a preocupação ecológica do consumidor final ao optar por esse produto”, diz.

Segundo a Global Consumer Insights Pulse Survey, pesquisa da PwC que investiga os hábitos de consumo, 50% das pessoas afirmam ter preocupação ecológica em suas decisões de compra.

“Propagar novas práticas e adequações para o apiário e gerar benefício aos apicultores é uma vitória. Dessa forma, mostramos que é possível gerar renda, empregos, negócios, oportunidades e desenvolvimento aliados à proteção da nossa biodiversidade”, afirma a gerente de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, Marion Silva, ressaltando que cada vez mais consumidores fazem suas escolhas considerando atributos de sustentabilidade relacionados aos produtos e serviços.

De ameaça às melhores práticas

Com a colaboração de 10 associações apícolas, o projeto reuniu informações de 178 apicultores e identificou que 73% deles relataram danos às colmeias por tatu-canastra nos últimos cinco anos e que, em 2019, 46% dos entrevistados tiveram perdas econômicas substanciais com esses episódios.

Como forma de conciliar a produtividade dos apicultores com a conservação da espécie, os pesquisadores elaboraram 10 estratégias para que os apicultores mantenham as caixas próximas à vegetação nativa, mas sem colocar a sua produtividade em risco. Entre as medidas estão: colocar as caixas a 1,30 m do chão, dessa forma elas ficam inacessíveis aos tatus; e usar cerca de alambrado com muro de concreto na base.

Na publicação, estão pontuadas as medidas mais eficazes para as espécies que também se aproveitam da ação do tatu-canastra. Os pesquisadores ainda incluíram medidas que não apresentam eficácia, com as devidas justificativas, como forma de evitar investimentos (de tempo e financeiros). O material traz todas as estratégias ilustradas pelo artista Ronald Rosa.

Engenheiro do ecossistema

Presente apenas na América do Sul, o tatu-canastra pode chegar a 1,5 metro de comprimento e pesar mais de 50 quilos. Com hábito noturno e olfato apurado, o tatu-canastra é capaz de ficar em pé com as patas traseiras. A espécie tem sofrido com a ação do homem em seu habitat natural e está classificada como espécie vulnerável pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), com declínio populacional de 30% em quase três décadas.

A alimentação do canastra é baseada em cupins e formigas, mas, com a fragmentação do Cerrado – no Mato Grosso do Sul há menos de 20% da vegetação nativa do bioma –, a procura por larvas de abelhas nos apiários se tornou um recurso extremo para o tatu que vive no Cerrado, o que reforça as consequências da degradação.

Inofensivo ao homem e maduro sexualmente apenas aos sete anos de idade, o animal pode gerar apenas um filhote a cada três anos. Ou seja, a morte de um único indivíduo do tatu-canastra significa uma perda enorme para o ecossistema local.

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