Carnaval: a Festa Popular do Brasil

Carnaval: a Festa Popular do Brasil 

 

(Por Zelito Magalhães) 

O começo: 

O carnaval chegou ao Brasil em meados do século XVII, sob a influência das festas que aconteciam na Europa. A primeira folia de carnaval data do ano de 1850 e deve-se aosapateiro português José Nogueira Azevedo Paredes, que tinha uma oficina na Rua das Violas. Exímio tocador de bombo, saiu agitando desordenadamente seu instrumento, enquanto um séquito de populares exaltava a sua figura pitoresca com os versos de repetida cantata em ritmo de marcha:  

Viva o Zé Pereira! 

Que a ninguém faz mal 

Viva o Zé Pereira 

Nos dias de carnaval! 

Em seguida, vinha o complemento com o refrão: 

Viva o Zé Pereira  

Viva o Zé Pereira 

Viva, viva, viva!  

O comediante Francisco Correia Vasques, diretor do Teatro Fênix Dramático, inspirado no sucesso da marchinha que virou o hino do carnaval carioca, compôs em 1869 uma burleta cômica – “O Zé Pereira Carnavalesco” – que foi levada à cena por bastante tempo.   

 

O Entrudo 

Também de origem portuguesa, o Entrudo data de 1252, tendo surgido no reinado de D. Afonso III. Chegou ao Rio de Janeiro no início do século XIX e, entre 1830 e 1840, foi proibido pelas autoridades policiais. Levavam em consideração o tipo de diversão que consistia de esguichavam nos populares uma seringa com água de limão de cheiro e outros produtos nocivos à saúde. O Entrudo veio a desaparecer na entrada do século passado. 

 

Colombina, Pierrot, Arlequim 

Colombina era personagem da Comédia de Arte, um gênero de teatro popular que surgiu na Itália, no século XVI. Aparece como uma serva de alguma dama, caracterizada como uma moça bonita e inteligente, de humor breve e irônico.  

Pierrot era também personagem da dita Comédia. Com o caráter de um palhaço triste, era apaixonado pela Colombina que lhe parte o coração e o deixa pelo Arlequim. Mas depois, descobre o amor de Pierrot. 

Arlequim consistia em divertir o público durante os intervalos dos espetáculos. Era uma espécie de bobo-da-corte. Sua importância foi gradativamente afirmando-se e o seu traje, feito de retalhos multicoloridos. Em forma de losango, era o destaque em cena. Arlequim seduz e “rouba” a Colombina de Pierrot. A marchinha “Máscara Negra”, composta por Zé Kéti e Hildebrando Matos, que venceu o concurso de carnaval de 1967, lembra: 

Quanto riso, oh quanta alegria 

Mais de mil palhaços no salão 

Arlequim está chorando  

Pelo amor da Colombina 

No meio da multidão 

 

Clubes, cordões e escolas 

O primeiro registro de baile data dos anos 1840. Em 1855, surgiram os primeiros clubes carnavalescos, precursores das escolas de samba. No início do século XX, já havia os diversos clubes, cordões e escolas. Em 1918, veio o “Cordão do Bola Preta”, fundado por Álvaro Gomes de Oliveira, Francisco Bricio, Eugênio Ferreira, João Torres e os irmãos Joel, Jair e Arquimedes Roxo. A primeira escola de samba apareceu no Rio de Janeiro em 1928, com a denominação “Deixa Falar”, que foi trocada anos depois para “Estácio de Sá”. A marchinha “Quem não chora, não mama”, de Nelson Barbosa e Vicente consagrou o “Cordão do Bola Preta” no carnaval de 1962: 

Quem não chora, não mama 

Segura, meu bem, a chupeta 

Lugar quente é na cama 

Ou então no Bola Preta  

Em 2014, o “Cordão do Bola Preta” entrou para a história do Rio de Janeiro por meio do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) 

 

A primeira marcha 

“Ó abre alas” foi a primeira marcha carnavalesca de autoria da pianista carioca Chiquinha Gonzaga (Francisca Edwiges Neves Gonzaga). Foi composta em 1899, especialmente para o Cordão “Rosa de Ouro”, clube ao qual pertencia no Rio de Janeiro. Dez anos antes, ou seja, em 1889, o compositor Mattias da Rocha havia compostoo primeiro frevo para o Clube Misto dos Vassourinhas, do Recife. Primitivamente, era chamado de “Marcha-pernambucana” ou “Marcha-do-Norte”.  

 

Confete e Serpentina 

A inauguração da Avenida Beira-Mar, na Capital Federal do Rio de Janeiro, em 1906, daria grande impulso à sociedade burguesa. Por volta de 1893, a chegada do Confete e da Serpentina provocaria a profusão da novidade nos clubes durante os festejos mominos. Não se sabe ao certo a origem dos artefatos, porém,as primeiras notícias dão conta que chegaram ao Brasil oriundos de Paris. O que se sabe é que as tirinhas coloridas de papel em rolo eram atiradas uns aos outros, provocando momentos de satisfação. Para o carnaval de 1951, foi lançada a inspirada marcha “Confete”, com letra e música do jornalista e compositor David Nasser.  

 

Confete 

Pedacinho colorido de saudade 

Ai, ai, ai, ai 

Ao te ver na fantasia que usei 

Confete 

Confesso que chorei 

 

Ou ainda “Confete Dourado”, em 1955, composição de Haroldo Lobo e David Nasser: 

Você Merece confete dourado 

Ó garota colossal  

Estou apaixonado por você 

Desde o outro carnaval 

 

A Serpentina foi evocada nesta marcha de Haroldo Lôbo e David Nasser, em 1950, na interpretação de Nelson Gonçalves:  

Guardo ainda 

Bem guardada a serpentina 

Que ela jogou 

Ela era uma linda Colombina 

E eu um pobre Pierrot 

 

Carnaval no Ceará 

Não sabe ao certo a era dos primeiros carnavais em terras cearenses. Sabe-se, entretanto, que a primeira sociedade carnavalesca, a Cavaleiros do Prazer, surgiu em 1882, segundo o historiador João Nogueira. No brilho do carnaval de 1905, foi fundada uma Liga Carnavalesca que agrupava as seguintes sociedades: Conspiradores Infernais, Dragões do Averno, Clube Iracema, Clube Atlético, Únicos, Clube das Borboletas e Clube do Amor Perfeito e Clube da Lapiação, que era composto em grande parte de alunos da Escola Militar. Suas cores eram preto e amarelo. Tinha a seguinte diretoria: Presidente – Joaquim Magalhães, Secretário – Carlos Câmara, Tesoureiro – Francisco Barbosa, Diretores – Fenelon Moraes, Carlos Montenegro, Augusto Lopes, Prisco Cruz – Affonso Moraes, Otávio Bezerra, Virgílio Porto, Peri Cruz, Joaquim Gomes, F. Gomes Parente e João Otávio Vieira Filho. Naquele 1905, o Intendente (prefeito) era Guilherme Rocha que proibiu o uso do Entrudo.   

O jornalista João Brígido em O Ceará, lado cômico faz ligeira referência ao Entrudo que “era a sublevação, a licença na sua mais alta expressão, o desaforo, a porcaria triunfal”.(O Ceará, lado cômico  (1900, p. 148) Seria o tempo das laranjinhas ou limões de cheiro, feitos de cera e atirados ao público com seringas. Havia nesse carnaval, segundo o jornalista, uma grotesca procissão de mascarados chamados papangus. Numa versãodo Arlequim, Dominós enchiam as ruas, às vezes de fraques e cartolas. Já estavam em voga as batalhas de confete e lança-perfume que raramente excediam ao uso da população de baixa renda. Havia também o confete negro de que as moças faziam sinais no rosto ou no pescoço como pontos de atração. Um punhado de  confete dourado, além de credencial de quem jogava,  tinha muito de declaração de amor. Uma honraria para a moça favorecida. 

Gustavo Barroso, em seu fabuloso livro de memórias Coração de Menino, conta que também foi papangu, em 1914. “Era meu sonho de menino pobre. Meti-me num dominó encarnado e preto e ajustei-me a um bando de rapazolas com meu irmão Peri. Corremos as ruas de Fortaleza num alvoroço mais da nossa idade do que do carnaval”.  

João Nogueira, em Fortaleza Velha (1938) afirma que a primeira passeata carnavalesca de Fortaleza foram exibidos camelos argelinos, aqui chegados em 1860.  

 

Passeio Público 

Os préstitos carnavalescos concentravam-se no Paiol da Pólvora (hoje Passeio Público)antes de partirem em cortejo pelas ruas do centro de Fortaleza,ou seja: Rua das Flores (Castro e Silva) Major Facundo, Formosa (Barão do Rio Branco) São Bernardo (Pedro Pereira) General Sampaio, Senador Pompeu, Sena Madureira, Dom Pedro, etc. Por aquele época, os carnavais de Fortaleza limitavam-se aos pequenos clubes, onde predominavam o rag-time (marcha) e o fox-trot, aparecido no Rio por volta de 1916. Os foliões de rua faziam os seus blocos por conta própria, quando predominavam os papangus e os mascarados. Por volta de 1919/20, nas sessões chamadas “infantis” do Cine Majestic, a orquestra executava um programa musical carnavalesco que incluía os foxes interpretados peloTrio Pepe-Oterico-Raul.  

 

O primeiro bloco 

No primeiro mês do ano de 1935, foi fundado o bloco carnavalesco “Prova de Fogo” pelos sargentos da banda de música do 23º Batalhão de Caçadores: Otacílio Anselmo, Carlos Alenquer e Luiz Freitas e os comerciantes Alderi Pereira e Edilson Viana Maranhão. Em 1942, o pianista e compositor Lauro Maia, que era um dos brincantes e produtores musicais da agremiação, presenteou-a com o samba que leva o nome do bloco. A música foi gravada pela Odeon,na interpretação do conjunto 4 Ases e 1  

 

Cadê Joana 

Que não vem com a sopa 

E Mariana 

Que não traz a minha roupa? 

Não posso mais esperar 

Estou a aflito 

Onde está o meu apito? 

O meu apito… 

Está na hora  

Do “Prova de Fogo” sair  

Até já vieram me chamar 

 

Maracatu 

A primeira agremiação de origem afro-brasileira a animar os carnavais de rua de Fortaleza foi o Maracatu Áz de Ouro. Calcada numa similar, foi trazida do  Recife, no ano de 1936, pelo cearense Raimundo Alves Feitosa, o “Raimundo Boca Aberta”, onde residiu por três anos. No mesmo ano, a 26 de fevereiro, oficializou-se como agremiação carnavalesca cuja diretoria ficou assim constituída: Presidente – Raimundo Alves Feitosa, Imediato – Alcides Rodrigues, – Membros – Francisco Xavier e Manuel Mateus. Os primeiros ensaios aconteceram na casa de Francisco Xavier à rua Nogueira Acioli, onde também instalou-se a sua sede. Mudou-se depois para a rua Gonçalves Ledo, esquina com Antonio Sales, na residência de do comerciante Joaquim Cassiano, que integrou a diretoria. O Maracatu cantava uma loa inventada por Raimundo Alves, que começava com esta estrofe: 

 

Cadê a chave do baú 

Mariana tem? 

Você sabe, você viu? 

Eu não, meu bem… 

 

No ano de sua estreia, o Az de Ouro apresentou-se ao público com 42 componentes; no ano seguinte, com 80, e no quarto ano de existência, contava com mais de 500 figurantes. Entre esses, estavam os seis irmãos de Raimundo Alves. A ideia de dar negrume ao rosto dos figurantes partiu do próprio fundador.  

(“A tinta preta é de pó de gás de lamparina. A gente fazia uma lata cheia e pintava o rosto. Era para ficar parecido com as negras escravas, com as baianas vindas da África”, da entrevista concedida ao jornalista Lira Neto (Suplemento Literário do “O Povo”, ed. de 13-5-1995). 

 

O Rei Momo 

Ponce de Leon, ligado ao Clube Iracema, foi o primeiro carnavalesco a encarnar no ano de 1936 a figura da majestade. Tinha como rainha a brilhante escritora Rachel de Queiroz. Foi flagrado“Terça-Feira Gorda” no centro da cidade comprando pão na Padaria Palmeira. Considerado ato indigno a ser praticado por um monarca, ele perdeu o reinado. “Luizão I e Único” foi eleito o mais elegante Momo em concurso nacional. Reinou por doze anos. Javeh, renomado alfaiate no centro de Fortaleza, foi o mais carismático dos monarcas. Na década de 70, o jornalista Paulo Tadeu criou em sua homenagem, no Centro Massapeense, o bloco “Escravos de Javeh” 

 

Dublé de Rei Momo 

Encerramos esta matéria ventilando sobre um acontecimento inusitado que se deu na história dos nossos reinados de Momo. Começava o ano de 1961, quando a Crônica Carnavalesca movimentava-se para eleger o rei daquele carnaval. Foi quando “O Estado”, na edição de 10 de fevereiro, estampou em primeira página a existência de um Rei Momo Suburbano. O cetro do Rei Momo I e Único, radialista Irapuan Lima,seria dividido com o popular tintureiro Raimundo Barbosa, o Mundico, personalizado “Rei Momo do Subúrbio”. A notícia repercutiu como uma avalanche: o cetro de Irapuan seria dividido. Ao tomar conhecimento que o adversário iria decretar a sua “prisão”, o ousado Mundico reuniu-se às pressas com seus súditos no Idealzinho Clube, o quartel da folia, de onde enviou a decisiva mensagem: “O carnaval nos subúrbios tem o nosso comando e não nos entregaremos às exigências do Rei do Soçaite”. Se o Rei Momo do Subúrbio não teve o merecimento de receber das mãos do prefeito a chave simbólica da cidade, pelo menos valeu a atitude corajosa de Raimundo Barbosa de empunhar por conta própria o cetro de S. Majestade.    

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