As catástrofes ambientais não deveriam ser surpresa para ninguém

Por Marco Moraes

Nas últimas semanas, houve manifestações de vários cientistas dizendo que ficaram surpresos com o aumento da temperatura global e dos eventos extremos, incluindo chuvas e inundações, ondas de calor, secas e incêndios florestais. Alguns se declararam, inclusive, apavorados. Sério mesmo?

A ocorrência dos eventos extremos que estamos presenciando no Brasil e no mundo não deveria ser surpresa para ninguém. Há décadas, evidências indicam que os processos de degradação ambiental do planeta estão acelerando.

Talvez o fato de o planeta ter registrado já quase um ano de temperatura média acima de 1,5 °C possa ser considerado surpreendente. Mas esse limiar pode não ter sido ultrapassado em definitivo, pois 2023 e 2024 foram anos com forte atuação do El Niño. Em 2025 e talvez em 2026, com o retorno do La Niña, as temperaturas podem baixar um pouco. De qualquer forma, devemos atingir uma temperatura média permanente de 1,5 °C daqui a poucos anos, e atingiremos 2 °C ainda na década de 2030.

Para este artigo, selecionei alguns dos processos mais preocupantes. São alguns de muitos. Mas já darão uma boa visão de como a situação está se deteriorando, como já vem sendo alertado há anos pelos especialistas.

Secas Prolongadas

Embora tempestades e chuvas intensas se tornem cada vez mais frequentes com o aquecimento da atmosfera, elas ocorrerão por períodos mais curtos. Assim como as frentes frias. Ou seja, a previsão é de que teremos eventos de chuva e frio que podem ser catastróficos, mas ocorrerão intercalados com longos períodos de estiagem, quando ondas de calor, secas e queimadas serão os eventos dominantes. Basta olharmos em volta e veremos esse padrão se manifestando.

O Brasil está secando. O país perdeu cerca de 30% de sua superfície de águas naturais desde 1985 – 6,83 milhões de hectares. O Pantanal foi o bioma que mais secou, perdendo 60% de sua superfície de água desde 1985, sendo um terço disso desde 2018. Um sinal claro de aceleração. O Cerrado já perdeu mais de 50% de sua superfície de águas naturais. Na Amazônia, a perda da superfície de água e a redução de umidade estão fazendo com que o fogo, que não conseguia se espalhar na mata virgem, agora se dissemine com facilidade, fazendo com que seja usado não apenas para limpar as regiões já desmatadas, mas também como a primeira etapa do desmate.

Isso está acontecendo em todo o mundo. Rios estão secando, lagos desaparecendo. Situação que faz prever o advento de uma crise hídrica sem precedentes, que pode afetar bilhões de pessoas em todo o mundo, causando colapso do abastecimento de água e dos sistemas alimentares.

Degelo

O derretimento das geleiras de montanhas, do Ártico e da Antártida está mais acelerado que o previsto. No caso das geleiras de montanhas, que abastecem importantes rios e aquíferos em diferentes partes do mundo, o degelo é reflexo apenas do aquecimento da atmosfera. Mas, no caso das geleiras polares, há uma ação combinada do aquecimento do ar mais a penetração das águas mais quentes na base das geleiras.

No Ártico, o derretimento da calota de gelo no Oceano Ártico é menos preocupante, pois se trata de uma camada fina de gelo que flutua sobre as águas. Mas, na Groenlândia, há uma espessa camada de gelo sobre o continente, cujo derretimento causaria uma elevação de cerca de 3 a 5 metros no nível do mar. E há evidências de que esse processo já atingiu seu ponto de não retorno.

Na Antártida, há uma capa de gelo que pode atingir milhares de metros de espessura. E há ali duas geleiras que preocupam sobremaneira os cientistas: a geleira Ilha Pine e a geleira Thwaites (essa conhecida como “a geleira do fim do mundo” – por conta do impacto que seu derretimento pode ter em escala global), ambas em rápido processo de degelo.

Juntas, a perda da capa de gelo da Groenlândia e das geleiras da Antártida pode causar uma elevação de 8 a 12 metros no nível do mar. Trata-se de um processo complexo, cuja evolução é difícil de prever, pois é função da atuação integrada de vários mecanismos de distribuição do calor e de circulação oceânica. Talvez leve décadas ou mesmo séculos. Mas o fato de não podermos prever isso com exatidão não tornaria exatamente uma surpresa se um dia acordássemos com o mar batendo em nossas janelas.

Mecanismos de Retroalimentação

Uma das razões pelas quais o aquecimento global e suas consequências estão acelerando são os chamados processos de retroalimentação (em inglês: feedback mechanisms). Saber do que se tratam é muito relevante para compreender como a degradação ambiental evolui.

Processos ou mecanismos de retroalimentação são aqueles em que o resultado de uma ação influencia a ação original. Um bom exemplo é a relação entre o gelo e a irradiação solar. O gelo, por ser branco, reflete quase toda a radiação solar que recebe, reduzindo assim seu potencial de aquecimento. Quando o gelo derrete, ficam expostas rochas ou solos mais escuros, que absorvem mais radiação e, portanto, aquecem, emitindo mais raios infravermelhos, que vão aumentar a temperatura da atmosfera, causando mais degelo.

Outro exemplo, que está mais perto de nós, é o do desmatamento e queimadas. Esses processos, em si, emitem grande quantidade de CO2 que, ao causar o aquecimento da atmosfera, tornam mais frequente e intensa a disseminação do fogo. Além disso, a destruição de árvores faz com que a floresta seja menos capaz de reter umidade, afetando o regime de chuvas, fatores que se combinam para prolongar as estiagens, tornando as florestas mais suscetíveis à degradação.

Tudo isso está muito claro. Continuamos emitindo quantidades crescentes de gases de efeito estufa que causam diretamente o aquecimento da atmosfera e acionam vários mecanismos de retroalimentação. Vimos alguns exemplos. Mas há muitos outros processos atuando na intensificação dos eventos extremos.

Devemos ficar muito preocupados, sim. Mas não surpresos e muito menos apavorados. O pânico e o desespero não nos levarão a nada. São tão perigosos quanto o negacionismo. O momento é de buscarmos conhecimento e informação de qualidade e trabalhar duro. Há muito o que fazer para nos prepararmos para as transformações que serão inevitáveis. E precisamos agir para que as coisas não fiquem ainda piores. Todos temos um papel a cumprir. Só não podemos dizer que não fomos alertados.

Marco Moraes é autor do livro Planeta Hostil (Matrix Editora). Geólogo formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA/UFRGS) e Ph.D. pela Universidade de Wyoming (EUA). Atuou durante maior parte de seus quase 40 anos de carreira profissional como pesquisador do Centro de Pesquisa da Petrobras (CENPES). Desde 2017, quando deixou a vida corporativa, dedica-se a estudar os problemas ambientais do planeta.

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