Água, ar, terra e fogo: conheça os impactos dos agrotóxicos na saúde das crianças por meio dos quatro elementos
Em setembro, pesquisadores brasileiros se reúnem no Fórum Meio Ambiente e Câncer da Criança para falar sobre o tema; a incidência do câncer infantil e sua relação com água e solo contaminados, pulverização e queima de resíduos tóxicos
No próximo dia 16 de setembro, pesquisadores de diversos estados brasileiros se reúnem no Fórum Meio Ambiente e Câncer da Criança, que acontecerá no Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP), para falar sobre os impactos dos poluentes tóxicos, principalmente os agrotóxicos na saúde das crianças brasileiras por meio dos quatro elementos: água, ar, terra e fogo.
A exposição aos agrotóxicos causa inúmeros efeitos à saúde e está ligada a vários tipos de câncer. Não é achismo ou ativismo. É o que apontam vários estudos científicos ao longo das últimas décadas. Alheio aos sucessivos alertas, o Brasil segue ocupando a liderança mundial de consumo desses produtos. Gerações de brasileiros estão crescendo diante da exposição a produtos químicos de uso agrícola, de grande potencial tóxico, desde a infância.
De 2007 a 2014, o Brasil registrou 25 mil casos de intoxicações por agrotóxicos. Recente pesquisa da Professora Larissa Bombardi (USP) apontou que 25% do total de vítimas que sofreram danos causados pela exposição aos pesticidas é composta por crianças e adolescentes.
“Mais grave ainda é a constatação de que 20% do total de ocorrências estão concentradas na faixa de 0 a 14 anos. Em Mato Grosso, há grande concentração de casos na faixa de 0 a 4 anos. O dado é muito preocupante, pois o país convive com o grave problema da subnotificação. Segundo a Organização Mundial da saúde (OMS), para cada caso de intoxicação que chega aos registros oficiais, há outros 50 não registrados”, avalia Leomar Daroncho, diretor-geral do Ministério Público do Trabalho.
A exposição crônica, que chega por todos os lados, disseminada pelos quatro elementos, afeta o sistema nervoso central. “A contaminação chega pela água, pelos alimentos, solo, ar, chuva, flora, fauna e demais seres vivos que habitam o ambiente”, alerta Wanderlei Pignati, professor da UFMT.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) os efeitos associados à exposição continuada e frequente aos produtos tóxicos compreendem: “além do câncer, infertilidade, impotência, abortos, malformações fetais, neurotoxicidade, desregulação hormonal e efeitos sobre o sistema imunológico” – dado que pode ajudar a explicar o fato de que, na faixa entre 10 e 14 anos, a tentativa de suicídio esteja entre as maiores causas de intoxicação por agrotóxicos.
Pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) apontam que, em Lucas do Rio Verde (local onde a pulverização de agrotóxicos nas lavouras é constante por ser um dos maiores polos de produção agrícola do país), problemas agudos como gastro-intestinais, dérmicos, hepáticos, renais, neurológicos, pulmonares, imunológicos e psiquiátricos foram identificados em crianças menores de cinco anos.
Ainda de acordo com as pesquisas citadas acima, as crianças pequenas que residem na área rural da cidade, que permanecem no chão ou solo e colocam as mãos e objetos na boca, podem também estar sujeitas à exposição, uma vez que a própria terra retém resíduos tóxicos.
Em casa, as mesmas crianças podem ter contato com os agrotóxicos em eventuais resíduos presentes nas roupas e equipamentos dos pais.
“Isso sem falarmos na contaminação pela água. No Brasil, a Portaria de potabilidade da água diz que pode ter até 500 microgramas de resíduos por litro. Na União Europeia (EU), para se ter uma ideia, o limite é de 0,01 micrograma por litro. Enquanto aqui pode-se encontrar resíduos de até 27 agrotóxicos diferentes em água considerada potável, na EU são permitidos apenas 5, e com essa disparidade de proporção. Aqui admite-se traços de até 15 metais pesados, até 15 tipos de solventes e 7 tipos de saneantes domésticos, como detergentes e ceras”, conta Pignati.
“Estudos da UFMT e Fundação Oswaldo Cruz já constataram a presença de agrotóxicos no leite materno de mães que moram em regiões agrícolas e resíduos de glifosato em bebedouros de escolas em cidades onde a agricultura produz alimentos em grande escala”, relata o pesquisador.
“Fala-se que quem produz e compra orgânicos paga mais caro. É mais caro ou mais barato um alimento sem agrotóxico? Os orgânicos eram muito mais caros há 10 anos, hoje, os preços estão comparativamente quase o mesmo preço, com alguns ainda mais caros, pelo uso de mão-de-obra. Agora, ele é realmente mais caro? Quanto custa à sociedade um câncer? Quanto custa gerações com má formação fetal?”, questiona.
A respeito das medidas que poderiam ser tomadas para reverter a situação atual de contaminação de crianças por produtos químicos, Daroncho comenta que “no particular, há um conjunto de normas protetivas à criança e ao adolescente. Todas decorrem da disposição constitucional que fixa ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à saúde. São normas de difícil fiscalização”, afirma Daroncho.
Para Pignati, “Uma medida importante seria o fim da pulverização aérea, por exemplo, que inclusive já foi banida em quase toda a Europa por causar dispersão dessas substâncias nocivas no meio ambiente”.
Outra medida defendida pelos ambientalistas é o fim da isenção de alguns impostos que o país a concede à indústria produtora de agrotóxicos. O preço de registro de novos agrotóxicos também funciona como incentivo ao setor. É de no máximo US$ 1 mil. Nos EUA, custa até US$ 630 mil. Por último, há também a sugestão de que o Brasil deve banir a comercialização de princípios ativos proibidos em outros países. Um dossiê de 2012 da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) aponta que, dos 50 produtos mais utilizados nas lavouras brasileiras, 22 são proibidos na União Europeia.
Fórum Meio Ambiente e Câncer da Criança
No próximo dia 16 de setembro, acontece no Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP), o Fórum Meio Ambiente e Câncer da Criança. Na programação, quatro palestras abordarão questões relacionadas à contaminação de crianças por agrotóxicos:
9h – Os agrotóxicos e seus prejuízos à saúde humana: incertezas mensuráveis ou certezas imensuráveis? Larissa M. Bombardi (USP/SP)
12h30 – Associação entre agrotóxicos e malformações congênitas. Lidiane S. Dutra (FIOCRUZ, RJ)
14h – Genotoxicidade e Teratogênese: o preço a ser pago. Wanderley A. Pignati (FIOCRUZ, ABRASCO)
15h – Fornecimento e difusão da informação sobre exposição ambiental e acompanhamento. Jackson R. Barbosa (UFMT)
16h30 – O mito do uso seguro dos agrotóxicos. Leomar Daroncho (M.P.F.)
Para se inscrever, basta acessar https://bitt.com.br/evento/
Sobre o Centro Infantil Boldrini
Centro Infantil Boldrini − maior hospital especializado na América Latina, localizado em Campinas, que há 41 anos atua no cuidado a crianças e adolescentes com câncer e doenças do sangue. Atualmente, o Boldrini trata cerca de 10 mil pacientes de diversas cidades brasileiras e alguns de países da América Latina, a maioria (80%) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Um dos centros mais avançados do país, o Boldrini reúne alta tecnologia em diagnóstico e tratamento clínico especializado, comparáveis ao Primeiro Mundo, disponibilidade de leitos e atendimento humanitário às crianças portadoras dessas doenças. www.boldrini.org.br