A saga dos Hilários no sertão do Piauí

Por Antônio Matos
A trajetória das famílias de sobrenomes Abreu/Arcanjo e Pereira de Sousa teve origem no Agreste do Piauí e na cidade de Boa Viagem, no Ceará. Antigamente esta cidade era um povoado denominado “Cavalo Morto”, e passou a distrito em 1862, já com o nome de Boa Viagem, localizado na mesorregião dos Sertões Cearenses. Nesse município nasceu Maria Rosa de Jesus que, ainda bebê, traçou uma longa e sofrida viagem, juntamente com seus pais, no ano de 1889, fugindo dos efeitos da seca que assolava o Nordeste, enfrentando oito meses de privação e perigos no alto sertão. Ela, sentada na lua da sela, a forma como os sertanejos transportavam suas crianças nos seus cavalos no agreste nordestino, veio parar no lugar Morro do Chapéu, município de Alto Longá-PI.

Naquele tempo a fome imperava, os animais morriam devido à seca. Esse foi o principal motivo que levou a sua família a migrar para o Piauí, com o objetivo de comprar terras para trabalhar na lavoura, criar gado e estabelecer suas ramificações pelo Sertão piauiense.

Maria Rosa de Jesus, filha de ricos fazendeiros da região, foi crescendo e tornando-se uma bela mulher, o que a levou a ser conhecida como Maria Mulata, pelos seus traços de beleza, cor morena. Aos 15 anos de idade casou com o conhecido agricultor Antônio Pereira, natural de Picos/PI, o qual dessa união nasceu Hilário Pereira de Sousa, que casou-se com a senhora Lina Maria de Abreu, formando uma grande família que até os dias de hoje seus descendentes vivem na Barroca dos Hilários.

O agricultor Hilário Pereira de Sousa e Lina Maria de Abreu tiveram onze filhos: Francisco Pereira de Sousa (Chico Hilário/falecido), Raimundo Arcanjo de Sousa (Raimundo Hilário/falecido), Moisés Arcanjo de Sousa (falecido), Agostinho Arcanjo de Sousa (Agostinho Hilário/falecido), Antônia Maria das Mercês (Antônia Mulata/falecida), João Arcanjo de Sousa (João Hilário), Abdias Arcanjo de Sousa (Abdias Hilário/falecido), José Arcanjo de Sousa (José Hilário/falecido), Edite Arcanjo da Fonseca (falecida), Maria Arcanjo de Sousa (falecida ainda bebê) e Francisco Arcanjo das Chagas (Dodô Hilário).

Este é o escopo desta reportagem, que aborda a saga da família dos Hilários no Piauí.

O Jornal do Comércio do Ceará foi conversar com o agricultor João Arcanjo de Sousa, casado com Dona Maria das Dores. Da união de João Arcanjo com dona Maria nasceram onze filhos: Raimundo Arcanjo (falecido), Francisco Pereira (falecido), Margarida Pereira, Manoel Pereira, Maria da Cruz, Antônio Pereira, Joana Pereira, Valdeci Pereira, Lidiana Pereira, Hilário Pereira e Paulo Hilário.

O patriarca João Arcanjo de Sousa, 90 anos, é conhecido na região como João Hilário, o quinto filho do Sr. Hilário Pereira de Sousa e Lina Maria de Abreu. Segundo João Hilário, seus bisavós desbravaram o sertão do Piauí, no ano de 1889, chegando ao lugar Morro do Chapéu, onde nasceu seu pai, Hilário Pereira de Sousa, que estabeleceu moradia neste lugar até mudar-se, em 1940, com sua família para a antiga Barroca, região propícia para o ciclo da cana, pasto, lavoura, agricultura e a cajucultura, que mais tarde viria a se chamar Barroca dos Hilários.

A sua esposa, Dona Lina de Abreu, quando ainda morava no Morro do Chapéu, preocupada com o movimento revoltoso organizado por tenentistas – a Coluna Prestes – que percorreu o Brasil entre 1925 e 1927 combatendo as tropas dos governos de Artur Bernardes e Washington Luís durante a Primeira República, fez uma promessa para Nossa Senhora do Desterro: caso o movimento não invadisse as suas propriedades, ela festejaria a Santa todos os anos, no dia 26 de dezembro. No entanto, com seu falecimento, em 1977, os festejos da Santa foram interrompidos até o ano de 2001, quando seu neto, Lucas Arcanjo de Moura, reuniu a comunidade da Barroca dos Hilários e localidades vizinhas, para a construção de uma capela, onde os festejos são sendo realizados até os dias de hoje.

Em 21 de setembro de 1940, o casal e seus filhos chegaram às terras da Barroca, município de Alto Longá, fundado há mais de duzentos anos. Essas terras pertenciam à Rita de Arêa Leão, uma viúva de muitas posses que foi casada com o Cel. Hermínio Ribeiro, rico fazendeiro natural do estado do Ceará. Rita de Arêa Leão era mulher formosa, gostava de dançar e beber. Era comum os agricultores dedicarem versos, principalmente quando ela passava balançando a saia.

Rita de Arêa Leão
Dança com cabra nego
Que o vestido faz balão

No dia 21 de março de 1940, Rita de Arêa Leão vendeu as terras com 553 (quinhentos e cinquenta e três) hectares para Hilário Pereira de Sousa, lavrando a escritura no cartório do conhecido Cel. Cardoso, na cidade de Alto Longá. Familiares tentaram, logo após o falecimento de Rita de Arêa Leão, contestar o direito de posse, contudo, sem sucesso, pois as terras estavam devidamente documentadas.

Desde esse dia, a família do Senhor Hilário vive nessas terras, aproveitando os seus recursos naturais. Seus filhos tornaram-se político, pecuarista, comerciante e agricultor de sucesso, trabalhando e zelando pelas terras. Formaram famílias que se espalharam pelo Brasil, e que num momento ímpar, no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, reuniram-se, amigos e familiares, para comemorar o aniversário da senhora Maria das Dores, esposa do senhor João Hilário, o atual patriarca da família, que no ano passado completou 90 anos, com alegria comemorados por familiares e amigos.

A festa de Dona Maria das Dores foi animada pelo cantor Camarguinho, regada a muita comida sertaneja e bebida. Para se ter uma ideia, foram abatidos para o evento quatro carneiros, cinco capões, 20 galinhas do pescoço pelado, 10 capotes, dois porcos e uma novilha.

Estiveram presentes autoridades do município de Alto Longá/PI: o Prefeito Henrique César Saraiva de Arêa Leão (PSD), Presidente da Câmara Municipal, Vereador Rochinha, e Secretário de Obras e Vereador, Julão. Presentes, também, pessoas do Município de Beneditinos/PI: o ex-Presidente da Câmara Municipal, Lucas Moura, o Suplente de Vereador, Pedro Arcanjo, a Ex-Secretária de Serviço Social, Francisca Carvalho (Kinha) e Ex-Vereador Zé Dodô.

Para demonstrar a tenacidade de firmeza de propósito merece registro a coragem e a vontade existentes no coração desse valoroso piauiense, João Hilário, que acompanhado de seu irmão Raimundo Arcanjo, não poupou esforços para manifestar sua gratidão a Deus e a São Francisco de Assis, quando destemidamente saiu da barroca dos Hilários com destino a Canindé no Ceará, a pé, enfrentando durante um mês de viagem os perigos da corajosa travessia.

O propósito da viagem era o pagamento de uma promessa que havia feito ao Santo, rogando a cura de uma alergia no corpo (urticária severa). Como não se volta atrás na palavra de um cabra macho do sertão nordestino, João Hilário e seu irmão partiram no dia 05 de junho de 1982, levando um mantulão (trouxa feita de um grande tecido onde se guarda os pertences), um pequeno cruzeiro para deixar na Igreja de São Francisco, alimentos (rapadura e queijo em grande quantidade) e água numa cabaça.

Vale destacar que antes da viagem, seu fiel companheiro, Raimundo Arcanjo, residente no município de Altos/PI, foi falar sobre seu intento com o Dr. José Gil Barbosa, político e tabelião na cidade. Este lhe aconselhou e o levou a Delegacia para que o Delegado lhe concedesse um atestado de idoneidade, documento que apresentava às pessoas por onde passavam.

Muitas dificuldades enfrentaram os dois romeiros, sobretudo para se hospedarem, já que tinham que contar com a solidariedade de desconhecidos. Alguns negavam-lhes acolhida, outros os recebiam com satisfação e alegria. Fazia parte da promessa de João Hilário não dormir em rede no decurso da viagem, mas estatelado ao chão, forrado apenas com um lençol.

Promessa paga e alma aliviada, regressaram à Barroca dos Hilários na data de 05 de julho do mesmo ano.

Outro fato histórico interessante confidenciado a esse repórter pelo senhor João Hilário, é que ouvia de seu pai que houve tempos difíceis no Piauí, sobretudo na época remanescente à Batalha do Jenipapo, conflito que aconteceu pela Independência do Brasil, junto do Riacho Jenipapo, na cidade de Campo Maior – Piauí. Seu João relatou que escutou de seu pai fatos da luta sangrenta, que envolveu até mulheres, que tiveram que pegar em arma, junto com outros cidadãos piauienses, para lutarem contra soldados treinados do governo de Portugal, fortemente armados.

O Jornal do Comércio do Ceará parabeniza os habitantes do povoado Barroca dos Hilários.

One thought on “A saga dos Hilários no sertão do Piauí

  • 31 de março de 2020 em 13:22
    Permalink

    Fazer parte desta história é um orgulho. Aproveito parabenizar a brilhante reportagem de autoria do jornalista Antonio Matos

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