Origem de um clã: Chegada dos Ciganos ao Brasil
• A vinda de Portugal e Espanha • Os primeiros registros de 1574 • Os grandes grupos: Calon, Rom, Sintis 1 A Saga • Os médiuns: verdade ou mentira?
• A Quiromancia, Necromancia, Geomancia, aeromancia, Piromancia e Escapulomancia • Os Exus ciganos: Lalu, Tiriri, Tranca Rua, Marabô, Das Falanges, Das Caveiras e Gira Mundo • O termo ‘Buena dicha’ • O lema dos povos ciganos • Os costumes • A vida pós morte • O luto entre o clã • Instituto Ciganos do Brasil • Entrevista a vidente Iris.
Texto de Zelito Magalhães
O primeiro documento que atesta a presença a presença de ciganos na Espanha data de 1425, quando um grupo recebe carta de proteção do Papa Martinho V para cruzar o território a fim de peregrinar em Santiago de Compostela. Já seu rei, Felipe IV, estabeleceu uma série de proibições a este povo em 1633, como se reunirem em público ou em particular, usarem idiomas próprios, vestirem roupas diferentes e, ainda, praticarem sua dança. Os ciganos chegaram ao Brasil no século XVI, principalmente. de Portugal e Espanha. O primeiro registro deles entre nós é de 1574, quando João Torres, que teve sua pena de prisão comutada das galés para cinco anos de degredo no Brasil, acompanhado de sua família.
A presença cigana em Minas Gerais é notada a partir de 1718, vindos da Bahia, de onde chegaram deportados das terras luso. No Brasil existem três grandes grupos ciganos: os Calon. Oriundos de Portugal e Espanha, que mantêm o dialeta calô. Os Rom, que utilizam o romani, são oriundos especialmente do Leste Europeu. Os Sintis, da Alemanha e da França, após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A partir de 1808, com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, os ciganos aproveitaram-se do crescimento populacional e econômico do Rio de Janeiro para aumentar o comércio de escravos, utilizando-os para a venda. Além dos mercados da capital, também comerciaram os cativos por todo o interior do país, destacando-se, sobretudo, em Minas Gerais. Neste período, alguns grupos foram mais valorizados e aceitos por realizarem o comércio de escravos – tarefa essencial na economia colonial, chegando os mais ilustres a patrocinarem festas na Corte.
Dentre as referências a ciganos artistas que participaram das atividades reais, destacava-se uma de 1810, onde um grupo executou variadas danças na comemoração de casamento da filha de D. João VI, d. Maria Teresa com o infante espanhol D. Pedro Carlos.
Alvos de vigilância
Assim que chegaram às terras ibéricas (Espanha e Portugal), os ciganos começaram a sofrer todo tipo de vigilância. Em Portugal, as perseguições às comunidades constavam de alvarás e dispositivos legislativos que os acusavam de furtos, roubos e feitiçaria. Desta forma, foram proibidos de permanecerem nos “Reinos e Senhorios” portugueses com pena de prisão, açoite e desterro aos que desobedeciam. Na Espanha, Felipe IV estabeleceu uma série de proibições a estes povos em 1633,
Ciganos no Nordeste
Por volta de 1932, cerca de 500 ciganos foram distribuídos entre Piauí, Pernambuco e Ceará. Os ciganos, em nosso Estado, estão presentes em 58 municípios, com maior concentração em Sobral, na Região Norte, e somam cerca de 14 mil pessoas. A estimativa é da Rede Brasileira de Povo Cigano (RBPC) que tem sede na Grande Fortaleza, presidida por Rogerio Ribeiro. Segundo a escritora Theyse Viana, ciganos é um povo alvo de preconceito e com direitos básicos enfraquecidos. Vivem em situação de itinerância. “O que vem à sua cabeça quando escuta a palavra “cigano”? Seja qual foi a resposta que não englobe um terço sequer da diversidade que o grupo representa, são um povo ainda alvo de preconceitos e têm direitos básicos enfraquecidos” – conclue Theyse.
Origem incerta
Alguns especialistas acreditam que eles surgiram na Índia, porque o idioma falado pelos ciganos tem muita semelhança com várias línguas do subcontinente indiano. Os ciganos são um grupo étnico que fala uma língua própria e têm valores culturais diferentes. A sua cultura é marcada por música, dança, artesanato e tradições orais.
Identidade social no Brasil
A construção das identidades ciganas no Brasil, ao contrário do que parece ser na família Kalderash, pelo menos no que tange ao casamento. A união de uma cigana com um não cigano (que é permitida, mesmo que o homem não se converta) e no que tange ao número de esposas por homem cigano, se restringe a uma única. Não existe namoro cigano, quando as moçoilas começam a se interessar pelos rapazes, já pulam direto para o casamento, ficando noivos. Enquanto não se casam, elas ficam morando com os pais e não podem ter nenhum tipo de contato íntimo com os noivos, como beijos, ou mesmo perto deles. O casamento cigano começa a partir dos 12 anos. São feitos ao ar livre, para ver-se o céu azul, as estrelas do céu e sentir-se o vento no rosto. Durante as festas é comum a mulher cigana se apresentar com vários vestidos de gala onde predominam as cores e o requinte. Todos os convidados devem vestir roupas tradicionais e muitas joias. Nesse momento, as madrinhas lançam sobre os noivos amêndoas e os rebuçados e os padrinhos rasgam as camisas aos pais dos noivos e depois aos convidados de honra, com símbolo de alegria por a noiva ter mantido a tradição, mantendo-se virgem. É reconhecida assim, aos pais da noiva, toda a honra e valor pelo fato de a jovem ter cumprido a tradição com os preceitos da cultura tradicional cigana.
A imagem das previsões ciganas
A imagem da cigana que faz previsões ao observar as linhas que carregamos em nossas mãos faz parte do imaginário de muita gente e a prática divinatória existe há muitos anos. Quirologia é o nome que se dá aos estudos das mãos, teoria que fundamente a prática. Já a quiromancia, na renascença, era considerada uma das sete artes proibidas: junco, necromancia, geomancia, aeromancia, piromancia, hidromancia e escapulomancia.
Ciganos no Brasil
Cerca de 800 mil a um milhão de pessos se identificam no Brasil como ciganos, de acordo com o IBGE. Os estados da Bahia, Minas Gerais e Goiás apresentam as maiores concentrações dos assentamentos ciganos. A mudança dos viajores/andadores é apontada por eles como pessoas, dentro da organização social, em busca de melhores condições de vida e pelo sofrimento de uma vida nômade. A palavra “cigano” é uma abreviação de “egípcio”, nome com que os imigrantes foram chamados pela primeira vez na Europa. Acredita-se que eles vieram do Egito. A palavra é gitan, a espanhola gitano e a portuguesa cigano.
Os costumes
Não existe namoro na cultura. Quando as moçoilas começam a se interessar pelos rapazes,” já pulam direto para o casamento, fiando noivas”, anunciam.
Enquanto não se casam, elas continuam morando com os pais e não podem ter nenhum tipo de contato íntimo com os noivos, como beijos, etc. Já se o casamento da filha de ciganos for com filho de pais não consanguíneos, tudo é feito em troca de considerável soma em dinheiro.
Os ciganos têm a pele escura, uma língua indecifrável e origem desconhecida. São uma etnia Rom, Calom ou Sinta dor. Um dos principais problemas deles é o analfabetismo. Além do ouro, o dinheiro é uma das coisas primordiais do cigano. Ele gosta muito de comercializar e usar o ouro, sendo normal ostentar nos dedos vários anéis pescoço e nos pescoço em média cinco a seis cordões.
Numa viagem que este repórter fez a Manaus, teve a oportunidade de ver uma comunidade cigana no serviço de derreter barras de ouro para transformá-las em brincos, anéis, broches e outros adereços de enfeites.
A vida pós morte
Os ciganos acreditam na vida depois da morte e seguem todos os rituais para aliviar a dor dos seus antepassados que partiram. Costumam colocar no esquife da pessoa morta uma moeda, para que ela possa pagar a travessia do grande rio onde separa a vida da morte. Além das vestes negras e compridas, que são as mesmas quer de verão ou de inverno, as mulheres não podem usar brincos ou qualquer adereço, nem algum tipo de maquilhagem. Durante esse período, não podem ter qualquer tipo de versão, nem ouvir música, não podem, inclusive, beber bebidas alcoólicas. Quando termina o luto, todas as roupas usadas são jogadas fora, porque não podem ser guardadas. Antigamente, costumavam enterrar seus mortos com bens de maior valor, mas devido ao grande número de violação de túmulo, este costume teve que ser modificado.
Superstições
Os ciganos acreditam que, quando se escuta o pio de uma coruja distante, é sinal que uma pessoa muito próximo vai morrer, porém, se o pio da coruja é forte, uma pessoa distante passará entre o mundo dos vivos e dos mortos. Quando uma pessoa anciã de uma família cigana está muito doente e se prevê que a sua morte está próxima, são avisados todos os seus parentes, não importa onde estejam. A vida, a doença e a morte do mais velho é prioridade sobre os demais assuntos e entre todos os membros da comunidade cigana. Quando acontece a morte, os ciganos acreditam que o seu espírito ficará no mundo dos vivos até que seja feito o enterro simbólico. Depois do enterro, todos participam dos rituais da Pomara, que é um ritual em homenagem ao morto. Neste ritual, todas as comidas prediletas da pessoa falecida serão servidas de forma cuidadosa, preparada e decorada para tal evento e o lugar do morto estará assegurado na mesa. A partir desse momento, o morto será lembrado e a sua memória reverenciada por todos. Eles acreditam que o espírito da pessoa morta continua a proteger a família.
Instituto Cigano
Fundado em 2018 com a missão de promover e defender os direitos dos povos ciganos, o Instituto Cigano do Brasil (ICB) é uma organização de sociedade civil fundada em 2018 no Ceará, tendo como presidente Marcelo Cavalcante Calon. Em Sobral, a instituição participou do I Encontro Interreligioso promovido pela nova gestão da Prefeitura de Sobral, em parceria com a Secretaria dos Direitos Humanos e da Assistência Social (SEDHAS). No Encontro, o Instituto foi representado por Paulo Cigano, que teve dois momentos de fala, defendendo a liberdade religiosa e a importância de garantir ao povo cigano o direito de expressar a fé que escolher, sem sofrer o preconceito marcante que perpassa décadas e gerações. Ao lado do vice esteve o Bispo Dom Vasconcelos, da Diocese de Sobral, entre outros religiosos representantes. O Encontro deu-se no dia 18 de maio de 2024.
A vidente Iris
Este repórter teve a oportunidade de entrevistar a vidente Iris, residente no centro de Fortaleza. Com o auxílio de sua filha Dely Nicolete, colhemos o seguinte depoimento: “Irmã Iris começou na cartomancia aos 10 anos de idade em alguns interiores da Bahia e Sergipe. Conta atualmente 58 anos de idade. Somos descendentes de ciganos e, naquela época, Iris acompanhava a família como andarilha em tendas de circo. Seus dons mediúnicos começaram cedo, levados pela avó paterna, uma cartomante muito famosa na época, chamada Madame Serdelina. Sua mãe, também cartomante, era chamada de Mãe Valéria.Madame Serdelina viveu por muitos anos na capital cearense, porém, terminou seus dias de vida indo de Salvador a Aracaju. Diz Nicolete que sua avó, Mãe Valéria, veio de Belém do Pará, viveu por algum tempo em Fortaleza, onde também exerceu a cartomancia. Indo residir em Aracaju, ali veio a falecer nos anos 90. Prosseguindo em seu depoimento, diz Nicolete: “Eu herdei das minhas ancestrais o dom da cartomancia e como taróloga. Faço parte da equipe da Cartomante Irmã Iris. Nossa equipe hoje é formada por mim, minha mãe e outras Mães e Pais de Santo da Bahia e do Maranhão”, disse. À pergunta do repórter se sua equipe chega a também a representar a família em seus momentos de trabalho, Nicolete foi incisiva: “Eles preferem ficar por trás dos nossos trabalhos, não se expondo. Aqui em nossa residência à Rua Padre Mororó, moram apenas eu, meu esposo (que não trabalha com cartomancia) e minha mãe Iris. Ela nasceu em Fortaleza, mas foi criada por seus familiares andarilhos. Passou por quase todos os estados do Nordeste e por muitos interiores. Sua criação maior foi em Salvador. Interiores e quilombos. Ela casou-se aos 22 anos e foi morar em João Pessoa, onde auxiliou sua sogra nos trabalhos espirituais, até obter autorização para montar sua própria tenda que foi em Campina Grande”. Complementando sua entrevista, disse Nicolete que sua mãe Iris veio definitivamente para sua terra. Trabalho desde os meus 10 anos. Hoje tenho 38. São 28 anos de cartomancia e 23 de tarologia. Nasci em Fortaleza e hoje tomo conta do consultório de minha mãe que já se prepara para a aposentadoria, depois de alguns anos de espera.
Lisura nos trabalhos
Consideramos um dos pontos fundamentais da entrevista o termo “lisura” empregado por Nicolete. “ Todos os nossos trabalhos consideramos como de maior lisura. Com tantos anos de experiência, não damos mais importância de que esse ou aquele foi o nosso maior e melhor trabalho. O importante é mantermos nossa cabeça levantada para os entreveros que surgirem à frente.
O repórter fez ainda algumas indagações, como: chegou a prestar alguma entrevista para jornal e qual? Para mostrar que conhecia um pouco da família, perguntou pelo seu pai Ricardo, Irmã Jurema, etc. Respondendo por etapa, disse: “Durante muitos anos, tanto eu como minha mãe Iris auxiliamos estudantes de jornalismo que vinham nos procurar. Já participamos de entrevistas pcontatar ara jornais como O Povo e o Diário do Nordeste. A última foi dada por mim ao Jornal da Câmara, no dia 31 de dezembro findo. Com relação a meu pai Ricardo, nunca mais o vi desde que separou-se de minha mãe. A Irmão Jurema faz tempos que não tenho notícia dela.Com relação a esta, o repórter indaga: A irmã Jurema (nome verdadeiro Helena Tairovit) teve uma filha que adotou desde novinha: Miguelena, junção de seu maridoMiguel e esposa Helena. Miguel suicidou-se, alcoolizado, num bar vizinho a casa onde residiam na Rua Tristão Gonçalves. O corpo foi velado no Cemitério São João Batista.
“Escondendo a cara”
O passo inicial para este repórter principiar a matéria jornalística foi buscar os contatos das Videntes Yara, Iris e do Professor Everardo da Bahia. Conseguiu falar por telefone com o esposo de Yara, que, depois de ser informado sobre o sentido da entrevista, não quis se identificar:”É um direito que me assiste em não dar entrevista…”. Já com o Professor Everardo da Bahia, alegou que estava sofrendo muito com a morte da esposa, porísso… Como se pode ver, apenas Dely Nicolete representou a mãe na presente reportagem.
No encerramento da entrevista, o repórter prontificou-se a passar às mãos da família exemplar do Jornal com a entrevista.