Nordeste: Do Sertão da Seca ao Polo de Serviços e Desenvolvimento
Foto: Feira da Confecção de Fortaleza atrai compradores regionais
Por Rogério Morais
O protagonismo feminino no mercado de trabalho cearense tem se intensificado, refletindo as transformações significativas na estrutura social e econômica do Nordeste. À medida que as mulheres assumem o papel de chefes de família, enfrentam jornadas duplas para equilibrar carreiras profissionais com responsabilidades domésticas e cuidados com os filhos.
Historicamente associado à “indústria da seca” – um sistema de dependência econômica e social mantido pela vulnerabilidade climática e pela centralização dos recursos públicos – o Nordeste do Brasil vive hoje um processo de transformação que desafia narrativas históricas de atraso e miséria. A região, marcada por secas severas e uma economia focada no extrativismo e na agricultura de subsistência, está emergindo como um importante polo de comércio, serviços e inovação.
Nos anos 1980 e 1990, a dependência de ações assistencialistas, como a construção de açudes, capinagem de estradas e obras emergenciais, consolidou o modelo da “indústria da seca”. No entanto, com o avanço de políticas públicas estruturantes, como a Bolsa Família, Mais Médicos, educação de qualidade, investimentos em infraestrutura hídrica, portos e incentivos fiscais para atrair empresas, o Nordeste começou a diversificar sua economia.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio do Ceará, o Diretor Geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – Ipece – economista (Doutorando pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de São Paulo), Alfredo de Oliveira, aponta que acesso ao crédito é fundamental para pequenos empreendedores e como o Ceará tem trabalhado para ampliar essas oportunidades e facilitar a vida dos negócios em estágio inicial.
A nova economia nordestina
Atualmente, setores como tecnologia, comércio, turismo, fruticultura, saúde e energia renovável lideram o crescimento econômico da região. Estados como o Ceará, que se destacam pelo desempenho no setor de serviços, apresentam avanços significativos no comércio varejista, turismo e na instalação de parques industriais e tecnológicos. O PIB do Ceará, por exemplo, cresceu 7,21% no segundo trimestre de 2024, mais do que o dobro do crescimento nacional (3,3%). O estado também superou o crescimento do primeiro trimestre de 2024 (1,94%) e do Brasil (1,4%). A previsão para 2024 é de um crescimento de 4,41%.
A transformação também é visível no mercado de trabalho. O aumento da formalização e o crescimento das micro e pequenas empresas são motores essenciais dessa nova realidade. Além disso, o Nordeste tem se beneficiado de iniciativas de crédito e financiamento voltadas para pequenos negócios, como o programa Crediamigo do Banco do Nordeste, que facilita o acesso ao capital para empreendedores locais. E o BNDES “Mais Perto de Você”, que apresenta as principais linhas de financiamento do banco: Capital de giro, crédito para projetos de investimentos, aquisição de máquinas e equipamentos, garantia para financiamentos.
Empreendedorismo feminino
O mercado de trabalho cearense em outubro/2024 apresentou um dado significativo: as mulheres ocuparam a maioria das vagas com carteira assinada no estado. De acordo com dados oficiais, do total de 3.187 novos postos formais gerados no período, 2.347 foram preenchidos por trabalhadoras, representando 73,6% do saldo. O número reforça uma tendência de maior presença feminina em setores formais, consolidando avanços que vão além das estatísticas econômicas. A capacidade de micro e pequenos negócios competirem com empresas maiores e participarem do comércio global influencia o dinamismo dos negócios no contexto macroeconômico.
Conforme o diretor do Ipece, respondendo sobre quais políticas públicas ou programas específicos têm contribuído para o fortalecimento dos pequenos negócios no Estado, cita o programa “Impulsiona Ceará”, como um bom exemplo. Conforme ele, a iniciativa é executada pela Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece) e tem contribuído para efetivar a política de desenvolvimento dos Arranjos Produtivos Locais (APL), grupos de empresas e negócios. “Além de desempenhar atividades voltadas à produção, também são estimuladas atividades de aprendizagem, cooperação e inovação para esse recorte de negócios da cadeia produtiva do estado que, apesar de sua representatividade e relevância no nosso sistema econômico, ainda encontram muitas barreiras para crescer e manter sua longevidade”.
Para Alfredo Oliveira, o diferencia do modelo cearense de apoio aos pequenos negócios em relação a outros estados do Brasil, é “a própria formação histórica e cultural do nosso estado que contribui bastante para que esse modelo seja exitoso”. Conforme ele, é fato que o Ceará já avançou bastante nas últimas décadas, em todas as áreas, “mas ao olharmos o passado não muito distante do nosso estado, conseguimos nos dar conta das principais necessidades da população, especialmente no interior… Cientes disso conseguimos, enquanto Governo do Estado, modelar as políticas públicas mais inclusivas e adequadas a essas especificidades”.
O protagonismo feminino no mercado de trabalho cearense tem se intensificado, refletindo as transformações significativas na estrutura social e econômica. Cada vez mais, à medida que as mulheres assumem o papel de chefes de família, enfrentam jornadas duplas para equilibrar carreiras profissionais com responsabilidades domésticas e cuidados com os filhos. Apesar desses desafios, elas dominaram as contratações formais no Ceará durante o último mês de outubro.
Mulheres estão ampliando participação no mercado formal de trabalho
Dos 3.187 postos de trabalho criados no período, impressionantes 2.347 – ou 73,6% do total -, foram ocupados por mulheres, enquanto os homens assumiram 840 vagas. O interior do Estado e cidades próximas a Fortaleza concentraram a maior parte dessas contratações.
O avanço das mulheres no mercado de trabalho cearense reafirma seu papel indispensável no desenvolvimento socioeconômico, impactando o Produto Interno Bruto (PIB) do Ceará e se justifica pelas ações conjuntas de diversos órgãos direcionados para esse objetivo, conforme ele: “O SEBRAE nacional estima que micro e pequenas empresas geram em torno de 27% do PIB do Brasil. Não temos esses dados atualizados por unidade da federação, mas, se tomarmos essa condição como parâmetro, só em 2021 esse montante representou mais de R$ 526 milhões no Ceará. Em torno de 70% da composição do PIB cearense é referente ao setor de serviços, que engloba comércio, e é um setor que tem como uma das característica ser majoritariamente composto por pequenos negócios.
Pequenos negócios são grandes empregadores, especialmente em economias em desenvolvimento e áreas rurais ou periféricas. Eles ajudam a reduzir o desemprego, especialmente para pessoas com menor qualificação ou que enfrentam dificuldades no mercado de trabalho formal. No panorama geral, o Ceará encerrou outubro com 1.411.383 vínculos formais ativos, um crescimento de 4,2% em relação ao mesmo período do ano passado. Isso significa um acréscimo de 57.666 trabalhadores no mercado formal, evidenciando um aquecimento na economia estadual, impulsionado pela proximidade do período de contratações sazonais de fim de ano.
Para o Economista do Ipece, O Ceará vive um momento bastante propício para superar essas questões. A economia está aquecida, estimulando o espírito empreendedor do cearense, ao passo que o Governo do Estado vem desenvolvendo políticas públicas de fomento produtivo que podem atenuar essas dificuldades, tanto por meio de inclusão financeira quanto por meio de projetos de capacitação e inovação.
O antigo modelo de desenvolvimento econômico, de até uns 15 anos atrás, acreditava que era através da atração de grandes empreendimentos produtivos e estruturantes que as regiões de renda mais baixa poderiam se desenvolver, mas as experiências foram nos evidenciando que apenas isso não era suficiente. “O fortalecimento das cadeias produtivas é essencial para que esse processo possa acontecer, e é aí que entra a integração dos pequenos negócios do estado, especialmente aqueles integrantes do setor de serviços”, explica.
Bancos Digitais e PIX
Os bancos digitais e o sistema de pagamento PIX vêm desempenhando um papel transformador no fortalecimento dos micro e pequenos negócios no Brasil, especialmente no Nordeste. Essas inovações têm facilitado o acesso ao crédito, promovido a inclusão financeira e reduzido barreiras que antes limitavam a competitividade de empreendedores.
Historicamente, o acesso ao crédito era um dos maiores desafios para micro e pequenos empreendedores, principalmente em regiões mais afastadas dos grandes centros econômicos. Os bancos digitais, com sua operação simplificada e taxas mais competitivas, romperam essa barreira. Por meio de processos menos burocráticos, essas instituições oferecem crédito rapidamente, viabilizando capital de giro para pequenos negócios. Essa facilidade de acesso é decisiva para empreendedores de baixa renda e moradores de áreas rurais, que antes tinham poucas opções e enfrentavam taxas de juros elevadas nos bancos tradicionais.
O sistema de pagamento instantâneo Pix, implementado pelo Banco Central, trouxe uma revolução para as finanças dos micro e pequenos negócios. Com transações rápidas, gratuitas (ou de baixo custo) e disponíveis 24 horas, o PIX eliminou a dependência de intermediários e reduziu custos operacionais. Além disso, pequenos empreendedores agora podem aceitar pagamentos de forma mais acessível e eficiente, melhorando o fluxo de caixa e a experiência dos clientes. No Ceará, por exemplo, o PIX tem sido amplamente adotado por empreendedores informais, feirantes e pequenos comerciantes, permitindo que eles movimentem suas finanças com maior agilidade e segurança.
Um dos programas do Governo do Estado que mais tem se destacado nesse aspecto, segundo Alfredo Oliveira, “é o CEARA CREDI, criado e administrado pela Agência de Desenvolvimento do Estado. Por meio dele, é concedido crédito e capacitação para micro empreendedores, contribuindo para a criação e o fortalecimento dos pequenos negócios e, consequentemente, gerando mais empregos e renda para a população cearense. Só até outubro desse ano já foram financiados mais de 21 mil empreendedores, totalizando mais de R$ 46 milhões em créditos concedidos”, destaca. E acrescenta: “Destes, 76.4% foram para mulheres empreendedoras, o que é um dos diferenciais do programa. O CEARA CREDI possui recortes prioritários para mulheres chefes de família, egressos do sistema prisional, pessoas com deficiência, entre outros”.