Onde estão os reservatórios das novas hidrelétricas que poderiam ajudar a controlar o nível nessa hora em que as hidrovias param de funcionar?

ANA declara escassez hídrica nos rios Madeira e Purus, mas INPE já provou que em 60 anos chuvas no Sul aumentaram em 30% e diminuíram até 40% no Norte, Nordeste e Sudeste.

Ivo Pugnaloni*

www.enercons.com.br

Mês passado nosso artigo “Agricultura não pode ser catástrofe, nem energia provocar desindustrialização” já abordou esse tema recorrente: a alteração do regime de chuvas é um fato e deixar de plantar e colher por causa disso não é opção válida. Mas sim, esquecer superstições e palpites infelizes e usar inteligência, engenharia e interesse público.

Os mapas e gráficos que ilustram esse artigo de hoje, não deixam margem a dúvida. Faltam reservatórios de água tanto no norte como no sul do país. E quem for contra sua construção tem que explicar melhor o combate insano que realiza a troco de exatamente não se sabe o quê.

Especialmente os que como eu, acreditam que as hidrovias são a mais barata, menos poluente e melhor forma de transporte de grandes quantidades de carga a granel.

Existiu vigoroso aumento das chuvas no sul e brutal redução das mesmas no norte e no centro oeste. E ao invés de chorar o leite derramado, minha opinião de engenheiro é que devemos focar-nos em encontrar as soluções mais eficientes, conhecidas e provadas em outros pontos do país e do mundo que é construir reservatórios de água doce que gerem energia e controlem o nível das hidroevias. Ponto.

Às mudanças climáticas, devemos responder com uma atitude afirmativa que prove que do Sul ao Norte, que o Brasil é o nosso país. O país de um povo forte e soberano, que sabe vencer grandes desafios através da sua união, da sua inteligência e da sua capacidade de distinguir boatos de realidade. Um povo que não vai parar de plantar, colher, construir e fabricar seu futuro apenas porque seus concorrentes e adversários comerciais no exterior assim o desejam.

Esse artigo, como o anterior foi escrito no sentido de demonstrar que soluções técnicas já existem, assim como as evidências físicas não apenas do fenômeno climático, mas da destruição de quase todas as formas de mitigação que a ciência já encontrou há mais de 130 anos, para secas e enchentes: a construção de reservatórios, verdadeiros lagos artificiais, mas pacíficos, aprazíveis, piscosos e integradores de beleza e bem-estar com interesses e valores humanos fundamentais.

Tudo isso diga-se em alto e bom sim, respeitando de forma integral os sagrados direitos à vida e à cultura dos povos ancestrais e dos ribeirinhos, violados exatamente pelos maiores adversários das hidrelétricas, a quem interessou há 20 anos, quando aboletados no governo federal, destruir a imagem das mesmas para favorecer a única fonte que com elas pode concorrer em termo de permanência: as termelétricas fósseis, altamente articuladas e eficazes na prática do lobby.

Os lagos dos reservatórios são a providência que o ser humano pode tomar quando a irrigação consome 68% de todo o volume de água das outorgas concedidas pela ANA. Pois afinal, o que acontece com a velocidade de escoamento da água no solo e nos rios, quando derrubamos florestas para formar pasto ou plantar soja para exportar?

O que acontece com a quantidade de água absorvida pelo solo, quando dobramos a velocidade do escoamento depois de removidas as raízes das florestas? O que acontece com a erosão do solo quando a velocidade de escoamento aumenta? O que acontece com o leito dos rios, se a erosão aumentar? Se a erosão e o assoreamento dos rios aumentarem, será que o fluxo da água vai continuar preso na caixa dos rios ou vai transbordar para fora de seu leito, criando áreas úmidas?

As respostas podem ser resumidas numa poderosa combinação de efeitos cumulativos na qual o aumento da velocidade de escoamento reduziu a água absorvida pelo subsolo, aumentou a erosão e a evaporação de água. E tudo isso junto, aumentando os riscos de novas e grandes enchentes.

É nisso que temos que nos focar: precisamos diminuir a velocidade com que a água da chuva corre de volta em direção ao mar, donde em boa arte ela veio, por ação do Sol.

Como fazer isso, veremos adiante nessas perguntas: o que aconteceu com a produção de alimentos para exportação, quando a carga tributária do agronegócio caiu para 6,75% e com a produção industrial quando os tributos sobre a indústria chegaram em 44%? Por que o PIB da indústria em 1976 era 21% do total e caiu para apenas 9% do PIB em 2023? O que acontece quando a ANEEL e o Ministério de Minas e Energia, assistem passivamente as distribuidoras comprando a energia 10 vezes mais cara das termelétricas, repassando esse custo aos consumidores e não comprando das hidrelétricas, dez vezes mais barata? O que aconteceu com as tarifas de energia quando a capacidade de geração das termelétricas fósseis, subiu mais de 660% entre 1995 e 2022? O que aconteceu com a produção industrial quando o custo da energia para a indústria subiu 174% acima da inflação entre 1995 e 2023 e para as demais classes “só 73%”, segundo a FIRJAN? Por que a Empresa de Pesquisa Energética não considerou as perdas elétricas e nem as tendencias hidrológicas, no cálculo da garantia física de energia das hidrelétricas, cometendo erro que impediu novos investimentos na construção de hidrelétricas, favorecendo a emissão de 600% mais gases de efeito estufa?

“Vocês querem que o Brasil tenha outro apagão sem as termelétricas?”

Não é isso. Queremos que as termelétricas não tomem mais espaço das hidrelétricas como fonte permanente e renovável. Queremos que o governo diga claramente à sociedade quais as fontes permanentes de energia que podem assumir a carga depois das 18 horas quando a geração fotovoltaica entra em colapso por falta de Sol. E qual sem dúvida ele deve preferir por ter maiores vantagens ambientais.

Queremos que o ministério de minas e energia cumpra a lei que determina ( e não pede ) que as vantagens ambientais e de operação permanente sejam consideradas na fixação de preços nos leilões. E que cessem as manobras protelatórias que impedem o cumprimento da lei.

Queremos que o governo brasileiro diga com todas as letras que dentre as duas fontes permanentes, que são as termelétricas fósseis e as hidrelétricas, que são as únicas que podem operar 24 horas, as térmicas tem preço até 10 vezes maior, tem mais impactos negativos sobre a atmosfera e sobre a saúde das pessoas.

Queremos que o governo tome partido nessa disputa e diga qual das fontes de energia tem maiores efeitos benéficos para a redução da velocidade de escoamento das águas de forma a evitar a erosão, o assoreamento, prevenindo as enchentes. Será a fonte solar? As termoelétricas, as eólicas? Ou as hidrelétricas?

Queremos que o governo do Paraná, estado que sofreu o mesmo aumento de chuvas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, diga em alto e bom som que naquele estado não existem agora enchentes nos terços baixo e médio do rio Iguaçu, depois de construídas seis grandes hidrelétricas pela COPEL. E que isso de forma nenhuma foi fruto de uma coincidência.

Será que grande quantidade de enchentes que a cada três ou quatro anos atingem os gaúchos e catarinenses não tem nada a ver com o pequeno número e pouca capacidade de armazenamento de suas hidrelétricas? Quem será que terá impedido a construção de 54 hidrelétricas de pequeno, médio e grande porte no estado gaúcho, que poderiam ter reduzido em muito os efeitos das chuvas previstas há mais de dez anos?

Acumular pequenas quantidades de água nas propriedades e gerar energia com ela. Uma solução, sim.

Pequenas barragens em cada propriedade rural, em cada arroio, em cada riacho, podem ser construídas em poucos meses com capacidade adicional de reserva para ser preenchida em caso de enchentes ou de secas.

Ao mesmo tempo, elas podem produzir pescado, hortaliças e mesmo energia elétrica, sendo ligadas diretamente à rede das distribuidoras como acontece com as placas solares. Mas com a vantagem de operar durante 24 horas, armazenarem energia elétrica na forma de água doce prevenindo-nos de enchentes e de secas. Uma solução quase óbvia, já adotada em muitos países, classificadas pela ANEEL como micro centrais hidrelétricas, servindo como compensação ambiental ao desmatamento já incorrido ou futuro.

Além desses benefícios elas ainda vão gerar energia barata para o produtor rural, armazenarão água doce, produzirão receita e alimentos de alta qualidade, em toda parte. Tanto no Sul como no Norte.

Essas barragens, construídas dentro da técnica e da legislação ambiental, projetadas e instaladas por profissionais habilitados, seriam financiadas pelo BNDES com juros que levem em conta os seus benefícios para a sociedade. Elas irão nos ajudar a nos adaptarmos melhor às enchentes no sul e às secas no norte, nordeste e sudeste.

Tudo isso com equipamentos 100% nacionais e mais de 30% dos serviços disponíveis no local. Com os menores investimentos. Aliás, qual seria o preço da “não-existência” de uma enchente como essa do Rio Grande do Sul?

Para ajudar tudo isso a acontecer, além das secretarias estaduais da agricultura e do meio ambiente mobilizarem-se, vamos precisar que o ministério de minas e energia convença as distribuidoras e cumprirem os regulamentos que criaram a modalidade de geração distribuída.

Essas concessionárias de serviço público precisam investir mais na proteção de suas redes com relação ao fluxo reverso de potência gerado pelas placas solares, como previsto em lei. E deixem de usar seu próprio despreparo técnico para negar acesso às suas redes aos pequenos geradores particulares, tirando proveito da própria torpeza, como vedado por princípio da lei pátria.

 

*Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni é engenheiro eletricista é foi diretor de planejamento da COPEL e diretor presidente da COPEL DISTRIBUIÇÃO, do Instituto Estratégico do Setor Elétrico (ILUMINA), fundador e primeiro presidente da ABRAPCH, associação brasileira de pequenas hidrelétricas, secretário adjunto de transportes de Curitiba, membro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia do Paraná. professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Hoje Ivo é o presidente da ENERCONS Consultoria em Energias Renováveis.    www.enercons.com.br

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