Pesquisa desenvolve bioprocessos para a produção de ácidos orgânicos a partir de matérias-primas renováveis
Ácidos orgânicos têm alto valor agregado e são usados pelas indústrias alimentícias, químicas, cosméticas e farmacêuticas, além da agricultura.
- Pesquisadores da Embrapa Agroenergia desenvolveram bioprocessos para produzir os ácidos lático, cítrico, xilônico e kójico, muito utilizados nas indústrias alimentícia, química, cosmética e farmacêutica, bem como na agricultura.
- Por meio de fermentação de matérias primas renováveis, processos usam fungos e bactérias como biocatalisadores e são totalmente sustentáveis.
- Processos desenvolvidos exigem adaptações simples nas instalações industriais já existentes.
- Empresas interessadas podem participar das etapas de finalização das tecnologias para levá-las ao mercado.
A equipe de pesquisa da Embrapa Agroenergia (DF) desenvolveu bioprocessos para a produção dos ácidos lático, cítrico, xilônico e kójico, produtos de alto valor agregado e usados pelas indústrias alimentícias, químicas, cosméticas e farmacêuticas, além da agricultura. A produção desses ácidos pode ser feita a partir das rotas do biodiesel ou do etanol, com matérias-primas renováveis como glicerina e hidrolisados contendo açúcares e utiliza microrganismos como catalisadores biológicos, compondo processos ambientalmente sustentáveis. A Embrapa procura parceiros do setor produtivo para codesenvolver as etapas finais e levar as tecnologias ao mercado (veja quadro no fim do texto).
A produção é feita por meio de fermentação a partir de diferentes fontes de carbono, como açúcares ou glicerina. Cada tipo de ácido utilizou um microrganismo diferente que atuou como biocatalisador da reação. Para a produção do ácido lático, foi utilizada uma cepa de bactéria. Já os ácidos cítrico e kójico foram produzidos a partir de fungos filamentosos e o ácido xilônico por uma levedura geneticamente modificada.
Os microrganismos utilizados como biocatalisadores fazem parte da coleção de microrganismos da Embrapa Agroenergia, que contém atualmente mais de dez mil bactérias, fungos, leveduras e microalgas para aplicação em diferentes segmentos industriais.
Vantagens
“A grande vantagem que observamos na produção desses ácidos é a utilização de matérias-primas de origem renovável e também de coprodutos dos processos de produção de biodiesel e etanol”, afirma a pesquisadora Mônica Damaso, responsável pela pesquisa.
Para a produção desses ácidos, são necessários ajustes simples nas instalações industriais já existentes. “Propomos a obtenção desses produtos dentro do conceito de biorrefinaria da cana-de-açúcar e do glicerol, agregando valor ao setor sucroalcooleiro energético e de biodiesel”, pontua Damaso. Além disso, os nutrientes e sais minerais necessários ao crescimento dos microrganismos responsáveis pela fermentação já estão, em parte, presentes nas matérias-primas e coprodutos a serem utilizados, o que facilita o processo.
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU
Outra vantagem apontada pela pesquisadora é a possibilidade de atender a alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas por meio do uso de fontes renováveis de matéria-prima para a obtenção de bioprodutos.
As pesquisas que originaram os ácidos lático, cítrico, xilônico e kójico têm aderência ao ODS 9 (Indústria, inovação e infraestrutura), na medida em que busca promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; ao ODS 12 (Consumo e produção sustentável), que busca assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis; e ao ODS 17 (Parcerias e meios de implementação), na medida em que visa fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável do planeta.
Principais mercados nas indústrias
Os ácidos orgânicos são ativos tecnológicos altamente demandados pela indústria e podem atender a diferentes mercados, como a indústria alimentícia, de química fina e de fabricação de polímeros renováveis.
Para o ácido lático, as principais aplicações são a indústria alimentícia (acidulantes) e de química fina (tintas, vernizes e plastificantes), e o mercado de blocos construtores para a fabricação de polímeros renováveis.
Para o ácido cítrico, os mercados com maior aplicação são a indústria alimentícia (realçador de sabor, inibidor de crescimento, acidificante, antioxidante, emulsificante de bebidas e outras); farmacêutica, de cosméticos e cuidados pessoais (anticoagulante, hidratante, emoliente, efervescente e outras).
No caso do ácido xilônico, as principais aplicações são para a fabricação de biopesticidas, branqueamento de têxteis, como substituto do ácido glucônico utilizado em produtos não alimentícios, dispersante em cimento, antibiótico e como aditivo para melhorar a absorção de vitamina C.
Bactéria ajuda a obter o ácido Lático
Partindo da rota de produção do biodiesel, o óleo vegetal ou gordura animal passam primeiramente por um processo de transesterificação, quando são adicionados à mistura álcool e um catalisador químico. Esse processo transforma o óleo em biodiesel e glicerina, sendo esta considerada um coproduto da produção de biodiesel.
A glicerina passa então por um processo fermentativo com a utilização de uma cepa elite de bactéria isolada da biodiversidade brasileira, que dá origem ao produto final ácido lático. A equipe de pesquisa também obteve ótimos rendimentos na produção de ácido lático utilizando caldo de sorgo sacarino.
Ácido Cítrico da cana ou do sorgo sacarino
Se o ponto de partida for a rota de produção do etanol, o processo terá início com a cana-de-açúcar ou sorgo sacarino, cultivar que pode ser plantada na entressafra da cana. Após a moagem dos respectivos bagaços, obtém-se um caldo rico em sacarose que, após o processo fermentativo com o uso de microrganismos, dá origem ao ácido cítrico.
A mesma rota também pode utilizar o bagaço da cana in natura que, após a etapa de pré-tratamento, dá origem à lignina, celulose e hemicelulose. Esses materiais sólidos passam por uma terceira etapa, a hidrólise enzimática, da qual se obtém açúcares que podem ser fermentados e convertidos em diferentes ácidos, como o ácido cítrico.
Ácido Xilônico
Uma terceira possibilidade de uso da biomassa da cana-de-açúcar para a produção de ácidos é a fermentação do licor da cana-de-açúcar obtido após a etapa de pré-tratamento do bagaço.
O uso de linhagens recombinantes da levedura Komagataella phaffii (Pichia pastoris) no processo fermentativo gerou como produto o ácido xilônico.
Tudo começou com o ácido Kójico
As pesquisas com ácidos na Embrapa Agroenergia tiveram início com o Ácido Kójico, a partir de glicerina. Muito utilizado pela agricultura e pelas indústrias de cosméticos, farmacêutica, química e alimentícia, o ácido kójico foi obtido com a utilização de fungo filamentoso selecionado da biodiversidade brasileira. Semelhante aos outros ácidos, o processo de produção ocorreu por meio de processo fermentativo que teve como única fonte de carbono a glicerina (glicerol bruto), um coproduto do biodiesel.
O ácido kójico agrega valor à cadeia produtiva do biodiesel, aumentando a sua sustentabilidade comercial e ambiental.