Flexibilização da proteção às margens dos rios pode deixar a população mais exposta a desastres naturais e crise hídrica

Vista do mirante do Parque Passaúna, em Curitiba – Foto Pixabay

Projeto de lei aprovado pelo Congresso na quarta-feira, 8/12, altera o Código Florestal e dá autonomia aos municípios para legislarem sobre as Áreas de Preservação Permanente (APP) em centros urbanos

Especialistas veem riscos de aumento das pressões locais pelo uso de áreas que deveriam ser preservadas

O Congresso Nacional aprovou nessa quarta-feira, 8/12, um projeto de lei que transfere da União para os municípios a competência para definir as regras de proteção às margens de rios, lagos, lagoas e demais cursos d’água de cidades brasileiras. O texto aprovado, que segue para sanção da Presidência da República, altera o Código Florestal e pode permitir a realização de intervenções e obras, além de facilitar a regularização de construções irregulares. A alteração na legislação foi recebida com preocupação por pesquisadores e organizações comprometidas com a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável no Brasil, que temem o aumento das pressões pelo uso de áreas que deveriam ser preservadas. De acordo com o Código Florestal, margens de rios são Áreas de Preservação Permanente (APP).

A definição das faixas mínimas a serem protegidas nas margens dos rios, conforme especificado na lei federal, visa garantir que as funções gerais dessas áreas sejam minimamente resguardadas, tanto no espaço rural quanto no urbano. A tentativa de remeter a definição de APP ao legislador municipal pode facilitar a redução dessas áreas. Uma das consequências diretas deve ser o aumento dos riscos de deslizamentos de encostas e a potencialização dos efeitos das enchentes, causando prejuízos econômicos, sociais e sanitários. Além disso, recursos hídricos desprotegidos comprometem o fornecimento de água, agravando a crise hídrica e potencializando uma iminente crise energética.

Aliança Bioconexão Urbana, formada por oito organizações que defendem o uso de Soluções Baseadas na Natureza para enfrentar desafios das cidades, realça que proteger as nascentes e cursos d’água deveria ser uma prioridade nacional, já que os recursos hídricos são estratégicos para o abastecimento da população, irrigação de lavouras, geração de energia e o desenvolvimento das mais variadas atividades econômicas. “As APPs contribuem para a proteção da biodiversidade, ajudam a regular o microclima, protegem recursos hídricos, reduzem os efeitos das ilhas de calor em grandes cidades e regiões metropolitanas e também oferecem bem-estar para as populações. Não faz sentido flexibilizar a legislação, gerando incertezas sobre essas áreas e colocando a população em risco. Ao poder induzir desmatamentos, a mudança na lei também vai contra o acordo de desmatamento zero até 2030 assumido pelo Brasil durante a COP26”, alerta André Ferretti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, uma das organizações que integram a Aliança Bioconexão Urbana.

Menos áreas verdes

A transferência de competência na legislação sobre APPs também pode facilitar a redução de áreas verdes em grandes cidades, gerando ainda maior gasto público com serviços como o abastecimento de água. Caso isso ocorra, a medida vai na contramão de políticas públicas adotadas com sucesso no Brasil e em outros países em relação às chamadas Soluções Baseadas na Natureza (SBN), que utilizam infraestrutura verde como estratégia para solucionar diversos desafios enfrentados pelas cidades.

Para Cecília Herzog, paisagista urbana, especialista em Preservação Ambiental das Cidades e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), os legisladores deveriam considerar que a natureza oferece uma série de serviços ecossistêmicos essenciais à qualidade de vida da população. “Diversos estudos comprovam que a manutenção da infraestrutura natural nas margens de rios reduz os sedimentos depositados nas águas e, consequentemente, gera economia de recursos ao poder público nos sistemas de tratamento e distribuição de água. Manter áreas verdes nas margens dos rios é uma maneira inteligente de gerar economia em gastos com dragagem dos reservatórios e também na aquisição de produtos químicos para tratamento”, salienta a especialista.

Além de preservar os recursos hídricos, APPs contribuem para a preservação da biodiversidade e podem ser importantes para melhorar a saúde e a qualidade de vida da população, conforme explica André Ferretti. “Com a adoção de parques e corredores ecológicos nas margens dos rios, é possível estimular a atividade física e o lazer, além de diversas atividades culturais e econômicas, gerando um ciclo virtuoso a partir do contato com a natureza. Áreas verdes devem ser compreendidas como grandes ativos das cidades”, ressalta.

E-book gratuito

Para saber mais sobre como as Soluções Baseadas na Natureza são importantes para que as cidades se preparem para os desafios das mudanças climáticas, a Fundação Grupo Boticário disponibiliza gratuitamente o e-book “Cidades Baseadas na Natureza – infraestrutura natural para resiliência urbana”. O material traz exemplos de diferentes metrópoles que adotaram com sucesso a infraestrutura verde para solucionar problemas urbanos. Baixe aqui.

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