PEC Emergencial pode acabar com uma das maiores distorções fiscais da indústria automobilística brasileira

Criado para gerar emprego e renda na região Nordeste, o programa de incentivo causa o efeito contrário, ao prejudicar todos os estados com o corte da redistribuição do IPI não recolhido

Apenas com os R$ 5 bilhões anuais de privilégios que beneficiam apenas duas montadoras, o Brasil poderia incluir cerca de 10 milhões de pessoas no Bolsa Família.

A PEC 186/2019 passou pelo Congresso. Além dos pontos mais importantes como o auxílio emergencial e o orçamento para saúde nesse momento de pandemia, há uma discussão que pouco se fala: a possibilidade de acabar com uma das maiores distorções da indústria brasileira. Que tira bilhões de reais de todo o nordeste do País por causa de duas empresas.

O texto, que discute formas de garantir o reequilíbrio social e fiscal do Brasil durante e após a pandemia, prevê a redução progressiva até a eliminação dos privilégios dos incentivos fiscais que beneficiam algumas poucas empresas, em troca de um prejuízo bilionário a todo o País.

Um exemplo gritante é o privilégio fiscal federal dado às indústrias do setor automotivo, somente a duas montadoras, instaladas nos estados de PE e BA.

Um estudo da própria Anfavea (entidade que representa as montadoras) mostra que cerca de 70% dos R$ 6,5 bilhões anuais de incentivos fiscais federais concedidos nos últimos dois anos a indústrias automotivas estão concentrados em apenas dois estados do Nordeste.

Para compreender o tamanho da proporcionalidade desse privilégio no cenário desafiador que vivemos, esses R$ 4,5 bilhões ao ano, que deixaram de entrar nos cofres públicos poderiam ser utilizados, por exemplo, na inclusão de cerca de 10 milhões de pessoas no programa Bolsa Família. (VEJA IMAGEM NO FINAL DO DOCUMENTO).

Ironicamente, os demais Estados da própria região que a legislação dos incentivos fiscais visava incentivar (NE) são os mais prejudicados. Isto ocorre devido à redução da redistribuição do IPI não recolhido nas vendas de automóveis provenientes dos estados da Bahia e Pernambuco.

A distribuição constitucional do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) prevê que 42% das taxas recolhidas são divididos e retornam aos Estados e municípios brasileiros. Portanto, os demais Estados, incluindo os mais pobres das Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, deram quase R$ 2,5 bilhões por ano a estas duas montadoras instaladas no PE e BA.

A esta discrepância que por si só já seria muito prejudicial ao País, soma-se a sucessiva renovação dos benefícios, no “apagar das luzes” dos Governos Lula e Temer, com a justificativa de que estas empresas iriam investir no Brasil. Estas decisões levantam indagações: se os privilégios iniciais já serviram para os primeiros investimentos das montadoras na instalação, por que foram renovados? Estas indústrias não deveriam andar com as próprias pernas para investir e manter seus ganhos financeiros originados graças aos privilégios recebidos nos primeiros anos de funcionamento? E neste caso, resta saber também o porquê do tratamento desigual a outras indústrias que nunca receberam incentivos fiscais e permanecem no Brasil investindo por conta própria há décadas.

E apesar de todo este arsenal de desigualdades, a Ford, uma das duas montadoras que recebeu todos estes privilégios ao lado da Fiat por ter fábricas instaladas na Bahia, anunciou a saída do Brasil. Segundo a própria empresa, os custos provisionados para o fechamento das unidades é de US$ 4,1 bilhões, mais de R$ 20 bilhões. Ou seja: os estados brasileiros custearam com os privilégios fiscais a saída da montadora do País e a eliminação de 5.000 empregos.

Para acabar com esta situação de descompasso econômico e social que se perpetua há anos, o texto substitutivo da PEC 186/2019, de autoria do senador Marcio Bittar, estabelece no artigo 6º que a emenda constitucional entrará em vigor na data de sua publicação, com exceção do inciso XII do art. 167 – que trata da criação, ampliação ou renovação de benefício ou incentivo tributário –, cuja entrada em vigor seria em 1º de janeiro de 2026. O parágrafo único do art. 6º determina que a reavaliação dos referidos benefícios e incentivos se aplica também àqueles já existentes, considerando-se como termo inicial a data de promulgação da emenda constitucional.

O andamento da PEC 186 pode significar o fim de um artifício fiscal histórico que beneficia determinadas empresas, sem a devida compensação social e econômica na região, em detrimento da economia e outras ações sociais em todo o restante do País.

Para corroborar todas estas informações, vale lembrar ainda que em 2011 um estudo do próprio Centro de Estudos do Senado Federal (EM ANEXO) já apontava os malefícios destes incentivos fiscais que privilegiam poucos em detrimento de muitos. Um estudo que faz aniversário de 10 anos de sua publicação pode finalmente estar sendo levado em conta, para reduzir as desigualdades do setor automobilístico que prejudicam todos os brasileiros.

Imagem de uma apresentação produzida pela Anfavea – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos automotores. Os valores marcados em amarelo são os privilégios fiscais dados a duas montadoras instaladas apenas na Bahia e Pernambuco.

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