Conselho de Biologia alerta para repetição da tragédia no Pantanal

Apesar da regularização das chuvas, Biólogos indicam que é preciso agir agora para evitar nova destruição do bioma na estação de seca

 

Campo Grande e Cuiabá, 26 de fevereiro de 2021 – O Conselho Regional de Biologia da 1ª. Região (CRBio-01), cuja jurisdição engloba os estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, apela para que as autoridades tomem medidas e a sociedade se mobilize para evitar uma nova onda de incêndios generalizados no Pantanal durante a próxima estação de seca, nos meses de maio a outubro.

No ano passado, mais de 22 mil focos de incêndio consumiram pelo menos 30% da vegetação nativa do bioma. A tragédia aconteceu devido à combinação da seca prolongada – um fenômeno natural agravado pelo aquecimento global e desmatamento – com a ação humana, por vezes criminosa, e o desleixo do poder público.

“Mesmo com toda a destruição no ano passado, com toda a comoção nacional, nada foi feito. Os governos ainda não colocaram em prática as medidas preventivas que tanto discutimos. A hora de agir é agora”, ressalta o Biólogo José Milton Longo, responsável pela delegacia do CRBio-01 em Campo Grande (MS).

 

Condições climáticas

O Pantanal é uma planície que se estende por três países: Brasil (com 62% da área), Bolívia (20%) e Paraguai (18%). No Brasil, a porção norte do Pantanal está no estado de Mato Grosso e a porção centro sul no estado de Mato Grosso do Sul.

A alma do Pantanal é o Rio Paraguai, cujas cabeceiras estão em Mato Grosso. A região é marcada por estações bem definidas de chuva e seca. Na atual estação de chuvas, as precipitações, principalmente nas cabeceiras do Paraguai, elevam o nível do rio, que transborda e gradativamente alaga primeiro a porção norte do Pantanal, depois a parte central e sul.

As lagoas (ou baias) do Pantanal são berçários de peixes, que atraem aves e toda uma extensa cadeia de predadores. A exuberância da fauna e flora na cheia atrai turistas, principalmente para a sub-região de Poconé (MT) e ao longo da Estrada Transpantaneira e da Estrada Parque, na região de Miranda e Corumbá (MS).

Com o fim das chuvas, as lagoas secam gradativamente e dão lugar ao campo limpo (área predominante de capim), campo sujo (com alguns arbustos e poucas árvores) e campo de murundum (com ilhas de árvores e arbustos) na estação de seca, que perdura aproximadamente de maio a outubro. Os incêndios costumam acontecer principalmente no fim do período de seca, com risco agravado pela substituição do capim nativo da região pelo capim africano, mais volumoso, promovida pelos pecuaristas.

O Biólogo Ibraim Fantin da Cruz, professor doutor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e especialista na bacia hidrográfica do Rio Paraguai, explica que a intensidade da seca sazonal tem relação direta com o volume de chuvas durante o ano. O melhor balizador para a situação climática do Pantanal é o nível do Rio Paraguai, cuja medição é feita desde o início do século 20 pela Régua de Ladário, na base fluvial da Marinha em Corumbá (MS).

De acordo com o portal da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), pela Régua de Ladário, o nível do Rio Paraguai estava em 1,48 metro em 24/2/21, muito próximo do nível de 1,50 metro em 24/2/20. A situação atual seria, por esse parâmetro, igual à do ano passado.

No entanto, Ibraim Fantin esclarece que a seca no Pantanal em 2020, a maior em cerca de 50 anos, foi resultado do baixíssimo volume pluviométrico na região em 2019 e 2020. Mas, a partir da segunda quinzena de dezembro de 2020, voltou a chover dentro do padrão histórico e assim foi também em janeiro e fevereiro de 2021.

Quanto ao futuro, os modelos climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, preveem que o volume pluviométrico no Pantanal continuará próximo ao padrão histórico até agosto, segundo Ibraim Fantin. Ou seja, a previsão é de que o nível do Rio Paraguai subirá gradativamente nos próximos meses e recuperará parte das perdas nos últimos dois anos.

“Tivemos um atraso, mas a cheia já começou no norte do Pantanal, uma vez que os níveis dos principais rios, como o próprio rio Paraguai na altura de Cáceres e o rio Cuiabá, em Cuiabá, já estão dentro do normal para o período. Vamos ter uma cheia modesta em todo Pantanal nessa estação de chuvas, mas a cheia vai acontecer”, prevê Ibraim Fantin. “Na estação de seca, o Rio Paraguai deve ficar dentro do padrão normal, mas abaixo da média histórica. A expectativa é de uma situação melhor do que a de 2020. Uma situação de alerta, mas não crítica como a do ano passado”.

 

Medidas preventivas

Quanto à situação climática, só é possível torcer para que as previsões do Inpe se concretizem. Ainda que o regime pluviométrico se mantenha nos níveis históricos durante o ano, a situação na estação de seca será de alerta.

O Biólogo Luiz Antonio Solino, professor da Universidade de Várzea Grande (Univag), de Mato Grosso, conselheiro da ONG Fundação Ecotrópica e representante do CRBio-01 no Fórum Mato-Grossense de Mudanças Climáticas, reafirma a importância de o poder público colocar em prática iniciativas de prevenção amplamente discutidas durante a crise, mas aparentemente deixadas de lado.

A primeira recomendação dos especialistas é a criação de brigadas de incêndio locais do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Solino defende que, na época da seca, as brigadas fiquem sediadas em municípios e pousadas – em geral, o fluxo de turistas acontece apenas na cheia – próximos aos focos de incêndio.

A capilarização das brigadas permitiria o rápido deslocamento das equipes para o combate aos incêndios. Solino explica que a logística de deslocamento no Pantanal é complexa e que uma equipe do PrevFogo pode demorar até dois dias para chegar, por exemplo, de Corumbá até um foco de incêndio.

Os brigadistas do PrevFogo, em geral, são civis contratados temporariamente pelo Ibama. Solino sugere que os contratados sejam moradores da região.

Outra medida de prevenção fundamental é o aumento da fiscalização. Grande parte dos incêndios no ano passado foi criminosa. Os proprietários de terras no Pantanal podem realizar queimas controladas, desde que autorizados pelo poder público e com as devidas precauções para contenção do fogo. Em 2020, e em menor escala nos anos anteriores, houve muitas queimadas não autorizadas que fugiram do controle e tornaram-se incêndios de grandes proporções, o que se enquadra como cometimento de crime ambiental.

“Até agora, os inquéritos abertos pela Polícia Federal não chegaram aos responsáveis pelos incêndios no ano passado”, ressalta Solino. “O mais preocupante é o atual desaparelhamento dos órgãos de fiscalização, responsáveis pelas autuações aos infratores, como as secretarias de meio ambiente, que têm contingentes pequenos e concentrados nas capitais”.

Para que a tragédia não se repita este ano, os governos federal, estaduais e municipais precisam investir em contratação de recursos humanos para as brigadas e órgãos de fiscalização, treinamento das equipes, criação de infraestrutura local e compra de materiais, como equipamentos de proteção individual, além do aluguel de helicópteros para deslocamento e aviões com capacidade para despejar água sobre as áreas em chamas.

Sobre as queimas controladas, Solino esclarece que a prática é legal e é tradicionalmente praticada pelos proprietários rurais para a limpeza do pasto. Realizar queimas controladas em pequena escala no início da estação de seca pode ser, inclusive, uma boa estratégia para diminuir a quantidade de capim potencialmente combustível no período mais agudo da seca.

No entanto, Solino adverte que as queimas controladas só podem ser realizadas com autorização do poder público e sob condições estritas de segurança, supervisionadas e operacionalizadas por brigadistas do PrevFogo. A área da queimada deve ser cercada por um buraco que impeça a progressão do fogo para outras localidades. No caso de mudança do vento ou de outra circunstância de risco, os brigadistas apagam o fogo. No entorno da área, não pode haver outras queimadas, de maneira que haja uma rota de escape para os animais.

Solino enfatiza também a necessidade do estabelecimento de um sistema mais ágil de monitoramento dos focos de incêndio, que se somaria à atual vigilância por imagens de satélite. Ele propõe a construção de torres de observação, de onde fiscais possam visualizar rapidamente sinais de fumaça. As torres permitem boa visibilidade na planície do Pantanal.

O projeto de torres de observação foi discutido pelas autoridades locais e tem como principal entrave a necessidade de autorizações de proprietários rurais para as construções em terras privadas. Solino defende, então, que os governos instalem as torres em áreas públicas, como reservas, parques e ao longo de estradas.

Para além das medidas imediatas de prevenção, os Biólogos especialistas apontam que a preservação do Pantanal passa pela educação ambiental de proprietários rurais, populações locais e da sociedade como um todo.

José Milton Longo, responsável pela delegacia do CRBio-01 em Campo Grande, lamenta a ausência do trabalho efetivo de educação ambiental nas escolas e de programas dirigidos a pecuaristas e populações que habitam o Pantanal.

“Precisamos de muita educação, sobretudo educação ambiental, que hoje é pontual. Os produtores precisam entender que há alternativas para a limpeza dos pastos sem a utilização do fogo”, defende Longo. “A conscientização, e urgente, é o único caminho para evitarmos o réquiem do Pantanal”.

Incêndio no Pantanal em agosto de 2020. Crédito: Karen Domingo.

 

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