Monumentos de São Paulo apagam a história de negros e indígenas da cidade, mostra estudo
Levantamento do Instituto Pólis mostra como as esculturas da cidade reforçam o racismo estrutural;
De 200 monumentos que retratam figuras humanas, apenas 9 são de negros ou indígenas;
Imagem: Instituto Pólis
São Paulo, dezembro de 2020 – Dos mais de 360 monumentos que homenageiam personalidades e fatos históricos da cidade de São Paulo, menos de 3% representam pessoas negras e indígenas. É o que mostra novo levantamento realizado pelo Instituto Pólis, que avaliou obras presentes no município, a fim de identificar como essa população é representada na história visual da cidade e contribuir com informações para o debate público sobre os monumentos oficiais registrados pela Prefeitura de São Paulo.
O Instituto Pólis avaliou 367 monumentos expostos pela capital paulista. Desses, 200 retratam figuras humanas, apenas 5 são de pessoas negras, sendo 4 figuras masculinas e uma feminina. Em relação a representações de indígenas, 4 estátuas trazem a temática, todas de figuras masculinas. Monumentos em homenagens a homens brancos somam 137 obras. O estudo foi feito a partir de dados da plataforma GeoSampa e está disponível na íntegra em https://polis.org.br/estudos/
De acordo pesquisadores do Pólis Cássia Caneco e Felipe Moreira, responsáveis pelo levantamento, a sub-representação de pessoas negras e indígenas nos monumentos da cidade evidencia o racismo estrutural, impresso na discrepância quantitativa e nas dimensões e espaços ocupados pelas obras.
“Além de um número infinitamente menor, os monumentos dedicados a pessoas negras e indígenas têm dimensões reduzidas”, mostram os pesquisadores. “As obras erguidas às pessoas brancas são muitas e diversas e garantem complexidade às identidades representadas. Enquanto negros e indígenas têm suas histórias apagadas como um projeto de manutenção do poder e da hegemonia branca”, afirmam.
O problema não se limita ao tamanho e quantidade das obras, a narrativa que trazem também influencia na construção de um discurso sobre essas pessoas. “Controlar a forma, a história e as narrativas são um instrumento poderoso. Não basta apenas termos mais monumentos de negros e indígenas, é preciso que essas obras tragam também seus pontos de vista”, afirmam.
Como exemplo, mencionam a escultura da Mãe Preta, a única que representa uma mulher negra na cidade. “A obra, que foi colocada no largo da Paissandu, um bairro historicamente negro do centro de São Paulo, retrata uma ama de leite com formas distorcidas, com a cabeça menor do que o resto do corpo. Essa representação condiciona e reforça a ideia de controle e subalternidade das mulheres negras,”, dizem os pesquisadores.
Eles também chamam a atenção para a dimensão da imagem. A imagem da Mãe Preta tem 3,64m enquanto a escultura do Borba Gato, obra do mesmo artista, soma quase 13 metros de altura.
Localização excludente
Além da quantidade e o que representam, o levantamento também avaliou onde estão localizados os monumentos da cidade. De acordo com os pesquisadores, essas obras foram construídas para habitar um espaço físico e simbólico da cidade, portanto, sua localização também é relevante para estudar a narrativa que constroem.
A desigualdade da distribuição de obras está intimamente ligada aos marcadores sociais de diferença, sejam monumentos ou infraestruturas de transporte, saneamento, arborização, saúde, educação, entre outros.
A maioria dos monumentos de São Paulo está localizada na região central e em bairros nobres de São Paulo. Os bairros de Moema, Sé, República, Jardim Paulista e Consolação são os cinco que mais têm esculturas, com 44, 43, 37, 24 e 23 monumentos respectivamente.
“Escolher posicionar a maior parte dos monumentos na região central, em áreas já valorizadas da cidade, não é um acaso e sim um projeto. O mesmo que promove despejos, remoções e valores proibitivos de acesso à terra nessas áreas”, afirmam.
Gráfico: Instituto Pólis