“Mudanças na legislação e os ataques aos direitos trabalhistas têm ocorrido cada vez mais’’

Marcus Róger Gomes de Medeiros, diretor do Sindicato dos Bancários do Ceará, concedeu entrevista ao Jornal do Comércio do Ceará. No encontro o sindicalista, que também é filósofo, tratou do desenrolar da campanha salarial deste ano da categoria, enalteceu a função dos bancos públicos e defendeu uma reforma no Sistema Financeiro Nacional.

 

JCCE – Qual a sua origem, formação e como iniciou sua atuação na política e se tornou liderança sindical?
Marcus Medeiros – Nascido e criado em Fortaleza, sou filósofo de formação pela Universidade Federal do Ceará. Minha atuação política iniciou no movimento estudantil em 1998 quando fui aprovado na Escola Técnica Federal do Ceará, pois queria seguir o passos de meu pai que foi aluno ali em 1974. No primeiro ano de estudo tivemos uma forte atuação, participamos da fundação do Conselho do Curso do Ensino Médio, e com a mudança de Escola Técnica para Centro Federal de Educação Tecnológica, participamos ativamente da fundação do Diretório Central dos Estudantes José Montenegro de Lima, anteriormente Grêmio Estudantil. Participamos ainda da política partidária quando construímos no PT uma participação popular com Lula em 2002. Após esta experiência e com muitas críticas, nos afastamos em novembro de 2003 da atuação partidária. Após 10 anos, em 2013 participamos das jornadas de junho e iniciamos a colaboração com o Movimento Sem Teto e Popular em Fortaleza. Neste mesmo período iniciamos nossa atuação na greve dos bancários de 2014, e nos anos seguintes a atuação sindical se intensificou. Em 2015, tivemos participação na coordenação da chapa de oposição Resgatar o Sindicato para os Bancários; e em 2016, na eleição do Conselho de Administração Representante dos Funcionários (Caref) do Banco do Brasil quando ficamos em 2.º lugar no país com 5.447 votos. Em 2019, fizemos a opção de realizar uma composição com a atual gestão do Sindicato dos Bancários.

JCCE – Qual a constituição política do Sindicato dos Bancários do Ceará?

Marcus Medeiros – Antes de responder à sua pergunta, é importante destacar o momento que vivemos no país. A eleição de Bolsonaro, em nossa opinião, ampliou a agenda de ataques aos direitos sociais que se instaurou no Brasil desde o governo Temer. E apesar de nossas várias críticas aos governos democráticos populares de Lula e Dilma, entendemos que desde o golpe a agenda política de nosso país é uma agenda antipovo e antitrabalhador. Com Bolsonaro, isso se amplia e ganha uma conotação autoritária, neofascista. É nesse contexto que, apesar das várias críticas que temos ao projeto democrático popular, buscamos construir a unidade da esquerda na luta social, na luta sindical, pois nosso inimigo é o projeto de Bolsonaro. Foi esse contexto que permitiu a construção da unidade no Sindicato dos Bancários do Ceará – das centrais que já estavam à frente da entidade (Central Única dos Trabalhadores – CUT; e Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB) com as centrais que estavam na oposição: Central Sindical e Popular Conlutas – CSP-Conlutas; e Intersindical – Central da Classe Trabalhadora, à qual sou filiado.

JCCE – Por que motivo não houve movimento paredista este ano e em anos anteriores?
Marcus Medeiros– Vale salientar que são motivos diferentes. Em 2018 atuamos e defendemos a construção da greve na categoria bancária. Houve diversas atividades, debates e plenárias que organizamos enquanto ainda éramos oposição. Mas houve um esvaziamento do espaço sindical, das instâncias de participação. Neste ano de 2020 apontamos, desde o início da campanha salarial durante o Encontro Estadual dos Bancários no fim de junho, a necessidade de construir a greve dos bancários. Entendemos que só com luta é que se conquistam direitos, porém o desenrolar da pandemia com a necessidade do isolamento social e o contexto político determinado pelo governo Bolsonaro, que intimida os funcionários, foram gradativamente se impondo como realidade. Assim, ainda que o acordo de 2020 não tenha sido satisfatório, pois não conquistamos o aumento real no período, reconhecemos que a maioria dos direitos foram mantidos; então, aprovamos com críticas a proposta deste ano.

JCCE – Quais as vantagens e desvantagens do acordo salarial bianual?
Marcus Medeiros – inicialmente em 2018 fomos contrários ao acordo bianual, pois as mudanças na legislação e os ataques aos direitos trabalhistas têm ocorrido cada vez com mais frequência. Ao analisar o estudo do DIEESE sobre as campanhas salariais de todas as categorias pelo País afora durante os anos de 2019 e 2020, foi cada vez mais ficando evidente a necessidade de termos uma postura mais enfática de defender os direitos que já temos. Assim durante o governo Bolsonaro e diante da magnitude dos ataques sofridos, penso que seja mais adequado neste contexto defender o acordo bianual. Não se trata de uma questão de princípios, mas antes de tudo de uma questão conjuntural.

JCCE – Qual a sua opinião sobre o sindicalismo brasileiro, com enfoque na categoria bancária, na atual conjuntura política nacional?
Marcus Medeiros – Como já abordamos anteriormente, o momento que o país atravessa é conturbado. A polarização política, a desinformação em massa através das fake news e a política de ataque aos direitos sociais e trabalhistas nos impõem uma enorme dificuldade para o dialogo sincero e aberto das diferenças que uma democracia deveria comportar. Isso não quer dizer que tudo se resolve no debate democrático, as forças sociais progressistas precisam apresentar sua agenda, uma agenda para a maioria do povo trabalhador. Ocorre que a pandemia impõe novos limites, pois o terreno preferencial da esquerda é a rua. Alguns setores da esquerda se esqueceram disso, nós não. E a categoria bancária tem tido maiores dificuldades, pois é vítima do assédio moral para o cumprimento de metas cada vez mais abusivas por um lado e por outro para a competição interna que é fruto da falsa ideia – ideologia – da meritocracia que impele a competição entre os bancários como forma de subir na carreira. Lutar contra isso é importante, mas mais importante é lutar pelos direitos, como o direito à saúde, o direito à previdência e assim por diante.

JCCE – Qual a importância dos bancos públicos neste momento de pandemia por Covid-19?
Marcus Medeiros – Central! Foram os bancos públicos que efetivaram medidas protetivas para amplas camadas da população. Geralmente as pessoas se lembram do Auxílio Emergencial, pago pela Caixa Econômica Federal, que sem dúvida foi a maior e mais significativa política de renda básica universal para o povo brasileiro. Grande parte desse mérito coube à atuação da bancada de oposição que garantiu que o Auxílio Emergencial fosse de R$600,00 em vez de R$200,00 originalmente proposto pelo Bolsonaro e que agora já está sendo cortado pela metade. O Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que visa apoiar o setor produtivo, foi operacionalizado em sua maior parte pelo Banco do Brasil. As políticas anticíclicas que, ao promoverem a indução do desenvolvimento, são feitas pelos bancos búblicos. Foi assim em 2014 e está sendo agora nesta pandemia.

JCCE – Como tornar os bancos privados mais aderentes à situação da população brasileira no tocante à bancarização? Faz-se necessária uma reforma no Sistema Financeiro Nacional?
Marcus Medeiros – Sem sombra de dúvida. O que apontamos acima é que os bancos públicos têm um papel fundamental na indução do desenvolvimento. Mas todos os bancos, públicos ou não, devem cumprir uma função social. Para falar numa linguagem mais simples: se você quiser abrir um banco (desde que tenha obviamente muito dinheiro para isso), é necessária uma concessão pública assim como uma empresa de ônibus tem uma concessão pública para explorar o transporte público. Isso quer dizer que como uma empresa de ônibus não pode aumentar a passagem de ônibus quando quer e que deve estabelecer rotas tantos nos locais mais movimentados como nos bairros mais distantes, assim também são ou pelo menos deveriam ser os bancos. À medida em que obtêm do poder público a outorga para operar no Sistema Financeiro Nacional, devem também cumprir uma contrapartida através de uma função social. Isso, no entanto, é longe de nossa realidade atual e o que vemos é que os bancos privados só buscam o lucro, e nada mais.

JCCE – Qual a tendência dos candidatos do segmento bancário nas eleições municipais deste ano? De esquerda? De centro-esquerda?
Marcus Medeiros – Neste ano de eleições municipais, teremos uma tarefa difícil. Por um lado a agenda de ataques aos direitos sociais impõe à categoria bancária em particular e ao povo trabalhador como um todo uma agenda de retrocessos. Dissemos acima que defendemos e construímos a unidade na luta social, na luta sindical. Porém na luta política se expressa de forma peculiar, pois debatemos projeto de país, projeto de cidade. Muita gente me pergunta por que a esquerda não é mais unidade. Queria de fato que fôssemos mais unidos, sim; mas, precisamos entender que as diferentes visões na luta social precisam ser expressas na luta política. Faz parte do jogo democrático. Entendo que a visão democrática popular após 13 anos de poder mostra-se deficitária para responder à polarização social que o país atravessa hoje. A pandemia ampliou as contradições que se abriram radicalmente na nossa sociedade desde o golpe. Não dá pra jogar tudo isso debaixo do tapete, não é simples assim. Apontamos para um autêntico projeto de esquerda que combine a soberania nacional com os direitos socais e a organização do povo. Se isso é ser radical, sinceramente penso que não, pois radical é Bolsonaro com sua política de morte nesta pandemia. Essas questões devem ser o pano de fundo da disputa municipal. Como os candidatos traduzem essas questões para o plano do município, por isso acreditamos numa proposta de esquerda que seja capaz de apresentar de forma consequente e até as últimas consequências um programa capaz de fazer nascer a esperança e a alegria de viver. Que fale de vida, diversidade, amor, mas também e, antes de mais nada, de direitos sociais, pois é isso que vai salvar o nosso povo.

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