Cantando a Bola: o futebol na música popular brasileira

A canção brasileira se desenvolveu, ao longo de sua história, agregando elementos de diversas culturas: o lundu africano, os cantos indígenas, as modinhas portuguesas, as polcas europeias, entre tantas outras expressões musicais. Aos poucos, os temas das canções se tornaram um retrato cada vez mais fiel da cultura de nosso povo. E como amores e paixões são temas recorrentes na canção brasileira, a partir do século XX, uma nova paixão do povo brasileiro passou a marcar presença constante no repertório da música popular, o futebol.

A paixão se consolidou em um momento parecido com o que vivemos. Em 1918, o Brasil sediaria o Campeonato Sul-americano de Futebol, que precisou ser adiado por conta da pandemia de Gripe Espanhola. A competição foi realizada no ano seguinte, 1919, e o Brasil chegou à final contra o Uruguai. O jogo foi decidido na segunda prorrogação com um gol de Arthur Friendenreich para o Brasil. A vitória foi a primeira grande conquista do país no futebol e veio em um momento de grande comoção nacional, sucedendo a uma pandemia que vitimou milhares de brasileiros, entre os quais o recém-eleito Presidente da República, Rodrigues Alves.

O cenário propício para o nascimento da paixão pelo futebol foi logo retratado pela música. Ainda em 1919, Pixinguinha e Benedito Lacerda compuseram a célebre “Um a Zero”. O choro instrumental, de andamento rápido, pretende traduzir musicalmente os acontecimentos daquela histórica partida de futebol. Na década de 1960, o compositor Nelson Ângelo criou a letra da música, trazendo palavras para descrever a emoção daquele momento.

O esporte preferido dos brasileiros é tema de muitas canções. Algumas delas narram fatos e descrevem personagens históricos, enquanto outras são declarações de amor pelo futebol e pelos elementos presentes nele. Há ainda aquelas músicas em que o futebol aparece de forma coadjuvante para comunicar outra mensagem, que não a futebolística – a exemplo de “Falando de Amor”, de Tom Jobim, que diz: “quando passas, tão bonita, nessa rua banhada de sol, minha alma segue aflita, e eu me esqueço até do futebol”.

Entre as músicas que celebram fatos e personagens, além da pioneira “Um a Zero”, podemos lembrar de “Camisa Dez”, de Hélio Matheus e Luís Vagner, que critica o então técnico da Seleção Brasileira, Zagalo, por não encontrar um padrão de jogo para o time, nem substituto para Pelé no meio de campo. O atacante flamenguista, Fio Maravilha, ganhou uma música em sua homenagem composta por Jorge Ben depois “fazer uma jogada celestial” e marcar o gol decisivo da vitória do Flamengo em um amistoso contra o Benfica, de Portugal. Outro gol do rubro-negro carioca foi narrado em forma de canção pelo Trio Esperança na década de 1970, porém, trata-se um gol imaginado, fictício, marcado por Paulo Cézar Caju. Essa música chamada “Replay (o meu time é a alegria da cidade)”, tornou-se nacionalmente conhecida por ter sido utilizada, no momento do gol, em transmissões radiofônicas de partidas de futebol.

Tratando-se das declarações de amor, os clubes de maiores torcidas no país são o destaque. Na década de 1960, Silvio Santos gravou a marchinha de carnaval “Coração Corinthiano”, composta por Manoel Ferreira, Ruth Amaral e Gentil Junior, cujo título original era “Transplante Corinthiano”, fazendo alusão ao primeiro transplante de coração no Brasil, em 1967, e ao extenso jejum de títulos do clube paulistano. Adoniran Barbosa também cantou seu amor pelo alvinegro em “Coríntia, meu amor é o timão”. Neguinho da Beija-Flor, nessa categoria, teve um insight: sua composição “O Campeão” é um samba exaltação ao seu time, mas em nenhum momento ele dá nome à paixão. O resultado é que diversas torcidas organizadas, de diferentes clubes do país, adotaram o refrão como um de seus cantos.

Os exemplos citados são uma pequena amostra de como a música popular brasileira tem sido utilizada para expressar o amor pelo futebol. Além disso, cantar o futebol é apenas uma das vertentes da relação multidimensional entre o esporte mais querido dos brasileiros e a música. Portanto, segue o jogo… e segue o baile.

Autor: Alysson Siqueira é Mestre em Música pela UFPR e professor da Área de Linguagens Corporal e Cultural do Centro Universitário Internacional Uninter.

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