A safra está chegando
Pedro Abel Vieira[1], Antônio Marcio Buainain[2] e Elisio Contini[3] e Roberta Grundling[4]
Mais uma vez o agro é a exceção aos infortúnios da pandemia. Em ambiente de recessão econômica, o PIB da agropecuária brasileira aumentou 0,4% no segundo trimestre de 2020. Com a primeira e a segunda safras colhidas, a produção de grãos em 2020 já superou os 250 milhões de toneladas, aumento de 4,8% em relação à safra anterior, podendo chegar a 260 milhões de toneladas, a depender do desempenho da terceira safra e da safra de inverno.
Chegou a hora de pensar na próxima safra, que tecnicamente se iniciou em julho próximo passado. São previstos 270 milhões de toneladas de grãos e com a conjugação do aquecimento do mercado internacional e a desvalorização cambial, estima-se rentabilidade cerca de 20% maior que na safra que se encerra.
A euforia reina no agro conforme indicam as operações de crédito e as antecipações na comercialização. A comercialização antecipada da safra de soja 2020/2021 já chegou próximo a 50%, o maior nível histórico, e as operações de crédito têm se concentrado no investimento. Bom sinal, revela confiança no futuro e cria condições para manter o ritmo de crescimento dos últimos anos; porém, é preciso melhor qualificar essa euforia.
No que diz respeito à produção, as perspectivas são positivas. As informações divulgadas por instituições como o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (http://clima.cptec.inpe.br) e o National Oceanic and Atmospheric Administration (https://www.noaa.gov/climate) não sugerem anomalias climáticas extremas durante os próximos meses.
Quanto ao mercado, a variável cambio deverá se manter favorável durante a safra que se inicia. Independente da valorização cambial ocorrida nos últimos dias em função do ambiente externo mais favorável e do possível encaminhamento das reformas econômicas no Brasil, não é esperada apreciação cambial além de R$ 4,50 durante a safra que se inicia. Se, por um lado, a taxa cambial prevista é um fator inflacionário suficiente para que setores do governo flertem com o controle de preços dos alimentos, expondo assim a falta de atenção com a segurança alimentar do país, ela garante maior receita aos agricultores.
Do lado da demanda, o rastro de destruição deixado pela Covid 19 não foi suficiente para inibir o apetite dos compradores internacionais. Os dados disponibilizados pelo Trade statistics for international business development, indicam que, após uma redução drástica entre janeiro a abril de 2020, as importações globais de alimentos processados e produtos agrícolas já igualaram os valores de julho de 2019. Dos 10 maiores compradores mundiais (União Europeia, Estados Unidos da América, China, Japão, Canada, Coreia, Rússia, Austrália, Singapura, Malásia e Tailândia) de alimentos processados e produtos agrícolas, apenas Japão (-11%), Canada (-3%), Rússia (-2%) e Austrália (-3%) não retomaram os valores de julho de 2019. Desse grupo, apenas o Japão apresentou redução significativa em relação ao mesmo período de 2019, porém, a retomada japonesa está sendo vigorosa com aumento de 17% entre maio, pior mês das importações, a julho de 2020.
As importações da UE28 (US$ 29 milhões) e dos EUA (US$ 8,5 milhões) igualaram a marca de 12 meses atrás, enquanto o terceiro maior importador mundial, a China (US$ 5,1 milhões), aumentou em quase 10% o valor das suas importações. O desempenho da China é um sinal importante para a agropecuária brasileira, porém, é preciso atenção com a disputa geopolítica entre EUA e China.
A disputa geopolítica Sino Americana chegou a um acordo histórico, denominado por Fase Um, sobre reformas estruturais e mudanças no regime econômico e comercial da China nas áreas de propriedade intelectual, transferência de tecnologia, agricultura, serviços financeiros. A Fase Um também inclui o compromisso de a China aumentar as compras dos EUA nos próximos anos.
O Capítulo de agricultura da Fase Um, que tem o ano de 2017 como base, prevê que a China faça compras adicionais de produtos agrícolas (carnes, frutos do mar, arroz, lácteos, fórmulas infantis, produtos hortícolas, ração animal e produtos de biotecnologia agrícola) dos EUA ao longo de dois anos. O Acordo previa aumento de US$ 12,5 bilhões durante 2020, em relação a 2017. Até julho de 2020, as importações chinesas de produtos agrícolas cobertos pelo Acordo foram de US$ 9,9 bilhões.
Considerando que menos de 50% do capítulo agrícola do Acordo foi cumprido, são esperadas novas tensões. Não era um problema de demanda, pelo contrário, a recomposição dos rebanhos suínos na China produz forte demanda por soja. A questão é que, enquanto outros grandes produtores de soja, como o Brasil, registravam números recordes de exportação para a China no primeiro trimestre deste ano, as vendas dos Estados Unidos se reduziram. O Departamento de Agricultura dos EUA reconheceu em um relatório recente que os compromissos de exportação para a China continuam a ficar atrás dos níveis de 2018 e 2017.
A grande questão do momento não é se o acordo comercial sobreviverá, mas, que forma este confronto comercial tomará em face dos interesses eleitorais da próxima eleição presidencial nos Estados Unidos. A eleição de novembro avaliará a capacidade dos candidatos em se posicionar com relação à China. Não serão aceitos os ‘abusos’ cometidos pela China ou ideias vagas sobre como trabalhar com aliados para fazer oposição à China.
O desempenho do comércio global de alimentos é um sinal auspiciosos para a safra que se inicia no Brasil. Todavia, isso não significa que os efeitos da política internacional e da pandemia não vão atingir a agricultura brasileira nas safras subsequentes. A questão não está apenas na capacidade de produção e/ou de comercialização do Brasil, mas também no poder de negociação internacional do País, face aos conflitos geopolíticos existentes. China e Estados Unidos é um deles.